Um balanço de dois anos de pontificado
Roma, 24 de Março de 2015 (Zenit.org) Bruno Forte
Neste recente dia 13 de Março, o papa Francisco entrou no
seu terceiro ano de pontificado, solenemente inaugurado com a celebração
eucarística de 19 de Março de 2013. Nestes dois anos, houve inúmeros
gestos e mensagens com os quais ele tem unido tradição e renovação,
fidelidade à identidade da Igreja e abertura ao sopro sempre novo do
Espírito de Deus.
Embora eu ache impossível fazer um balanço exaustivo, parece-me que
três pares de expressões podem ajudar a compreender a novidade e a
profundidade do que este papa vindo "quase do fim do mundo" está
transmitindo ao povo crente e a toda a família humana. O primeiro par
contrapõe à atitude da auto-referência o programa de uma Igreja "de
saída": auto-referente é quem se coloca no centro de todas as relações, e
este seria o caso de uma Igreja que buscasse a própria afirmação e
interesse e não a glória de Deus e a salvação dos homens.
Igreja "de saída" é aquela que se projecta para o Senhor, que se
dispõe a celebrar a sua primazia na escuta obediente e na adoração,
voltando-se, ao mesmo tempo, aos homens, às suas necessidades mais
profundas, ao serviço da sua salvação eterna. As razões pelas quais a
Igreja é chamada a estar sempre "de saída" residem principalmente no
mandamento de Jesus, que envia todos os que crêem nele a levar ao mundo a
alegria da boa notícia: "Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a
toda criatura" (Marcos 16,15).
Há, depois, a urgência que arde no coração dos que encontraram o
Senhor e que os deixa sempre prontos para falar dele, mostrando o motivo
da esperança que eles têm e agindo com a paixão da caridade, em
especial para com os humildes e os pobres. Finalmente, o que põe em
andamento a “saída missionária” é a necessidade de luz e salvação dos
homens, manifestada na imagem forte e concreta usada com frequência por
Francisco: as “periferias”, tantas vezes esquecidas ou negligenciadas,
que convocam a atenção e o compromisso de quem tem o dom da fé.
As "periferias" mencionadas pelo papa são principalmente geográficas,
relacionadas com as populações ainda não evangelizadas e que estão
fisicamente distantes do coração pulsante da comunidade eclesial. No
entanto, pode-se viver em países de antiga tradição cristã, lado a lado
com cristãos fervorosos ou a uma curta distância de igrejas e de centros
de vida litúrgica e de caridade, mas sem conhecer o Senhor ou até
inteiramente privados, por responsabilidade própria ou de terceiros, da
percepção da beleza do seu amor e da importância de conhecê-lo e
experimentá-lo. São as "periferias existenciais": elas vão dos assim
chamados "distantes", que muitas vezes receberam um primeiro anúncio da
boa nova e depois se afastaram da fé por causa das vicissitudes da vida
ou do testemunho pouco ou nada credível dos crentes, até os escondidos
buscadores de Deus, que experimentam no coração o almejo do Totalmente
Outro, mas não sabem como contemplar o seu rosto e receber o dom do amor
divino.
Junto com estes, estão aqueles que, com plena consciência, rejeitaram
o horizonte da fé por considerá-lo ingénuo, desconfortável ou
alienante. Se olharmos para a elevadíssima parcela dos que não costumam
participar da vida sacramental, a amostragem das "periferias
existenciais" da fé se mostrará facilmente em toda a sua variedade e
complexidade. São pessoas "distantes", é verdade, mas, aos olhos de quem
acredita, são amadas pelo Senhor, que morreu e ressuscitou também por
elas: elas são sempre objeto da infinita misericórdia do Pai celeste,
alcançadas pelo sopro do Espírito, que atrai o seu coração para Deus.
Levar a boa notícia a essas "periferias" é a tarefa da Igreja "de
saída", que não fica satisfeita com o "pequeno" e com o "próximo", e sim
percebe a necessidade urgente de compartilhar ao máximo e com todos o
dom recebido do alto, com entusiasmo e generosidade.
O segundo par de expressões caras ao papa Francisco une por contraste
a "cultura do descarte" à ideia de uma Igreja "pobre e para os pobres".
