Atentados da Páscoa de 2019
7M/AIS | 21 Abr 2022
Três anos depois dos brutais atentados terroristas de Domingo de Páscoa, que causaram 269 mortos e cerca de meio milhar de feridos em três igrejas e hotéis no Sri Lanka, há ainda muitas dúvidas sobre o papel das autoridades em tudo o que aconteceu. Numa entrevista realizada por Mark von Riedmann, diretor de Relações Internacionais da Fundação AIS, ao arcebispo de Colombo — de visita à sede da instituição, na Alemanha — D. Malcolm Randjith falou sobre as investigações que, entretanto, foram promovidas e que resultaram em cerca de 23 mil acusações contra 25 homens. No entanto, há ainda muitas perguntas sem resposta. O sangue de todas as vítimas “clama aos céus por justiça”, insiste o arcebispo.
Arcebispo de Colombo, cardeal Malcolm Randjith. Foto da página de Facebook da diocese de Colombo, Sri Lanka.
Depois de três anos desta tragédia, como descreve os sentimentos dos católicos do Sri Lanka?
Toda a comunidade católica do Sri Lanka deseja ver a verdade sobre esses ataques, porque os danos causados à comunidade foram muito, muito profundos. Tivemos 269 mortos, a maioria deles católicos, sem mencionar a tentativa de se colocar uma comunidade religiosa contra a outra, que era a agenda oculta por trás desses ataques.
As comunidades religiosas do Sri Lanka reagiram de maneira extraordinária após as bombas. O ataque dividiu as comunidades ou de alguma forma aproximou-as?
Algumas pessoas que nos ajudaram, que ajudaram essas famílias, eram muçulmanas. Eles deram-nos muito dinheiro. Eles vieram e choraram connosco. E, de facto, tanto eles como nós, sentimos que as pessoas religiosas estão a ser colocadas umas contra as outras para obter vantagens políticas. Então, temos que ser muito claros para identificar quem está por trás de toda essa tentativa e evitar cair na armadilha da violência interreligiosa.
De acordo com relatos na comunicação social, o inquérito do Governo gastou 650 milhões de rúpias, cerca de 2,3 milhões de euros, para investigar os atentados. A polícia apresentou 23 mil acusações contra 25 homens, acusando-os de planear os atentados.
Mas o senhor não está convencido por este relatório…
O relatório em si é muito bom. Mas queremos que as recomendações sejam implementadas. E uma das principais recomendações nesta matéria não é apenas punir 25 muçulmanos com 23 mil acusações. De acordo com o relatório, esses muçulmanos não parecem ter realizado esse ataque por motivos religiosos. Parece haver um motivo político por trás disso. Parece haver alguém com autoridade por trás deste ataque. A alegação é a de que o movimento Estado Islâmico (EI) na Indonésia foi quem provocou ou pediu o ataque — esta é a história oficial, mas há dúvidas.
Quando suspeitou, pela primeira vez, que a explicação do EI não era a mais completa?
As minhas suspeitas surgiram imediatamente após o ataque, porque senti que um bando de jovens não poderia ter realizado esse tipo de coisa de forma tão profissional. Exortei o nosso povo a não reagir contra os muçulmanos, descobri que havia uma tentativa de colocar os cristãos contra os muçulmanos e a envolverem-se em violência. Isso poderia significar um grande desastre para o país. Quando começamos a receber informações de diferentes fontes, sentimos que não havia uma verdadeira investigação. Agora, o relatório diz que a comissão de serviço público fez descobertas muito sérias em termos do status do aparelho de inteligência do Estado. As informações de inteligência não foram compartilhadas com as partes relevantes. Também foi referido que serão necessárias mais investigações para entender se aqueles com interesses escuros não agiram com inteligência para criar o caos e instilar medo e incerteza no país.
Alegações vindas da Índia sugerem que as informações já estavam disponíveis para o governo 17 dias antes do ataque realmente ocorrer. Que sabe sobre isto? Qual foi a evidência? Quais eram as informações que estavam disponíveis para a Índia?
O relatório da comissão presidencial fornece a evidência de que quatro desses avisos foram dados pelo governo indiano ao nosso serviço de inteligência estatal. Mas, mesmo assim, o Governo do Sri Lanka não avisou a população, não avisou a Igreja. Em vez disso, eles circularam uma carta particular entre si, pedindo aos líderes que tomassem cuidado e evitaram contar ao povo sobre isso. Portanto, eles sabiam sobre o ataque que estava para vir. Eles sabiam que algumas pessoas seriam feridas e mortas, mas não quiseram evitar isso.
Os serviços de inteligência do Sri Lanka e a polícia ficaram a saber da violência e das atividades violentas de um homem chamado Zahran Hashim, fundador do grupo islâmico National Thowheed Jamath, porque antes do ataque descobriram um campo de treino onde extremistas islâmicos estavam a ser treinados com material explosivo, então eles sabiam disso mesmo apesar dos avisos. Houve uma série de descobertas sobre essas pessoas e as suas atividades, levando a possíveis ataques futuros. E então vieram os avisos da Índia. Quando se junta A e B, ficou claro que eles sabiam disso. Nesse caso, por que não impediram?
Que vantagem teriam as autoridades do Sri Lanka em não avisar a população de que um ataque poderia acontecer?
O relatório da comissão parlamentar levanta a possibilidade de que eles não quisessem que essa informação fosse dada porque achavam que poderia criar o caos no país, e um candidato eleitoral teria a ganhar se prometesse estabilidade e segurança para o povo.
Esse candidato eleitoral é o atual presidente do Sri Lanka?
Podemos somar dois mais dois…
Qual é o seu pedido?
Queremos viver a verdade. Queremos que este relatório da comissão seja implementado. E há algumas áreas em que a comissão recomenda mais investigações, e queremos mais investigações nessas áreas. Se isso não acontecer, então não temos outra escolha a não ser recorrer à comunidade internacional. Estamos ficando sem opções.
Como carrega este peso?
É uma situação difícil. Temos que orar continuamente e pedir ao Senhor que nos ajude. Às vezes, nessa luta, sinto-me um pouco como o indefeso, como Moisés que tentou tirar o seu povo do Egipto e atravessar o mar. Alcançar de alguma forma a justiça para o nosso povo não significa a vingança, mas descobrir quem realmente fez isso e porquê… Não houve nenhuma provocação. As vítimas nunca fizeram nada de prejudicial a ninguém.
O que podemos fazer?
A coisa mais importante é orar porque o Senhor é mais poderoso do que qualquer outra pessoa. O Senhor pode-nos dar justiça através da oração. A oração contínua é importante para nós. E, também, um espírito de solidariedade e compreensão de que, nesses ataques, não foram mortos apenas cingaleses, mas também vários americanos e europeus. Houve 47 mortos de 14 países e 82 crianças. O sangue de todas essas pessoas clama aos céus por justiça. E como pastor dessas pessoas, eu represento Deus. Eu tenho que ficar do lado de Jesus Cristo, do lado dos pobres e dos sem voz pela justiça, e é por isso que estou a pedir a todos que rezem por nós e estejam connosco em solidariedade.
Entrevista de Mark von Riedman, do Departamento de Informação da Fundação AIS.
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