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sexta-feira, 20 de março de 2015

Mons. Tomasi, observador do Vaticano na ONU, concede entrevista a ZENIT sobre situação no Oriente Médio

Caso haja uma acção militar no Oriente Médio que sejam dos países muçulmanos sob a ONU. 'Que não seja visto como uma guerra de religião'.


Roma, 19 de Março de 2015 (Zenit.org) Sergio Mora


Caso haja uma acção militar no Oriente Médio que sejam dos países muçulmanos sob a ONU.

Entrevista ao Observador do Vaticano na ONU. Mons. Tomasi: ‘Que não seja visto como uma guerra de religião’. A força militar ‘in extrema ratio’ para defender. Mas sem o diálogo não é suficiente.

No Oriente Médio há uma variedade de problemas que se entrelaçam e que não encontrarão solução enquanto não se juntarem em uma mesa aqueles que tem interesses militares e políticos nesta parte do mundo. Assim falou o observador da Santa Sé nas Nações Unidas em Genebra, Mons. Silvano Tomasi nesta entrevista concedida à Zenit. E especifica que se a comunidade internacional deve recorrer ao uso da força, que seja em ‘extrema ratio’.

O observador do Vaticano acrescenta: "Para evitar que uma possível intervenção militar possa ser vista como uma intromissão do Ocidente nos assuntos do Oriente Médio, ou como uma guerra de religiões, os países muçulmanos devem estar directamente envolvidos. Naturalmente, a acção deve ocorrer sob a égide das Nações Unidas. Não esquecendo que mesmo 'a máquina da ONU sendo lenta, ainda assim é uma garantia'. Também adverte: "Nós gostaríamos de encontrar-nos em alguns anos para escutar os processos subsequentes em que a comunidade internacional se pergunta a razão da ausência de uma intervenção’. Acompanha a entrevista a seguir:

ZENIT: Milhares de cristãos e minorias são deslocados e massacrados na Síria, Iraque e outros países, por militantes do Califado Islâmico. O diálogo com eles não funciona, e em parte com outros governos. Como proceder?
- Mons Tomasi: Estamos diante de uma situação fluida, onde há uma variedade de problemas que provocam respostas irracionais. Enquanto não se conseguir criar o diálogo entre aqueles que representam os interesses políticos e militares desta parte do mundo, todas as tentativas serão inúteis. Se não formos capazes de estabelecer um diálogo, não podemos imaginar que se chegue ao final de tanta violência e das perseguições.

Nossa actividade multilateral e a declaração conjunta do 13 de Março passado é um exemplo. Estamos procurando uma convergência de interesses políticos e militares nesta parte do mundo e estamos incentivando todos os representantes políticos do complexo quadro do oriente médio para actuarem.

Um diálogo directo é difícil: falta um interlocutor com referência. Existem várias forças que tentam interagir politicamente, culturalmente e a nível religioso. Mas, sem uma coordenação clara e eficaz.

ZENIT: Com as decapitações colectivas e todas estas brutalidades, o califado islâmico não está querendo provocar uma reacção do Ocidente para, assim, poder liderar os muçulmanos indecisos a enfrentar uma ‘cruzada ocidental’? Como intervir sem que seja considerada uma reacção ocidental?
- Mons. Tomasi: Para evitar uma leitura simplista que poderia enquadrar esta situação com uma guerra religiosa é necessário considerar as palavras cheias de sabedoria do Santo Padre Francisco, durante sua visita à Turquia, em Novembro do ano passado, quando lembrou que "uma importante contribuição pode vir do diálogo inter-religioso e intercultural, para expulsar qualquer forma de fundamentalismo e de terrorismo, que humilha seriamente a unidade de todos os homens e instrumentaliza a religião".

ZENIT: A Santa Sé sempre busca a paz através do diálogo, não é verdade?
- Mons. Tomasi: Uma intervenção militar internacional para defender a minoria ameaçada é uma doutrina que tem sido desenvolvida, quer pelo direito internacional, quer nos ensinamentos da doutrina da Igreja Católica. Para evitar que uma possível intervenção militar possa ser vista como uma ingerência ocidental nos assuntos do Oriente Médio, ou como uma guerra de religião entre os países muçulmanos do Oriente Médio. Os países muçulmanos devem estar directamente envolvidos. Naturalmente, a acção deveria ser realizada sob a égide das Nações Unidas. Proceder de outra forma abriria o caminho para problemas maiores. Certamente a máquina da ONU é lenta e muitas vezes parece não dar resposta em tempos úteis. Mas é uma garantia de imparcialidade e da busca pelo bem comum.

ZENIT: Até que ponto é permitido usar a força?
- Mons. Tomasi: O ideal é nunca ter que usar a força. Na verdade pode-se pensar em situações de emergência, quando é preciso salvar vidas inocentes. O papa João Paulo II, na mensagem para o Dia Mundial da Paz do ano 2000 indicou algumas linhas que também são válidas para a situação actual: "Obviamente, quando os civis estão em risco de sucumbir sob os golpes de um injusto agressor, e quando não serviu para nada os reforços da política e os instrumentos de defesa não violentos, é legítimo e até mesmo um dever comprometer-se com iniciativas concretas para desarmar o agressor. Estas, porém, devem ser circunscritas no tempo e determinadas em seus objectivos, conduzidas no pleno respeito do Direito internacional, garantida por uma autoridade reconhecida a nível supranacional e nunca abandonada à mera lógica das armas”.

O direito de se defender, ou seja, o uso da força por parte da comunidade internacional em defesa daqueles que não conseguem exercitar os seus direitos fundamentais, é uma doutrina consolidada nas Nações Unidas e na Doutrina Social da Igreja.

De fato, a comunidade internacional tem a obrigação de responder e deter, principalmente, qualquer tipo de genocídio.

‘Não gostaríamos de ver em alguns anos os conhecidos processos posteriores, onde a comunidade internacional se pergunta o motivo da ausência de uma intervenção’.

ZENIT: Quais características deveria ter uma intervenção da comunidade internacional?
- Mons. Tomasi: A comunidade internacional depois das atrocidades da Segunda Guerra Mundial criou regras e instrumentos para lidar com situações de emergência humanitária. Em particular, responsabilidade do Conselho de Segurança determinar as modalidades e os tempos de uma eventual intervenção. A posição da Santa Sé sempre foi a de facilitar o diálogo a favor de uma solução pacífica da crise e incentivar a comunidade internacional para que actue unida, especialmente para deter esta espécie de genocídio que estão sofrendo os cristãos e outras comunidades no Oriente Médio. Naturalmente, o caminho do diálogo é difícil com um grupo que não tem nenhum tipo de respeito pelo direito internacional e nenhum desejo de diálogo.

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