Uma hora de entrevista do Pontífice com os 76 jornalistas voltando
do México, sobre temas de aborto, contracepção, pedofilia, diálogo com
ortodoxos, migrantes e crise europeia. Depois o anúncio: “Exortação
pós-sinodal antes da Páscoa”. E sobre Donald Trump: “Não é um cristão”.
Dos EUA de Donald Trump e a sua campanha anti-imigração, passando por
Moscovo e a China e o desejo de uma possível visita àqueles lugares, por
Creta e o Conselho Pan-ortodoxo, a “Ucrânia “ressentida” pelo seu
abraço com Kirill, a Europa ainda um pouco “avó”, até, naturalmente, o
México, país surpreendente e, no passado, sofredor.
Francisco responde todas as perguntas, menos uma: o que pediu à Nossa
Senhora de Guadalupe durante os 20 minutos de oração no Santuário? Não
posso dizer porque “as coisas que um filho fala para a mãe são sempre um
pouco de segredo…”.
O Papa pediu para os católicos sempre votarem segundo a consciência.
“Um parlamentar católico deve votar de acordo com a própria consciência
bem formada”.
Aborto é um crime, um mal absoluto
Duríssima foi a condenação do Santo Padre contra o aborto, proposta
actualmente como solução para as mulheres que, especialmente na América
Latina, contraíram o Zika Vírus na gestação. Para o Papa o aborto não é
um mal menor, mas um crime, é eliminar. É o que faz a máfia, é um crime,
é um mal absoluto. Sobre o mal menor, ou seja, evitar a gravidez,
falamos em termos de conflitos entre o quinto e o sexto mandamento”.
“O grande Paulo VI – recorda Francisco – em uma situação difícil na
África, permitiu que as freiras usassem os contraceptivos para os casos
de violência. Não se deve confundir o mal a ser evitado com a gestação e
o aborto”. Também porque “o aborto não é um problema teológico, mas um
problema humano. Não se deve confundir o mal de evitar a gravidez com o
aborto”. Também porque “o aborto não é um problema teológico, mas um
problema humano. É um problema médico: mata-se uma pessoa para salvar
outra no melhor dos casos. É contra o juramento de Hipócrates que todos
os médicos têm de fazer. É mal em si mesmo, mas não é um mal religioso,
não. É humano. Em vez disso, evitar a gravidez não é um mal absoluto, em
certos casos “.
Pedofilia e abusos: ode à coragem de Ratzinger
Um mal absoluto são, pelo contrário, a pedofilia e os abusos sexuais
por parte do clero; problemática que o México viveu com o caso Marcial
Maciel Degollado, culpado de tais crimes. Perguntado sobre o tema, o
Papa Francisco remarca a linha dura: “Um bispo que troca um sacerdote de
paróquia enquanto é investigado sobre um caso de pedofilia é um
inconsciente e é melhor que se demita”, afirma; depois homenageia a
“coragem do cardeal Ratzinger” e a sua luta vigorosa contra a pedofilia.
Uma frase que provoca um forte aplauso de todos os jornalistas. “Se
vocês se lembram, – continua – dez dias antes da morte de São João Paulo
II, na via crucis da sexta-feira santa, Ratzinger disse que toda a
Igreja precisava ser limpa da sua sujeira”. E também na missa pro
elegendo Pontífice, a do começo do Conclave, Ratzinger “embora sabendo
que era um candidato, porque não é estúpido, não importava de recuperar
posições e disse a mesma coisa. Em outras palavras foi corajoso e ajudou
muitos a abrir esta porta”.
Donald Trump? Definitivamente não é um cristão …
De Roma o olhar expande-se ao mundo, chegando aos Estados Unidos, de
onde, nos últimos dias, chegaram as críticas do candidato republicano
Donald Trump que acusava o Papa de “fazer política” bem como um “peão
do governo mexicano.” O mesmo Trump disse que quer construir um muro
de 2500 km e deportar 11 milhões de imigrantes ilegais. A resposta do
Pontífice é irónica e perspicaz: “Graças a Deus disse que sou político,
porque Aristóteles define a pessoa humana como animal Politicus. Pelo
menos sou uma pessoa humana… E que sou um peão? Talvez, não sei, deixo
ao juízo de vocês, das pessoas, e depois, uma pessoa que só pensa em
fazer muros, seja onde for, e não faz pontes, não é cristão. Isso não é o
Evangelho. Votar não votar, não me intrometo. Só digo que este homem
não é cristão se fala assim. É preciso ver se disse mesmo essas coisas e
sobre isso deixo o benefício da dúvida…”.
