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segunda-feira, 16 de junho de 2025

Confirma os teus irmãos

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 | 14/06/2025

“Simão, Simão!
Eis que Satanás vos requereu para joeirar como trigo.
Mas eu roguei por ti, para que não desapareça a tua fé.
E tu, depois de teres voltado para trás, fortalece os teus irmãos.”
(Evangelho Segundo Lucas 22, 31-32)

 

As gaivotas tinham deixado já de patrulhar as telhas da Capela Sistina e os farrapos últimos do fumo branco há muito se haviam dissipado, quando, a 8 de Maio de 2025, o Cardeal Dominique Mamberti – o mais velho dos Cardeais Diáconos no conclave –, proclamou à cidade e ao mundo: Annuntio vobis gaudium Magnum: Habemus Papam! (“Anuncio-vos uma grande alegria: Temos Papa!”). Era a notícia do dia. O cardeal acrescentou tratar-se de Robert Prevost mas, para quase todos os que o escutávamos, o nome pouco ou nada dizia. Era indiferente. A festa fazia-se por voltar a haver Papa em Roma.

Quem, momentos depois, assomou à varanda da Basílica de São Pedro foi o Papa Leão XIV. Em breve, poucos lembrar-se-ão dele por outro nome. Sucessor de Pedro, 267º numa linhagem ininterrupta de quase 2 mil anos, saudou a todos com uma expressão tão antiga como a Igreja: “A Paz esteja convosco!” – “e se lá houver um filho de Paz,” disse um dia Jesus aos discípulos, “repousará sobre ele a vossa paz” (Lc 10,6).

Temos assim um novo Papa, e com ele, seguramente, um novo estilo. Novas prioridades também? Talvez. A começar pelo nome. Como o próprio explicou, quis evocar Leão XIII (1878-1903); o papa que olhou de frente a revolução industrial e defendeu, com a encíclica Rerum novarum (1891), os direitos dos trabalhadores e o dever de assegurar condições de dignidade no seu trabalho. Para Leão XIV, no mesmo campo do trabalho há hoje um desafio novo a enfrentar: o lugar do ser humano frente à robótica e à Inteligência Artificial.

Certas linhas programáticas, assumidas como prioritárias pelo Papa Francisco, terão continuidade: o cuidado a termos todos com a casa comum; a criação de pontes com outras confissões religiosas para, juntos, nos assumirmos como artesãos da paz e de uma fraternidade universal; a implementação, nos processos de ponderação e decisão interna da Igreja Católica, de uma eficaz auscultação sinodal.

Estou em crer, no entanto, que há um serviço primeiro que um papa presta, mais evangélico talvez do que qualquer desses projetos. Trata-se de confirmar na fé todos nós seus irmãos. Falo dos gestos com que testemunha o que lhe vai no coração. O Papa Francisco tinha disso uma particular intuição: o abraço dado a quem sofre; o lavar os pés a jovens encarcerados; o rezar sozinho perante o Santíssimo, numa Praça de São Pedro vazia. Pela palavra e pelo gesto, a fé torna-se mensagem viva que ilumina as consciências. Lembro-me o que para mim representou ver Paulo VI reagir, no Ângelus dominical, ao massacre de um grupo de missionários católicos – no Zimbabué, se não me engano. Estava nas primeiras páginas dos jornais, e o mundo acordara chocado. Para surpresa minha, o Papa nada referiu do sangue e sofrimento desses mártires. Pediu a Deus perdão para os assassinos e rezou para que se arrependessem. Intuí, nesse instante, o poder revolucionário que se escondia nas palavras de Jesus: “Amai a vossos inimigos, […] fazei bem aos que vos odeiam, orai pelos que vos maltratam e vos perseguem” (Mt 5,44).

O ministério do Papa não é, primariamente, o de ser CEO de uma gigantesca multinacional religiosa, nem o de administrar as burocracias da cúria, ou gerir a finanças do Vaticano. Não deixam de ser tarefas importantes. Mas o serviço primeiro que nos presta é ser, simplesmente, discípulo de Jesus; e sê-lo enquanto bispo da Igreja que está em Roma, ou seja, da comunidade que preside a essa “rede de caridade” tecida por gente pequena e grande aos olhos do mundo, que procura, como Pedro, converter-se sempre de novo e seguir o seu Senhor.

 

Peter Stilwell é padre católico e professor da Faculdade de Teologia da Universidade Católica Portuguesa; este texto nasceu de uma meditação para os membros do movimento Vida Ascendente.



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