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sexta-feira, 6 de junho de 2025

Uma primeira biografia do novo Papa

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Pormenor da capa do livro

Pré-publicação

 | 05/06/2025

 

Na segunda-feira, 9 de junho, é posto à venda o livro Leão XIV: O Sucessor Inesperado, uma biografia do novo Papa escrita pelo jornalista francês Christophe Henning, colunista do jornal La Croix e apresentador da RCF-Radio Notre-Dame. Do livro, editado pela Dom Quixote e com prefácio do dominicano arcebispo de Argel, o cardeal francês Jean-Paul Vesco, o 7MARGENS publica excertos do capítulo “Os doze trabalhos do novo Papa”.

 

Os doze trabalhos do novo Papa

 Uma vez eleito, o que espera o novo Papa? Ou, melhor, o que se espera dele? (…)

Preocupar-se-á ele com os desafios internos da Igreja, frente, nomeadamente, às sensibilidades que se acentuam cada vez mais entre progressistas e conservadores, digamos para simplificar? Quererá ele, à imagem do seu predecessor, dirigir-se primeiro à sociedade contemporânea e ao mundo dos não crentes? Os cem dias serão um primeiro sinal, com o desafio de impor o seu estilo, a sua maneira de intervir nos media e de tirar partido do capital de simpatia da sua eleição.

 

Uma Igreja para os pobres

É, em primeiro lugar, a própria definição da Igreja que será preciso esboçar. Para o Papa Francisco, tratava-se de um «hospital de campanha» ou mesmo um poliedro – fórmula geométrica empregue por Francisco e não muito explícita – mas não, certamente, um «posto de alfândega». Os Padres eram convidados a sentir «o odor das suas ovelhas». O Papa jesuíta tinha escolhido para seu nome o do Poverello de Assis, São Francisco, o que convidava ao despojamento. (…) Dever-se-ia seguir nessa via de sobriedade, de uma Igreja pobre encarnada por um Papa humilde? (…)

Seguindo as pegadas do despojamento de Francisco ou reclamando uma herança mais radiosa, os primeiros indicadores, seja como for, não definem o novo Pontificado. Os sucessivos Papas, desde o século XX, mostram bem personalidades marcadas pelo cargo, que se podem revelar nas suas novas responsabilidades. João XXIII, Papa da transição, convoca o Concílio Vaticano II. Bento XVI apanha toda a gente desprevenida renunciando ao cargo. Francisco, reservado Arcebispo de Buenos Aires, torna-se uma «fera mediática». Aquele que enverga a sotaina branca expõe-se. Mas a sua presença não diz tudo do seu pensamento. E os dossiês que o esperam são suficientemente complexos para não serem reduzidos à imagem que pode projetar o novo Papa.

 

Uma Igreja missionária

 A missão está no coração da vida eclesial e é hoje a palavra de ordem da pastoral em todos os continentes. (…) Após uma segunda metade do século XX mais marcada pelo apagamento e pelo soterramento, a Igreja, desde João Paulo II, assumiu um espírito mais missionário, nomeadamente pela proclamação explícita da fé. É ao mesmo tempo uma maneira de acompanhar os fiéis e também de sair das igrejas para ir ao encontro das pessoas e fazer ouvir a mensagem cristã. As Jornadas Mundiais da Juventude (JMJ) são um dos exemplos mais bem-sucedidos dos projetos missionários. Uma missão que alia o empenhamento social junto dos mais pobres e a proclamação do Evangelho.

A missão, da qual o Papa se irá encarregar, adapta-se hoje ao mundo contemporâneo e, nomeadamente, aos seus meios de comunicação. As redes sociais permitem o acesso direto a numerosas fontes e recursos, testemunhos, orações, ensinamentos que vão além das fronteiras clássicas. (…) Se há, de facto, uma maior diversidade de interventores e de testemunhas – e não apenas Padres e religiosos – há também a perspetiva de uma audiência decuplicada para o Papa que, pelos meios de comunicação, se dirige ao mundo. É mais um desafio para o novo Pontífice que deverá ser «missionário e profético» segundo as expetativas dos cardeais nas congregações.

