A pandemia que nos atinge desde há vários meses, e que afeta de modo particular a geração dos mais velhos, tem despertado a atenção de todos para a situação dos idosos na nossa sociedade. Sobre esta questão já a Comissão Nacional Justiça e Paz se pronunciou recentemente e volta a fazê-lo, agora com uma reflexão que pretende ser um pequeno contributo no sentido de uma alteração profunda dessa situação.
Queremos salientar,
sobretudo, que cuidar dos idosos não pode ser tarefa exclusiva do Estado.
Todos, famílias e outras instituições, bem como cidadãos em geral, devem
partilhar, com dedicação, a responsabilidade de garantir aos idosos a
manutenção da sua dignidade de pessoa até à sua morte.
Ao Estado não compete tudo,
mas é a ele que tem de se exigir a criação de uma política de apoio aos idosos
onde estejam definidos objetivos e meios para aplicar com recurso a meios
financeiros próprios e de terceiros. Essa politica deve ainda definir o papel
que cabe a cada entidade envolvida e, naturalmente, os instrumentos de
controlo.
Sempre que possível, deve
ser facilitada a permanência do idoso em sua casa e com a sua família, sem ignorar
que essa permanência exige muitas vezes várias formas de apoio externo que têm
faltado.
Quando esgotada essa
possibilidade, o recurso aos lares deve ser encarado. O funcionamento dos lares
deve ser profundamente alterado, com reforço de meios humanos e materiais, e
acréscimo de comparticipações do Estado. Para uma maior eficácia do serviço aí
prestado, é necessária uma tipologia diferente da atual, com a criação de Lares
especializados.
Apoiar o idoso não é uma
prática assistencialista facultativa, é, antes, dar resposta a um direito
inalienável que ele adquiriu ao longo da sua vida.
Relembramos as palavras do
Papa Francisco na encíclica Tutti Fratelli, sobre a fraternidade e a
amizade social, recentemente publicada (n. 11): «…isolar os idosos e abandoná-los
à responsabilidade de outros, sem um acompanhamento familiar e adequado e
amoroso mutila e empobrece a própria família. Além disso, acaba por privar os
jovens daquele contacto que lhes é necessário com as suas raízes e com uma
sabedoria que a juventude, sozinha, não pode alcançar.»
Lisboa,
13 de outubro de 2020
A Comissão Nacional Justiça e Paz
CUIDAR DOS IDOSOS: DEVER E RESPONSABILIDADE DE TODOS Reflexão
da Comissão Nacional Justiça e Paz
Conta-se que, numa dada região do mundo, numa civilização antiga, era costume colocar os idosos que atingissem uma certa idade no alto de uma montanha, abandonados, para aí aguardarem a morte. O filho mais velho do idoso acompanhava o pai à montanha e entregava-lhe uma manta para proteger o corpo. Conta-se, também, que um certo idoso ao receber a manta rasgou-a ao meio e disse ao filho: toma esta metade de manta e assim, quando fores idoso, o teu filho que virá contigo à montanha já tem a manta que te vai entregar e poupará dinheiro.
Esta história tem o mérito de nos chamar a atenção para o facto
de que todos havemos de morrer. Muitos morrem após um período de vida em que
foram perdendo qualidades intelectuais, atingidos por doenças que condicionam o
viver e, nalguns casos, que os deixam totalmente incapacitados não podendo
sobreviver sem apoio.
A Comissão Nacional Justiça e Paz, num documento recente,
lembrava que: «os idosos têm direito a levar uma vida feliz e em plenitude»
e acrescentava ao terminar: «São cidadãos de parte inteira».
O momento em que se vive, em que a COVID 19 afeta na sua grande
maioria pessoas idosas, justifica dar seguimento à reflexão da CNJP,
sublinhando que cuidar dos idosos, nas suas múltiplas situações, não pode ser
tarefa exclusiva do Estado. Todos, famílias e outras instituições, bem como
cidadãos em geral, devem partilhar, com dedicação, a responsabilidade de
garantir aos idosos a manutenção da sua dignidade de pessoa até à sua morte.
Ao Estado não compete tudo, mas é a ele que tem de se exigir a
criação de uma política de apoio aos idosos, onde estejam definidos objetivos e
meios para aplicar com recurso a meios financeiros próprios e de terceiros.
