Enquanto o sonho de um velho continente sem fronteiras ameaça
morrer sob os golpes da crise migratória, emergem sentimentos, valores,
ideais e fatos que mostram que a solidariedade existe e resiste
Ministros da Suécia, com seu governo, decidiram expulsar e deportar
80.000 estrangeiros. A medida foi anunciada em 27 de Janeiro, o dia em
que, há 71 anos, os soldados do Exército Vermelho entravam no campo de
Auschwitz e revelavam ao mundo o horror do Holocausto. A decisão veio
num momento em que, no mar Egeu, mais um barco se espatifava nas rochas,
afogando 24 migrantes, entre os quais 10 crianças. Foi um anúncio que
se misturou à vontade da Hungria de levantar um muro na fronteira com a Roménia para bloquear o fluxo de refugiados, ou da Macedónia de fazer o
mesmo nas fronteiras com a Grécia. Ao mesmo tempo, a Dinamarca decretou
regras para o confisco de bens dos refugiados.
Talvez sejam arriscadas as comparações com os tempos escuros do
nazismo, mas fica claro o fracasso da Europa: a União, que, graças a
Schengen, tira poder dos funcionários aduaneiros e das polícias locais,
tinha de ser algo mais que um mero acordo multilateral focado apenas em
criar uma enorme plataforma comercial. Mas foi a isso que ela se
reduziu, implodindo não sob o peso dos imigrantes, mas da incapacidade
manifesta de lidar, gerir e regulamentar um fenómeno que, em parte, a
própria Europa contribuiu para criar quando promoveu o uso de armas em
territórios como o Iraque, a Líbia e a Síria.
Paradoxalmente, é essa falta de governo vestida de governo que
alimenta a discriminação e a violência, gerando conflitos. Nas palavras
de Bauman, “o medo impulsivo estimulado pela visão de pessoas que trazem
consigo perigos inescrutáveis compete com o impulso moral causado
pela visão da miséria humana”. Palavras que pintam um quadro sombrio, no
qual, felizmente, florescem as sementes de esperança plantadas por
aqueles que não desistem.
A solidariedade existe e resiste, e brota não na Europa das
instituições, mas na dimensão mais concreta da quotidianidade. Seus
protagonistas são os jovens que, em Nice, distribuem refeições quentes
para os transeuntes que descem das montanhas; os estudantes de Milão,
que, na Estação Central, se alternam dia e noite para dar informações
aos migrantes em trânsito; seus pares gregos da ilha de Lesbos, que se
aventuram em botes de borracha para salvar náufragos lançados às ondas
por mercadores de gente. E, com esses jovens, tantos outros que,
diferentes dos governos nacionais, fazem surgir sentimentos, valores,
ideais e actos concretos.
Morre a Europa dos governos; surge a Europa dos europeus.
in
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