 

Continuar a lutar contra a pedofilia

Abusos sexuais, Coração Silenciado, Parlamento Europeu

Sobreviventes de abusos sexuais em Bruxelas, entre os quais membros da Associação Coração Silenciado, para entregar petição ao Parlamento Europeu a pedir regulamentação contra o abuso de crianças na internet. Foto: Direitos reservados

A luta contra os abusos sexuais cometidos na Igreja é e será durante ainda muito tempo uma das prioridades mais duras a assumir pelo novo Papa. Este escândalo que, sucessivamente, tocou praticamente todas as Igrejas do mundo, da Irlanda ao Chile, passando pelos Estados Unidos e pela Alemanha, foi em parte a causa da renúncia de Bento XVI. Embora o Papa Francisco desde o princípio do seu Pontificado tenha tomado decisões para lutar contra a criminalidade pedófila, só tomou consciência da sua dimensão com o passar dos anos. (…)

No decurso da maior parte das suas viagens, o Papa Francisco desejou avistar-se com as vítimas de abusos por parte de membros do clero. Foi depois da inédita cimeira que juntou no Vaticano, em 2019, os Presidentes das Conferências Episcopais do mundo inteiro, que Francisco promulgou o Vos estis lux mundi. (…)

Segundo os observadores e as vítimas, a luta no Vaticano contra os abusos sexuais ainda é marcada por uma evolução lenta. De uma cultura de segredo, a Igreja Católica passou para um reconhecimento público do escândalo e à implementação de mecanismos de prevenção e de sanção. Há, contudo, disparidades no empenhamento nesta matéria consoante os países; a batalha cultural para erradicar qualquer dissimulação e restabelecer completamente a confiança ainda está em curso, para fazer da Igreja, segundo as próprias palavras do Papa Francisco, «uma casa segura». Será, sem lugar a dúvidas, uma das prioridades do novo Papa. O Papa Francisco fez, decerto, uma parte do trabalho, mas ainda está muito por fazer.

 

Uma Igreja sinodal

Convocar um «sínodo sobre a sinodalidade» foi o modo de governação que o Papa Francisco quis pôr em discussão, independentemente da dificuldade para o comum dos fiéis de entender esta expressão, sínodo concluído em 26 de outubro de 2024. Após três anos de consultas e encontros, visava desenvolver uma cultura de diálogo na Igreja, mas também dar mais lugar aos leigos e às mulheres e um papel acrescido às Conferências Episcopais. (…)

Basta para perceber que este documento «Para uma Igreja sinodal: comunhão, participação, missão», propugnando uma igreja mais participativa, pode ser considerado pelo novo Papa um roteiro – ou não.

 

O lugar das mulheres

Mulheres, Sínodo, Sinodalidade, Igreja Católica

Mulheres participantes no Sínodo sobre a sinodalidade, 7 Outubro 2023, à saída de uma das sessões da assembleia. Foto © António Marujo/7MARGENS

Durante o sínodo, o papel da mulher na Igreja foi frequentemente abordado nos debates, constituindo uma questão sensível que será um dos dossiês a seguir pelo novo Papa, com pouca margem de manobra: ordenar mulheres está fora de questão, mesmo para o Papa argentino reformista. E, no entanto, o documento final do sínodo sublinha:

«Damos testemunho do Evangelho quando procuramos viver relações que respeitam a igual dignidade e a reciprocidade entre homens e mulheres. As expressões recorrentes de dor e sofrimento por parte de mulheres de todas as regiões e continentes, tanto leigas como consagradas, durante o processo sinodal, revelam como muitas vezes não conseguimos fazê-lo.» (§ 52)

Também aqui houve avanços aos olhos dos reformadores, mas, para eles, ainda não suficientemente nítidos. Caberá ao novo Papa decidir a questão do diaconato feminino, mas, entretanto, Francisco nomeou mulheres para cargos que lhes eram inacessíveis antes. (…) Pouco a pouco, as mulheres tomam lugar no Vaticano: caberá ao Papa confirmar essa evolução esperada pelos fiéis.

 

Os padres continuarão solteiros

 O celibato dos Padres e a ordenação de homens casados virão à colação, mais dia, menos dia, no decurso do novo Pontificado. São, na verdade, duas questões numa: o celibato dos Padres parece ponto assente e o Papa deverá confirmar a disciplina a esse respeito. (…) Muito diferente é a questão da ordenação de homens casados, hipótese avançada por ocasião do Sínodo sobre a Amazónia, para paliar a falta de Padres na região. Embora o Papa Francisco tenha chegado a dizer que não se opunha a isso, rejeitou por fim pôr em prática a possibilidade de uma ordenação sacerdotal de viri probati, homens de idade madura empenhados na Igreja. É muito provável que, num primeiro tempo, o Papa não assuma o risco de abrir as discussões sobre estes assuntos sensíveis que fazem sempre correr muita tinta.

