Páginas

terça-feira, 31 de março de 2015

A palavra-chave da Igreja no Paquistão é esperança

Entrevista com o pe. Miguel Ángel Ruiz, salesiano que conhece em primeira mão a realidade do país asiático


Cidade do Vaticano, 30 de Março de 2015 (Zenit.org) Rocio Lancho García


Ter morado no Paquistão durante 24 anos permite ao padre Miguel Ángel Ruiz entender a situação em que vivem os cristãos naquele país, analisar as causas e consequências dos atentados contra igrejas e propor soluções para combater a marginalização e a perseguição aos cristãos.

“Vejo a esperança na Igreja do Paquistão quando vivo todos os dias com os cristãos comuns, que seguem em frente apesar de todas as dificuldades. Vejo a esperança na família que foge da própria casa por ser cristã, no jovem assassinado por não querer se converter ao islão, nas mães que criam as suas famílias ensinando aos filhos o amor por Cristo, nos cristãos que, um dia depois dos atentados contra as nossas igrejas, voltavam a encher os templos sem medo”, diz ele.

O sacerdote salesiano passou mais de duas décadas como missionário no Paquistão. Onze anos foram em Lahore, onde fez parte do Conselho da Juventude e, mais tarde, do Conselho de Administração. Nos últimos sete anos, foi director da obra salesiana em Lahore, que envolve educação básica e técnica e o maior internato de jovens cristãos do país. Actualmente, ele cursa direito canónico em Roma. Foi em Roma que ele concedeu a seguinte entrevista a ZENIT.

ZENIT: Qual é a situação actual da comunidade cristã?

Padre Ruiz: Se é para fazer uma definição geral, poderíamos dizer no mínimo que é muito ruim. Os dois sectores da população que mais sofrem são também os mais importantes para o futuro da nossa comunidade: as mulheres e os jovens. As mulheres vivem uma dupla situação de discriminação, tanto por ser mulheres quanto por ser cristãs. Se lá o valor da mulher já é tão negativo a ponto de que, num tribunal, o testemunho dela vale a metade do de um homem, ela ser cristã a desvaloriza mais ainda. Quando querem insultar uma mulher cristã, eles a chamam de “cadela cristã”. Quanto à juventude, o arcebispo anterior de Lahore definia o jovem cristão do Paquistão como um ser humano frustrado. A juventude tem um potencial incrível, mas existe muito pouca possibilidade de mudar o destino da própria vida e isto se agrava para os cristãos, submetidos continuamente à falta de oportunidades, à discriminação no trabalho e ao escândalo. Isso pode explicar o fato de que, nos últimos anos, os relatórios sobre a juventude do país falam de até 95% de jovens que querem ir embora. Eu acho que, no caso dos jovens cristãos, pode ser 100%.

ZENIT: Depois dos dramáticos atentados das últimas semanas, qual é a esperança da Igreja no Paquistão?

Padre Ruiz: Esperança é uma palavra-chave no momento actual da Igreja no Paquistão. Se olharmos para o passado e para o presente da nossa situação, vemos poucas razões para a esperança... Mas a falta de razões visíveis ou externas para a esperança não quer dizer que ela não exista. A nossa esperança mais importante é uma Esperança com E maiúsculo. É Cristo Jesus, é Deus, nosso Pai, é a presença viva e operante do Espírito Santo em cada cristão do país. Eu não vejo a esperança nos políticos do país, nem nas estruturas actuais, nem nos grandes discursos... Vejo quando vivo todos os dias com os cristãos comuns, que seguem em frente apesar de todas as dificuldades. Vejo na família que foge de casa por ser cristã, no jovem assassinado por não querer se converter ao islão, nas mães que criam as famílias ensinando aos filhos o amor por Cristo, nos cristãos que, um dia depois dos atentados contra as nossas igrejas, voltavam a encher os templos sem medo. Era tanta gente querendo estar presente nas missas de funeral que a polícia teve que controlar para garantir que só os residentes tivessem acesso aos lugares de culto. Na paróquia católica, mais de 10 mil pessoas se reuniram. Esta é a nossa Esperança.

ZENIT: Sabendo que o futuro é imprevisível, mas levando em conta a tensão existente, o que poderia acontecer nos próximos meses no Paquistão?

Padre Ruiz: O futuro é imprevisível, sem dúvida, e a história do Paquistão demonstra isto... O país esteve à beira do caos em várias ocasiões e de repente acontece algo que muda tudo de novo. Mas, se o futuro é imprevisível, o presente é bem visível: existe discriminação por sermos quem somos, perda de missionários e de congregações, êxodo de cristãos em outras áreas do país dependendo de onde explode a violência, prisões indiscriminadas de cristãos pela polícia... Enfim, uma situação que exigirá que os cristãos façam um esforço ainda maior para continuar sobrevivendo dia após dia no Paquistão.

ZENIT: Qual é o papel da comunidade internacional nesta situação? E da Santa Sé?