Disse o pontífice, na audiência de 12 de Janeiro, ao corpo diplomático
credenciado junto à Santa Sé: “Há um tipo de descarte que leva a não ver
o próximo como um irmão que precisa ser acolhido; a deixá-lo fora do
nosso horizonte pessoal de vida, a transformá-lo num concorrente, num súbdito a ser dominado. É uma mentalidade que gera aquela ‘cultura do
descarte’ que não poupa nada nem ninguém, das coisas aos seres humanos e
até mesmo ao próprio Deus. Dela nasce uma humanidade ferida e
continuamente lacerada por tensões e conflitos de todo tipo”. Segue-se
disto a trágica realidade que Francisco definiu como "uma verdadeira
guerra mundial combatida por partes". A esta situação, o papa não
contrapõe nenhuma ideia de poder mundano capaz de apresentar uma
solução.
Mesmo chamando os povos e indivíduos à responsabilidade pelo que está
acontecendo, Francisco vê como decisivo o testemunho de pobreza que a
Igreja pode dar, baseada no seguimento de Cristo pobre e na confiança
alicerçada não nos meios humanos, mas na fé em Deus. "Ah, como eu desejo
uma Igreja pobre e para os pobres!", foi a exclamação, tantas vezes
citada, que lhe saiu dos lábios durante a reunião com representantes da media em 16 de Março de 2013, ao relembrar as razões que o levaram a
escolher o nome Francisco. Pobre é uma Igreja que considera como sua
única riqueza a fé no Senhor e o dom do seu amor. Essa Igreja é "para os
pobres" quando, rejeitando toda lógica de grandeza mundana e de poder,
se dispõe a lutar pela dignidade de toda a pessoa em cada pessoa.
É assim que, recusando a lógica egoísta do descarte, ela se põe como
um sinal em favor da gratuitidade, o dom de si como forma autêntica de
relação humana, única possibilidade revolucionária diante dos cálculos
de opressão que envenenam as mentes e as fazem resvalar para o conflito e
para a lei impiedosa da força.
Por fim, o papa Francisco tem muitas vezes falado de uma
"globalização da indiferença", resultado planetário da "cultura do
descarte" e do domínio do interesse egoísta do indivíduo ou de grupos: a
ela, o papa contrapõe o Evangelho da misericórdia. Como já se
vislumbrava na homilia da abertura do pontificado, misericórdia é cuidar
do outro como Deus cuida de nós. A vocação de cuidar não cabe apenas a
nós, cristãos; ela tem uma dimensão que precede e que é simplesmente
humana, cabendo a todos.
É cuidar de toda a criação, da beleza da criação, como nos é dito no
livro do Génesis e como foi demonstrado por São Francisco de Assis: é
ter respeito por toda criatura de Deus e pelo ambiente em que vivemos. É
cuidar das pessoas, cuidar de todos, de toda pessoa, com amor,
especialmente das crianças, dos idosos, daqueles que são mais frágeis
e que, tantas vezes, estão na periferia do nosso coração. É cuidar uns
dos outros na família: os cônjuges cuidando-se entre si, cuidando dos
filhos como pais e, com o tempo, os filhos tornando-se cuidadores dos
seus pais.
É viver com sinceridade as amizades, que são um mútuo cuidar-se na
confiança, no respeito e no bem (cf. 19 de Março de 2013). O primeiro
"cuidador" de todos, com a ternura do seu amor, é o Deus vivo, tal como
apresentado pela fé bíblica: "O Senhor é quem te guarda, o Senhor é a
tua sombra à tua direita" (Salmo 121,5). Cuidados pelo Deus
misericordioso, acolhidos pelo seu perdão, aprendemos a cuidar uns dos
outros com misericórdia: esta é a experiência que Francisco propõe à
Igreja e ao mundo e que ele pretende colocar no centro da vida e da
missão do povo de Deus com o Jubileu recém-anunciado, que começará em 8
de Dezembro de 2015, quinquagésimo aniversário do encerramento do
Concílio, e durará até a Solenidade de Cristo Rei, em 20 de Novembro de
2016.
Um ano santo para converter os corações da globalização da
indiferença ao cuidado misericordioso do amor. Uma boa notícia e, ao
mesmo tempo, um desafio para todos, e só quem vive a experiência
profunda do amor misericordioso de Deus sabe o quanto isto é decisivo
para o futuro da humanidade: e o papa Francisco é uma voz cheia de
credibilidade e de autoridade no tocante a esta experiência.
(Publicado originalmente, em italiano, no jornal “Il Sole 24 Ore”, domingo, 22 de Março de 2015, páginas 1 e 10)
(24 de Março de 2015) © Innovative Media Inc.
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