Conselho Pan-ortodoxo: “Estarei presente em espírito, mas não irei por respeito”
Sobre os cristãos, entre os principais tópicos da entrevista, há os
recentes laços com os russos ortodoxos depois da reunião do 12 de
Fevereiro com o Patriarca Kirill. O Papa disse que não irá ao Concílio
Pan-ortodoxo por respeito, mas “sei que eles querem convidar
observadores católicos, e isso é uma bela ponte”.
Fiéis ucranianos “desapontados” com o encontro com Kirill
Os fieis ucranianos que se sentiram “traídos” pelo abraço entre
Francisco e o patriarca de Moscovo por causa das “meias verdades” do
documento assinado na Havana. “Um apoio indirecto da Santa Sé à agressão
russa contra a Ucrânia”, como referido pelo arcebispo maior de Kiev,
Sviatoslav Shevchuk, numa extensa entrevista no site oficial da Igreja
Greco-Católica. “Quando li aquele artigo fiquei bastante preocupado”,
admite Bergoglio. “Eu – acrescenta – conheço bem Sviatoslav, um bom
homem; em Buenos Aires, trabalhamos juntos por 4 anos. Respeito-o, temos
familiaridade, por isso pareceu-me um pouco estranho. No entanto, lembrei-me de algo que eu disse aqui também a vocês: para compreender uma
notícia, uma declaração, é preciso olhar a hermenêutica de tudo”.
Guerra na Ucrânia: “que os acordos de Minsk sigam adiante e não se cancelem”
“Eu – continua o Papa – nomeei o povo ucraniano pedindo oração,
proximidade, muitas vezes, tanto no ângelus quanto nas audiências da
quarta-feira: quem começou, qual a solução… evidente que isso é um
problema histórico, é um problema histórico, é um problema pessoal
existencial daquele país”, por isso “se compreende” que tantos fieis
tenham ligado e escrito para Shevchuk dizendo que estão profundamente
desiludidos com Roma. “O documento – afirma o Santo Padre – é opinável
sobre a questão da Ucrânia, mas lá, se diz que se deve acabar a guerra,
que se devem fazer acordos. Também eu pessoalmente disse que os acordos
de Minsk vão adiante e não se cancelem. A Igreja de Roma e o Papa sempre
procuraram a paz recebendo ambos os presidentes”.
Próximas viagens. “China? Com prazer. Eu gostaria de me encontrar com o Imã no Cairo”
Sobre uma possível viagem a Moscovo o Papa evita, enquanto reafirma o
forte desejo de ir à China, e também ao Cairo para encontrar o grande
Imam, depois da recente retomada das relações com Al-Ahazar. Por agora,
no entanto, no coração do Papa apenas a memória da viagem ao México,
cujo povo – diz ele – “é de uma riqueza tal, um povo que surpreende, tem
uma cultura milenária… um povo de uma grande fé que também sofreu
perseguições religiosas, martírios, agora canonizarei dois…”.
Europa: “Precisamos de uma refundação da União Europeia”
Ainda sobre o tema da Europa, o Papa diz que leu em um jornal uma
expressão que o tocou: “re-fundação da União Europeia”. “Eu pensei nos
os grandes pais… Mas hoje onde está um Schuman, um Adenauer, um desses
grandes pais que, depois da guerra fundaram a União Europeia? Gosto
desta ideia da re-fundação da União Europeia, talvez possa ser feito
porque a Europa, não diria que é única, mas tem uma força, uma história,
uma cultura que não se pode desperdiçar, e devemos fazer de tudo para
que tenha a força e também a inspiração de seguir em frente”.
