Entrevista com o pe. Miguel Ángel Ruiz, salesiano que conhece em primeira mão a realidade do país asiático
Cidade do Vaticano, 30 de Março de 2015 (Zenit.org) Rocio Lancho García
Ter morado no Paquistão durante 24 anos permite ao padre
Miguel Ángel Ruiz entender a situação em que vivem os cristãos naquele
país, analisar as causas e consequências dos atentados contra igrejas e
propor soluções para combater a marginalização e a perseguição aos
cristãos.
“Vejo a esperança na Igreja do Paquistão quando vivo todos os dias
com os cristãos comuns, que seguem em frente apesar de todas as
dificuldades. Vejo a esperança na família que foge da própria casa por
ser cristã, no jovem assassinado por não querer se converter ao islão,
nas mães que criam as suas famílias ensinando aos filhos o amor por
Cristo, nos cristãos que, um dia depois dos atentados contra as nossas
igrejas, voltavam a encher os templos sem medo”, diz ele.
O sacerdote salesiano passou mais de duas décadas como missionário no
Paquistão. Onze anos foram em Lahore, onde fez parte do Conselho da
Juventude e, mais tarde, do Conselho de Administração. Nos últimos sete
anos, foi director da obra salesiana em Lahore, que envolve educação
básica e técnica e o maior internato de jovens cristãos do país.
Actualmente, ele cursa direito canónico em Roma. Foi em Roma que ele
concedeu a seguinte entrevista a ZENIT.
ZENIT: Qual é a situação actual da comunidade cristã?
Padre Ruiz: Se é para fazer uma definição geral, poderíamos dizer no
mínimo que é muito ruim. Os dois sectores da população que mais sofrem
são também os mais importantes para o futuro da nossa comunidade: as
mulheres e os jovens. As mulheres vivem uma dupla situação de
discriminação, tanto por ser mulheres quanto por ser cristãs. Se lá o
valor da mulher já é tão negativo a ponto de que, num tribunal, o
testemunho dela vale a metade do de um homem, ela ser cristã a
desvaloriza mais ainda. Quando querem insultar uma mulher cristã, eles a
chamam de “cadela cristã”. Quanto à juventude, o arcebispo anterior de
Lahore definia o jovem cristão do Paquistão como um ser humano
frustrado. A juventude tem um potencial incrível, mas existe muito pouca
possibilidade de mudar o destino da própria vida e isto se agrava para
os cristãos, submetidos continuamente à falta de oportunidades, à
discriminação no trabalho e ao escândalo. Isso pode explicar o fato de
que, nos últimos anos, os relatórios sobre a juventude do país falam de
até 95% de jovens que querem ir embora. Eu acho que, no caso dos jovens
cristãos, pode ser 100%.
ZENIT: Depois dos dramáticos atentados das últimas semanas, qual é a esperança da Igreja no Paquistão?
Padre Ruiz: Esperança é uma palavra-chave no momento actual da Igreja
no Paquistão. Se olharmos para o passado e para o presente da nossa
situação, vemos poucas razões para a esperança... Mas a falta de razões
visíveis ou externas para a esperança não quer dizer que ela não exista.
A nossa esperança mais importante é uma Esperança com E maiúsculo. É
Cristo Jesus, é Deus, nosso Pai, é a presença viva e operante do
Espírito Santo em cada cristão do país. Eu não vejo a esperança nos
políticos do país, nem nas estruturas actuais, nem nos grandes
discursos... Vejo quando vivo todos os dias com os cristãos comuns, que
seguem em frente apesar de todas as dificuldades. Vejo na família que
foge de casa por ser cristã, no jovem assassinado por não querer se
converter ao islão, nas mães que criam as famílias ensinando aos filhos o
amor por Cristo, nos cristãos que, um dia depois dos atentados contra
as nossas igrejas, voltavam a encher os templos sem medo. Era tanta
gente querendo estar presente nas missas de funeral que a polícia teve
que controlar para garantir que só os residentes tivessem acesso aos
lugares de culto. Na paróquia católica, mais de 10 mil pessoas se
reuniram. Esta é a nossa Esperança.
ZENIT: Sabendo que o futuro é imprevisível, mas levando em
conta a tensão existente, o que poderia acontecer nos próximos meses no
Paquistão?
Padre Ruiz: O futuro é imprevisível, sem dúvida, e a história do
Paquistão demonstra isto... O país esteve à beira do caos em várias
ocasiões e de repente acontece algo que muda tudo de novo. Mas, se o
futuro é imprevisível, o presente é bem visível: existe discriminação
por sermos quem somos, perda de missionários e de congregações, êxodo de
cristãos em outras áreas do país dependendo de onde explode a
violência, prisões indiscriminadas de cristãos pela polícia... Enfim,
uma situação que exigirá que os cristãos façam um esforço ainda maior
para continuar sobrevivendo dia após dia no Paquistão.
ZENIT: Qual é o papel da comunidade internacional nesta situação? E da Santa Sé?