Padre Ruiz: Nestes últimos sete anos, a Santa Sé nos defendeu de maneira contínua e muito corajosa. Não é fácil o trabalho da diplomacia vaticana que representa tanto o Santo Padre quanto a Santa Sé em países como o Paquistão. Muitas vezes é necessário ir além dos protocolos se quisermos ser pastores de verdade e servir à Igreja nas pessoas que a formam. Eu vivi bem de perto este apoio e é justo que ele seja reconhecido, porque às vezes pode dar a impressão de que certos serviços na Igreja nos separam do povo. Este não é o caso no Paquistão. No âmbito internacional, poderia ser feito muito mais. O papa Francisco mesmo já denunciou que estão tentando esconder esta perseguição... Porque existe uma perseguição também no Paquistão. Eu concordo que não somos os únicos perseguidos, mas também temos que denunciar em alto e bom som que já somos um alvo onde antes não éramos. O duplo atentado suicida demonstra isto. De agora em adiante, os cristãos do Paquistão não vão mais viver seguros em nenhuma parte do país, porque Youhanabad era o nosso sancta sanctorum, o único lugar em que os cristãos se sentiam seguros... E agora nem isso. Um país como o Paquistão olha muito ao seu redor... Eles não querem ficar isolados e é aí que a comunidade internacional pode ter um papel muito decisivo: pressionando o governo nos momentos de tensão, eles não vão poder agir impunemente contra a nossa gente. Eu acredito firmemente que esta pressão evitou uma sexta-feira negra depois dos atentados. Mas, enquanto fazemos esta entrevista, a polícia continua favorecendo o êxodo de Youhanabad, prendendo indiscriminadamente jovens e até menores de idade só por serem cristãos. Quantas manifestações de apoio a outros colectivos aconteceriam em muitos países se isto acontecesse? Alguns países do Ocidente não querem que haja cristãos de verdade. Não somos só um obstáculo para certas agendas? O cristão sempre será perseguido pelos intolerantes, com violência tanto física quanto ideológica. Eu só acreditarei em alguns organismos internacionais quando, além de denunciarem com as palavras, eles puserem as mãos na massa com medidas concretas.

ZENIT: O que pode ser feito para melhorar esta situação de violência e perseguição contra os cristãos?
Padre Ruiz: Primeiro, é necessário não esquecer o Evangelho... Quem somos. Não podemos responder à violência com violência e não podemos justificar de nenhuma forma acções como o linchamento de dois muçulmanos por alguns cristãos enfurecidos de Youhanabad. Dizer que não foram cristãos que fizeram isso seria esconder-nos; justificar isso como uma reacção lógica na hora dos ataques é esquecer a nossa mensagem, que é uma necessidade da humanidade nessas horas, e começar uma espiral de reacções contra nós. Temos que denunciar a situação sem medo... Usar todos os meios pacíficos ao nosso alcance para continuar ajudando os cristãos do Paquistão: doações para melhorar a sua situação no país, coordenar os grupos de apoio e de defesa, como a Cáritas, a Comissão Justiça e Paz, ajudá-las a viajar ao país para serem agentes evangelizadores válidos em nossa sociedade, porque elas sabem o que é sofrer por causa da fé. E rezar, rezar sempre, nas horas oportunas e inoportunas, como nos recorda a Escritura. E deixar que a forças da ordem ajam devidamente para evitar que a violência continue se estendendo, com o conseguinte genocídio cristão que estamos testemunhando.

ZENIT: Qual é o trabalho dos salesianos no país?
Padre Ruiz: Os salesianos no Paquistão estão do lado dos jovens mais necessitados, como em qualquer outro lugar do mundo, evangelizando sempre. Não fazemos distinção entre os jovens cristãos e os muçulmanos quando eles solicitam a educação básica ou técnica que nós oferecemos, tanto em Quetta (perto da fronteira com o Afeganistão) quanto em Lahore (perto da fronteira com a Índia). Sim, exigimos que os jovens muçulmanos aceitem a nossa identidade como cristãos para fazer parte da nossa estrutura. Não seria aceitável que, com a nossa população escolar de maioria cristã, tivéssemos que nos adaptar a outros credos ou estilos. E eu tenho que dizer que jamais tivemos problemas com os jovens do nosso centro. Mais ainda, em datas como o dia de Dom Bosco, são os próprios jovens muçulmanos que nos pedem para estar junto com os outros estudantes durante a missa, em vez de fazer as actividades alternativas que nós oferecemos, mantendo um clima de respeito e de crescimento mútuo. Eles não nos percebem como uma ameaça, nunca, porque não fazemos proselitismo. Vivemos o que pregamos e o que pregamos não é perigoso para eles. Por isso, é curiosa a transformação que muitos deles sentem entre nós, a ponto de chorar no dia da graduação por terem que deixar o centro. Trabalhamos pelas vocações e em solidariedade com a Igreja local em tudo o que podemos. Não vamos reduzir o nosso trabalho à simples promoção social, porque no Paquistão se vive a fé de uma forma muito intensa: eles precisam de nós como consagrados que somos e exigem que nós vivamos a nossa consagração com totalidade.

Sem comentários:

Enviar um comentário