Francisco partiu da Doutrina Social da Igreja para propor aos
trabalhadores e empresários mexicanos uma solução contra a “mentalidade
dominante” que coloca o capital acima do homem
TELAM / NOTIMEX - Foto: Javier Lira |
Uma aliança entre empresa e trabalho, alicerçada na Doutrina Social
da Igreja, foi proposta pelo papa Francisco a cerca de 3000 empregadores
e trabalhadores mexicanos reunidos no pavilhão desportivo de Ciudad
Juárez.
Em uma das últimas etapas da sua visita apostólica, o Santo Padre
abordou mais um tema que lhe é muito caro, o do trabalho. Em um país
onde é grande a hemorragia de emigrantes e muitos são os jovens que
enchem as fileiras do crime organizado, o alarme ressoa forte. Como
assinalou o pontífice, “um dos maiores flagelos a que estão expostos os
seus jovens é a falta de oportunidades de educação, de emprego
sustentável e rentável, que lhes permita fazer planos; e isto gera, em
muitos casos, situações de pobreza”.
Pobreza, acrescentou, que é “terreno fértil para se cair na espiral
do tráfico de drogas e da violência”. O papa reconheceu que “o tempo em
que vivemos impôs o paradigma da utilidade económica como princípio das
relações pessoais” e que “a mentalidade dominante defende a maior
quantidade possível de lucro, a qualquer custo e de modo imediato”.
Esta atitude, no entanto, “não só provoca a perda da dimensão ética
da empresa, mas esquece que o melhor investimento que se pode fazer é o
investimento nas pessoas e nas suas famílias”.
Traçando o diagnóstico de uma “mentalidade dominante” que leva em
muitos casos “à exploração dos trabalhadores como objectos para ser
usados e jogados fora”, o papa recordou que “Deus pedirá contas aos
esclavagistas dos nossos dias, e todos nós devemos fazer todo o possível
para que estas situações não mais aconteçam”. O fluxo de capital “não
pode determinar o fluxo e a vida das pessoas”.
A alternativa a esta tendência está na Doutrina Social da Igreja, que
alguns interpretam mal, como um convite aos empresários para se
tornarem benfeitores. Francis recorda que “a única proposta da Doutrina
Social da Igreja é a de prestar atenção à integridade das pessoas e das
estruturas sociais”. Por isso, “toda vez que, por várias razões, esta
integridade é ameaçada ou reduzida a um bem de consumo, a Doutrina
Social da Igreja será uma voz profética, que ajudará a todos a não se
perderem no mar sedutor da ambição”.
O Magistério da Igreja – explicou o papa – indica as ferramentas para
se alcançar a integridade de cada pessoa e, com ela, o “bem de todos”.
Portanto, “todos nós temos que lutar para garantir que o trabalho seja
uma instância de humanização e de futuro; seja um espaço para se
construir a sociedade e a cidadania”.
Esta é a directriz que o bispo de Roma deixa ao povo do México. E ele a
transmite com a pergunta: “O que o México quer deixar para os seus
filhos? Quer deixar uma memória de exploração, de salários inadequados,
de assédio no trabalho? Ou quer deixar a cultura da memória do trabalho
digno, de um tecto decente e da terra para trabalhar? Em que cultura
queremos ver o nascimento daqueles que vão nos seguir? Que ar eles vão
respirar? Um ar contaminado pela corrupção, pela violência, pela
insegurança e pela desconfiança, ou, pelo contrário, um ar capaz de
gerar alternativas, renovação e mudança?”.
O papa afirma que este projecto de mais equidade é um objectivo difícil
de alcançar. Explica que “não é fácil levar todas as partes a uma
negociação”, mas que “é pior e mais daninha a falta de negociações e a
falta de avaliação”. A este respeito, o papa declarou: “Um dirigente
operário já idoso, honesto, que morreu com o que tinha conquistado, que
nunca se aproveitou de ninguém, um dia me disse: ‘Toda vez que eu tinha
que me sentar à mesa de negociação, eu sabia iria perder alguma coisa
para que todos pudessem ganhar’”. Esta filosofia da negociação também é
própria do papa, que exclama: “Quando se negocia, sempre se perde alguma
coisa, mas todos saem ganhando”.
Além disso, acrescenta, “o ganho e o capital não são bens acima do
homem, mas a serviço do bem comum”. E “quando o bem comum é posto a
serviço do lucro e o capital é o único ganho possível, isto se chama
exclusão, e assim se acaba consolidando a ‘cultura do descarte’”.
O papa volta a evocar o sonho, como tinha feito durante o encontro
com os jovens. E cita um deles, que tinha dito: “Este mundo nos tira a
capacidade de sonhar”. O pontífice acrescenta: “Quando um menino vê o
pai e a mãe somente nos fins de semana, porque eles vão trabalhar quando
os filhos ainda estão dormindo e só voltam à noite, isso não é bom,
esta é a ‘cultura do descarte’”.
Daí a reflexão de Francisco:
“Eu quero convidar vocês a sonharem com um México onde o pai e a mãe
tenham tempo para brincar com seus filhos. E isso vocês podem conseguir
com o diálogo, com a negociação, perdendo um pouco para que todos saiam
ganhando”.
Ao encerrar, o papa se voltou à Virgem de Guadalupe: “Que a
Guadalupana, que se manifestou a Juan Diego e revelou que as suas
testemunhas privilegiadas são aqueles aparentemente deixados de lado,
ajude vocês, seja qual for a profissão que vocês tenham, neste processo
de diálogo, discussão e encontro”.
in
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