Sínodo: exortação antes da Páscoa. Divorciados novamente casados: a comunhão não significa integração
Na entrevista não falta uma referência à questão espinhosa, central
para ambos os sínodos, sobre os sacramentos aos divorciados novamente
casados. A pergunta da jornalista é provocativa: “A Igreja
misericordiosa tem mais facilidade a perdoar um assassino do que um
divorciado?” Francisco, apreciando a pergunta “plástica” anuncia que o
argumento é discutido em detalhe no documento pós-sinodal “que sairá,
talvez, antes da Páscoa”. Depois reitera que “a pastoral das famílias
feridas” é uma das mais fortes “preocupações” da Igreja, como é também
uma adequada preparação ao matrimónio. “Pense que para tornar-se
sacerdote existem 8 anos de estudo, de preparação e depois, depois de um
certo tempo, se não se consegue, pede-se a dispensa, vai embora e está
tudo bem. Pelo contrário, para fazer um sacramento que é para toda a
vida servem 3 ou 4 palestras…”.
Os “matrimónios reparadores muitas vezes são nulos”, acrescenta o
Pontífice, recordando que em Buenos Aires “como bispo proibi aos
sacerdotes de fazer isso. Que nasça a criança e que permaneçam noivos.
Quando se sentem preparados para casar-se por toda a vida que sigam
adiante”. Sobre o acesso aos sacramentos para os divorciados recasados –
encontrados no encontro em Tuxtla Gutierrez – o Papa especifica que
“integrar estas famílias na igreja não significa receber a comunhão”. Eu
– explica – conheço católicos recasados que vão à Igreja três ou quatro
vezes ao ano. ‘Sim, mas quero comungar’, como se a comunhão fosse uma
honra. Um trabalho de integração, todas portas são abertas, mas não se
pode dizer que podem fazer a comunhão, isso seria uma ferida nos
matrimónios porque não lhe fará bem, ao casal, aquela via de
integração”.
Cartas de João Paulo II: “O Papa precisa do pensamento das mulheres”
Perguntaram ao Papa Francisco sobre essa recente notícia dada pela
BBC que publicou as cartas privadas de João Paulo II com a filósofa
americana de origem polaca, Anna-Teresa Tymieniecka. Uma relação de
amizade, ao longo de 30 anos, da qual todos estavam cientes. Também
Bergoglio que afirma saber desde que estava em Buenos Aires: “Era algo
que se sabia, também os livros dela são conhecidos”. De acordo com o
Papa, “um homem que não sabe ter uma relação de amizade com uma mulher –
não falo dos misóginos que são doentes – é um homem a quem falta algo.
Eu, por experiência, também peço um conselho, peço a um colaborador, a
um amigo, mas também gosto de sentir o parecer de uma mulher, porque te
dão tanta riqueza, olham as coisas de outro ponto de vista”. Portanto,
“uma amizade com uma mulher não é pecado. Uma relação amorosa com uma
mulher que não seja a tua esposa é um pecado. Mas, o Papa é um homem. O
Papa precisa do pensamento das mulheres. Também o Papa tem um coração
que pode ter uma amizade sadia, santa, com uma mulher. Existem tantos
Santos amigos: Francisco e Clara, Teresa e João da Cruz. Não entendemos
ainda o bem que uma mulher pode fazer na vida de um sacerdote e da
Igreja no sentido do conselho, da ajuda e de uma sadia amizade”.
“Em Guadalupe, orei pela Igreja e pela paz”
A última pergunta é pessoal: “O que pediu para Nossa Senhora de
Guadalupe?” E “quando sonha, sonha em italiano ou em espanhol?”. “Sonho
em esperanto”, diz simpaticamente o Papa Francisco, explicando que pediu
à Nossa Senhora, padroeira do México, a paz no mundo “e também tantas
coisas. A pobrezinha deve ter ficado cheia… Pedi perdão, pedi que a
Igreja cresça sadia, rezei pelo povo mexicano e pedi para que os
sacerdotes sejam verdadeiros sacerdotes, as freiras verdadeiras freiras,
e os bispos verdadeiros bispos, como o Senhor quer”.
in
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