 

Um lugar para os tradicionalistas

 O sucessor de Pedro terá certamente necessidade de voltar a debruçar-se sobre um capítulo difícil que marcou o Pontificado anterior e muito seguramente os debates do Conclave, a saber, o lugar atribuído aos fiéis ditos tradicionalistas. Com efeito, depois de algumas aberturas, o Papa Francisco endureceu as condições da celebração segundo o rito pré-conciliar. Enquanto João Paulo II chegou ao ponto de sugerir aos Bispos que consentissem de maneira «ampla e generosa» na prática do rito tridentino, que Bento XVI deixava ao critério dos Padres, Francisco endureceu as condições e retirou a autoridade da decisão atribuída pelo seu antecessor aos Padres, confiando-a aos Bispos diocesanos. Por outro lado, no motu proprio publicado em julho de 2021, Traditionis Custodes, excluiu as igrejas paroquiais para a prática do rito extraordinário, bem como o uso do latim para as leituras que devem fazer-se em língua vernácula. Uma severidade mal compreendida pelos católicos conservadores, tanto mais que, na maior parte das dioceses – pelo menos em França – se tinha encontrado um certo equilíbrio. (…)

Se era a unidade da Igreja que se procurava com as condições estritas impostas aos fiéis tradicionalistas, o novo Papa poderia procurar a pacificação neste dossiê recorrente e, porque não, tentar reatar o diálogo com a corrente integrista que está, ela, em rutura.

 

A reforma da Cúria

Papa Francisco com membros da Cúria Romana. Foto © Vatican Media.

Papa Francisco com membros da Cúria Romana. Foto © Vatican Media.

Resta referir a reforma da Cúria, uma das prioridades que valeram ao Papa Francisco ser eleito m 2013. Foram precisos nove anos para chegar ao documento de 54 páginas, tornado público a 19 de março de 2022, na festa de São José. Intitulado Praedicate Evangelium [Proclamai o Evangelho], o texto substitui a Constituição Pastor Bonus, publicada em 1988 por João Paulo II. (…)

O que preside à reforma é uma reviravolta das relações: o texto faz a Cúria passar de uma lógica de poder a uma lógica de serviço, à escuta das realidades vividas pelas Igrejas locais. O documento lembra em primeiro lugar que a Cúria é um órgão ao serviço da proclamação do Evangelho e não uma administração burocrática. Isto passa pelo reagrupamento e a redefinição dos dicastérios (equivalentes a ministérios). Insistindo no papel da Cúria «ao serviço das Igrejas particulares» (nacionais), as Conferências Episcopais geográficas deverão ter mais autonomia.

É também a organização interna da Cúria que é modificada. É doravante possível que leigos, homens ou mulheres, dirijam um Dicastério. E uma das medidas que exprimem a vontade de ultrapassar o clericalismo e de reconhecer o papel dos batizados no governo da Igreja. (…) Maltratados por Francisco, os membros da Cúria deverão ser tranquilizados e animados pelo novo Papa.

 

Uma gestão (mais) transparente

Deve ainda registar-se a crédito do Papa Francisco a reforma da Cúria e o saneamento das finanças do Vaticano. Fora eleito em 2013, nomeadamente, para pôr um pouco de ordem na economia do país mais pequeno do mundo. Embora tenha multiplicado as decisões e as medidas, temos de reconhecer que o trabalho não está concluído. (…)

Embora o Pontificado de Francisco tenha trazido mais transparência às finanças do Vaticano, resta encontrar os recursos necessários para fazer frente aos encargos colossais do pequeno Estado. A título de exemplo, o novo Papa deverá preocupar-se com o financiamento do sistema de reforma do pessoal do Vaticano. E não será surpresa para ele a empresa em curso: em setembro de 2024, Francisco dirigia uma carta aos Cardeais:

«Os recursos económicos ao serviço da missão são limitados e devem ser geridos com rigor e seriedade, para que os esforços de quantos contribuíram para o património da Santa Sé não sejam desperdiçados. […] Estamos diante de decisões estratégicas a serem tomadas com grande responsabilidade.»