Padre Ruiz: Nestes últimos sete anos, a Santa Sé nos defendeu de
maneira contínua e muito corajosa. Não é fácil o trabalho da diplomacia
vaticana que representa tanto o Santo Padre quanto a Santa Sé em países
como o Paquistão. Muitas vezes é necessário ir além dos protocolos se
quisermos ser pastores de verdade e servir à Igreja nas pessoas que a
formam. Eu vivi bem de perto este apoio e é justo que ele seja
reconhecido, porque às vezes pode dar a impressão de que certos serviços
na Igreja nos separam do povo. Este não é o caso no Paquistão. No
âmbito internacional, poderia ser feito muito mais. O papa Francisco
mesmo já denunciou que estão tentando esconder esta perseguição...
Porque existe uma perseguição também no Paquistão. Eu concordo que não
somos os únicos perseguidos, mas também temos que denunciar em alto e
bom som que já somos um alvo onde antes não éramos. O duplo atentado
suicida demonstra isto. De agora em adiante, os cristãos do Paquistão
não vão mais viver seguros em nenhuma parte do país, porque Youhanabad
era o nosso sancta sanctorum, o único lugar em que os cristãos se
sentiam seguros... E agora nem isso. Um país como o Paquistão olha muito
ao seu redor... Eles não querem ficar isolados e é aí que a comunidade
internacional pode ter um papel muito decisivo: pressionando o governo
nos momentos de tensão, eles não vão poder agir impunemente contra a
nossa gente. Eu acredito firmemente que esta pressão evitou uma
sexta-feira negra depois dos atentados. Mas, enquanto fazemos esta
entrevista, a polícia continua favorecendo o êxodo de Youhanabad,
prendendo indiscriminadamente jovens e até menores de idade só por serem
cristãos. Quantas manifestações de apoio a outros colectivos
aconteceriam em muitos países se isto acontecesse? Alguns países do
Ocidente não querem que haja cristãos de verdade. Não somos só um
obstáculo para certas agendas? O cristão sempre será perseguido pelos
intolerantes, com violência tanto física quanto ideológica. Eu só
acreditarei em alguns organismos internacionais quando, além de
denunciarem com as palavras, eles puserem as mãos na massa com medidas
concretas.
ZENIT: O que pode ser feito para melhorar esta situação de violência e perseguição contra os cristãos?
Padre Ruiz: Primeiro, é necessário não esquecer o Evangelho... Quem
somos. Não podemos responder à violência com violência e não podemos
justificar de nenhuma forma acções como o linchamento de dois muçulmanos
por alguns cristãos enfurecidos de Youhanabad. Dizer que não foram
cristãos que fizeram isso seria esconder-nos; justificar isso como uma
reacção lógica na hora dos ataques é esquecer a nossa mensagem, que é uma
necessidade da humanidade nessas horas, e começar uma espiral de
reacções contra nós. Temos que denunciar a situação sem medo... Usar
todos os meios pacíficos ao nosso alcance para continuar ajudando os
cristãos do Paquistão: doações para melhorar a sua situação no país,
coordenar os grupos de apoio e de defesa, como a Cáritas, a Comissão
Justiça e Paz, ajudá-las a viajar ao país para serem agentes
evangelizadores válidos em nossa sociedade, porque elas sabem o que é
sofrer por causa da fé. E rezar, rezar sempre, nas horas oportunas e
inoportunas, como nos recorda a Escritura. E deixar que a forças da
ordem ajam devidamente para evitar que a violência continue se
estendendo, com o conseguinte genocídio cristão que estamos
testemunhando.
ZENIT: Qual é o trabalho dos salesianos no país?
Padre Ruiz: Os salesianos no Paquistão estão do lado dos jovens mais
necessitados, como em qualquer outro lugar do mundo, evangelizando
sempre. Não fazemos distinção entre os jovens cristãos e os muçulmanos
quando eles solicitam a educação básica ou técnica que nós oferecemos,
tanto em Quetta (perto da fronteira com o Afeganistão) quanto em Lahore
(perto da fronteira com a Índia). Sim, exigimos que os jovens muçulmanos
aceitem a nossa identidade como cristãos para fazer parte da nossa
estrutura. Não seria aceitável que, com a nossa população escolar de
maioria cristã, tivéssemos que nos adaptar a outros credos ou estilos. E
eu tenho que dizer que jamais tivemos problemas com os jovens do nosso
centro. Mais ainda, em datas como o dia de Dom Bosco, são os próprios
jovens muçulmanos que nos pedem para estar junto com os outros
estudantes durante a missa, em vez de fazer as actividades alternativas
que nós oferecemos, mantendo um clima de respeito e de crescimento
mútuo. Eles não nos percebem como uma ameaça, nunca, porque não fazemos
proselitismo. Vivemos o que pregamos e o que pregamos não é perigoso
para eles. Por isso, é curiosa a transformação que muitos deles sentem
entre nós, a ponto de chorar no dia da graduação por terem que deixar o
centro. Trabalhamos pelas vocações e em solidariedade com a Igreja local
em tudo o que podemos. Não vamos reduzir o nosso trabalho à simples
promoção social, porque no Paquistão se vive a fé de uma forma muito
intensa: eles precisam de nós como consagrados que somos e exigem que
nós vivamos a nossa consagração com totalidade.
(30 de Março de 2015) © Innovative Media Inc.
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