Presidente dos bispos portugueses
A reafirmação de que a Igreja quer pedir perdão às vítimas de abusos, a valorização dos “passos dados” pela “mudança fundamental” que o 25 de Abril de 1974 proporcionou e a manifestação de solidariedade com o povo ucraniano, vítima da invasão russa do seu país – foram estes os temas principais do discurso do presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), na abertura da 202ª assembleia plenária do episcopado.
“Às pessoas que passaram pela dramática situação do abuso reafirmamos o nosso pedido de perdão, em nome da Igreja Católica, e o nosso empenho em ajudar a sarar as feridas”, afirmou o também bispo de Leiria-Fátima, nesta segunda-feira à tarde, 25 de Abril.
Falando perante os restantes bispos portugueses, o núncio apostólico e vários jornalistas, na assembleia que decorre na Casa de Nossa Senhora das Dores, em Fátima, D. José disse que a CEP está profundamente grata “a quem já se aproximou para contar a sua dura história, superando compreensíveis resistências interiores, marcadas certamente por feridas profundas”.
Ao mesmo tempo, pediu às pessoas que procuram ainda “o momento mais apropriado para se referirem ao que nunca devia ter acontecido nas suas vidas, para que o façam”. E acrescentou: “Estamos convosco: acompanhamos-vos na vossa dor, queremos ajudar a repará-la e tudo faremos para prevenir situações como as que tiveram de enfrentar.”
O “tema não está encerrado”, afirmou o presidente da CEP, pois é necessário um “acompanhamento activo e cuidado para pôr em prática processos e atitudes que defendam a integridade, a dignidade e o futuro de todas as pessoas, particularmente as crianças e aqueles que se encontram em situação de fragilidade, na Igreja e na sociedade”.
Por isso, concluiu, os bispos sentem “o imperativo do Evangelho” que “implica a promoção de uma cultura de respeito e dignidade que favoreça o são desenvolvimento de cada pessoa e ajude a sarar as feridas que permaneçam abertas”.
Neste contexto, José Ornelas agradeceu ainda a colaboração de todas as pessoas envolvidas nas comissões diocesanas de protecção das crianças e jovens, bem como da respectiva coordenação nacional e, ainda, “o trabalho da Comissão Independente” constituída a convite dos bispos mas que trabalha de “forma autónoma”, coordenada pelo psiquiatra Pedro Strecht.
A Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais contra Crianças na Igreja Católica, que começou a trabalhar em Janeiro, tinha já validados, há duas semanas, 290 testemunhos de vítimas de abusos e indicado que há indícios de ocultação de casos por parte de alguns bispos no activo. Nesta assembleia, que decorre até quinta-feira, os bispos irão debater o acesso de um grupo de historiadores e arquivistas convidados a colaborar com comissão aos arquivos diocesanos. Também a realização de reuniões da Comissão Independente com todos os bispos – faltam ainda as respostas de alguns – será falada na assembleia.
25 de Abril: “Sublinhar os passos dados”
Noutro passo do seu discurso, assinalando os 48 anos da revolução de 25 de Abril de 1974 que nesta segunda-feira se assinalavam, o bispo de Leiria-Fátima admitiu que “o ideal de Abril” ainda permanece, em vários aspectos, uma “meta a alcançar”, mas disse que “é importante sublinhar os passos dados na construção de um país baseado nos valores da dignidade e da abertura sem preconceitos aos outros povos e culturas, como terreno sólido para colaborar na construção de um futuro de real fraternidade, solidariedade e paz para toda a humanidade”.
“Iniciamos esta assembleia no dia celebrativo do 48.º aniversário do 25 de Abril, que significou uma mudança fundamental de rumo do nosso país e dos outros países que estavam a nós ligados em atitude de submissão e revolta e que hoje são nossos parceiros por convicção e interesse mútuo, na criação de um mundo de dignidade e de colaboração entre os diferentes povos desta terra”, afirmou o presidente da CEP.
A Ucrânia foi o outro dos temas principais do discurso com que o bispo Ornelas abriu os trabalhos da assembleia do episcopado. Lembrando que a Páscoa foi celebrada há uma semana pela Igreja Católica latina e no último domingo nas igrejas católicas de rito oriental e na Igreja Ortodoxa, afirmou que essa celebração ficou “dramaticamente ensombrada pela bárbara e incompreensível guerra”, com “consequências de trauma, destruição e morte para a população ucraniana e com consequências gravíssimas para toda a humanidade”.
“Desejo exprimir ao povo da Ucrânia a solidariedade, proximidade e oração da Igreja em Portugal”, afirmou o bispo, manifestando “sentido apreço pelo movimento de solidariedade prática da população em geral e concretamente de muitas organizações eclesiais”, para “minorar as consequências desumanas desta agressão”.
“Esta guerra não atinge apenas a Ucrânia, mas tem consequências sérias em todo o mundo”, acrescentou o presidente da CEP, “agravando as dificuldades económicas e sociais provocadas por dois anos de pandemia”: escassez de produtos, subida de preços e “progressiva tensão política internacional, estão a provocar o agravamento das condições de vida sobretudo das pessoas e famílias que dispõem de menores recursos”.
O bispo considerou ainda que o sofrimento das vítimas da guerra iniciada pela Rússia “não pode ser em vão, mas deve conduzir ao reforço das instituições internacionais com real capacidade de mediação e de promoção de uma humanidade baseada na justiça, na dignidade e na paz de um Direito Internacional que a humanidade ainda não conseguiu implementar”. Nesse sentido, afirmou que “aos poderes públicos exige-se competência” para “travar a guerra” e “encontrar soluções duradouras de paz”, acrescentando que “todos os povos têm direito a lutar pela sua autodeterminação e a ambição cega de um regime não pode coarctar ou beliscar esse direito, muito menos invocando razões históricas ou até religiosas”.
No discurso, que pode ser lido na íntegra na Ecclesia, o presidente da CEP referiu-se ainda a outros temas em agenda para estes dias: a preparação da Jornada Mundial da Juventude que espera possa ser uma iniciativa aberta “aos jovens de todas as opções religiosas”; o Sínodo 2021-23, sobre o qual os bispos falarão mais em profundidade em Junho; e sobre três documentos que serão debatidos e eventualmente aprovados, acerca da iniciação da vida cristã, novos ministérios e protecção da privacidade.
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