O novo Chefe da Igreja sabe o que o espera.

 

O acolhimento dos casais homossexuais

Homossexualidade. Foto © Robert V. Ruggiero / Unsplash

Para além das clivagens litúrgicas ou sociais, o reconhecimento dos casais homossexuais opõe o Ocidente à África, os progressistas aos conservadores, os pastores aos teólogos. (…)

«Se uma pessoa é gay, procura o Senhor e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-la?», confidenciou o Papa Francisco em julho de 2013, no avião de regresso da JMJ no Rio. Esta frase, tornada emblemática, marca uma viragem. Logo após a sua eleição em 2013, o Papa Francisco adotou essa abordagem mais pastoral, sem alterar a doutrina. O que evolui é o tom, a atitude, a prioridade dada mais ao acolhimento do que ao julgamento. (…)

Em dezembro de 2023, o Vaticano vai mais longe e publica uma declaração do Dicastério para a Doutrina da Fé, intitulada Fiducia supplicans, aprovada pelo Papa Francisco e que autoriza os padres a abençoar casais em situação dita «irregular», incluindo os homossexuais, na condição de que isso não seja confundido com uma bênção nupcial. Embora o texto precise que não se trata de um rito litúrgico nem de um reconhecimento moral, mas apenas de um gesto pastoral, suscitou reações de rejeição muito fortes de uma parte da Igreja, nomeadamente em África e na Europa de Leste. (…). Como foi resolvida a questão durante o Conclave? Foi, como se supõe, matéria de discordância e de um desacordo tal que chegou a influir nas votações? É certamente uma das questões mais fraturantes entre as jovens Igrejas e o velho continente. O novo Papa precisará de muita paciência para avançar e encontrar uma via suscetível de pacificar um território extremamente sensível.

 

Enfrentar as questões éticas

 Perante as evoluções sociais e científicas, as questões morais multiplicam-se e podem ser fonte tanto de consenso (sobre as questões do aborto, da eutanásia, por exemplo) ou de dissensão (PMA, casamento homossexual…). As grandes questões éticas contemporâneas – em torno da vida, da sexualidade, da família ou das tecnologias – transtornam as referências morais tradicionais. Outras tantas questões que, tradicionalmente, conduzem a Igreja a uma palavra pública que nem sempre é bem recebida na sociedade. (…)

Aborto e eutanásia são dois dossiês essenciais aos quais se acrescentam todas as questões em suspenso: investigação sobre embriões, procriação medicamente assistida, manipulação genética, acolhimento das pessoas LGBT, transumanismo… O Papa Francisco não alterou a doutrina, mas modificou sem dúvida o tom e o método ao rejeitar condenações rígidas e privilegiando o acompanhamento e o discernimento.

Como bom Jesuíta, insistia também na consciência pessoal, como lugar de discernimento moral iluminado pelo Evangelho. É, no entanto, uma palavra de autoridade o que os fiéis esperam sobre esses diferentes casos de consciência, com o risco, para a Igreja, de parecer rígida e em rutura com a sociedade contemporânea. Neste domínio, a comunicação será um desafio para o novo Papa.

 

Corporizar a unidade

«Que todos sejam um», lê-se no Evangelho (Jo 17, 21). É o último dos desafios que incumbem ao Papa – e não é dos menores. Garante da unidade, o Papa tem muito que fazer depois deste Conclave, marcado por oposições discretas, mas profundas. A unidade hoje violentamente posta à prova por tensões doutrinais, culturais, litúrgicas e geográficas. (…)

Embora essa dicotomia sempre tenha existido sob uma forma mais ou menos aguda, as tensões acentuaram-se com Francisco. Os Cardeais africanos militam por um certo rigor da moral, enquanto a Igreja da Alemanha propugna uma governação partilhada com os leigos a seguir ao seu sínodo, ambição reformista parada pelo Vaticano. (…)

Certamente, unidade não é uniformidade – e era já uma intuição forte do Pontificado precedente. A Igreja Católica, na sua diversidade, pode manter-se unida em torno de uma fé comum. Mais do que nunca, o Papa, eleito pelos Cardeais na sua diversidade, corporiza essa unidade da Igreja Católica.

 

Leão XIV: O Sucessor Inesperado
Edição Dom Quixote
Tradução: Miguel Freitas da Costa
136 páginas, 14,40 €



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