Essa politica deve ainda definir o papel que cabe a cada entidade envolvida e,
naturalmente, os instrumentos de controlo.
A definição dessa política terá de ter em conta as várias modalidades existentes, ou a criar, que permitem apoiar o idoso, quaisquer que sejam as suas características e necessidades, garantindo interação e colaboração entre elas.
1- Permanência do idoso na sua residência
A permanência do idoso na
sua residência parece ser a solução que agrada mais à generalidade dos idosos.
Porém, em muitos casos, só é possível essa permanência com apoio externo:
alimentação, higiene e convívio. Em Portugal existem várias Instituições que
garantem este apoio. O Estado subsidia estes apoios, muitas vezes com verbas
insuficientes. Em complemento do trabalho desenvolvido pelas instituições.
deveria existir uma rede de voluntários que, regularmente, visitassem os
idosos, promovessem o convívio, os apoiassem em pequenas tarefas e organizassem
passeios. Os cristãos encontrarão nesta função uma forma de viver o Evangelho
que professam. Estes voluntários não substituem a família do idoso, quando ela
existe, e devem funcionar como complemento.
2 – Permanência do idoso na família alargada
A
permanência do idoso na família alargada (casa de filhos ou outros familiares)
tem muitas vantagens face a outras modalidades. Porém, o idoso não pode ser um
elemento à parte. Deve estar integrado nas atividades da família e participar
nas refeições e passeios, e também ter um espaço próprio. Quando possível, o
idoso deveria participar em tarefas concretas.
O
Estado poderia apoiar as famílias que integrassem os seus idosos com apoio
financeiro e /ou incentivos fiscais.
Recorda-se que nesta modalidade existem situações em que o idoso já se encontra numa situação de grande dependência e necessita de um “Cuidador” permanente. O Estado apoia financeiramente estes casos, mas é necessário aumentar esse apoio e também o seu controlo.
3-
Permanência em Centros de Dia
Diversas
instituições criaram e gerem “Centros de Dia”. Os idosos são transportados em
veículos da instituição, ou por familiares, e permanecem durante o dia na
instituição. É-lhes fornecido almoço e lanche e, nalguns casos, recebem um
suplemento alimentar para o jantar. Alguns destes Centros não estão dotados de
pessoal especializado para promover a ocupação ativa dos idosos, através de
jogos, trabalhos manuais, atividades musicais, entre outras. O que se vê,
infelizmente, em muitos Centros são écrans de televisão abertos durante
todo o dia. Estes Centros deveriam promover passeios e encontros com utentes de
outros lares ou participação externa em eventos sócio culturais.
O Estado apoia existência destes Centros de Dia, mas as verbas não podem ser muito inferiores à despesa efetiva realizada, como hoje acontece e que exige às Instituições mobilização de recursos próprios
4-
Permanência em Lares de Idosos.
Quando esgotadas as modalidades referidas acima, o recurso aos lares deve ser encarado. O funcionamento dos lares deve ser profundamente alterado, com reforço de meios humanos e materiais, e acréscimo de comparticipações do Estado. Para uma maior eficácia do serviço prestado pelos Lares, e até redução de custos, é necessária uma tipologia diferente da actual, com a criação de Lares especializados.
4.1 Lares de 1º nível
Neste
tipo de lares deveriam estar instalados apenas idosos com razoável capacidade
de movimentação, sem demências profundas ou outras doenças do foro mental.
Nestes Lares deveriam existir equipas de assistência médica.
Fundamental é a existência de Animadores Culturais que promovem a participação ativa dos idosos: jogos, musica, arte de dizer e passeios e encontros com utentes de outros Lares.
4.2 Lares de 2º nível
Idosos acamados, com demências profundas, completamente dependentes deveriam ser colocados em Lares próprios com técnicos especializados. Para estes idosos seria necessário garantir um acompanhamento permanente.
4.3. Lares de 3º nível – cuidados continuados
Nestes Lares deveriam ser colocados idosos com doenças que necessitam de tratamento com técnicos especializados permanentes. E também idosos que foram sujeitos a intervenções em hospitais e que precisam de acompanhamento médico e de enfermagem até recuperarem em parte das suas doenças.
Todas estas modalidades de Lares, geridas por entidades públicas e privadas, particularmente IPSS, Misericórdias e entidades com ou sem fins lucrativos, deverão ser co-financiadas pelo Estado e, por isso, objeto de acções de auditoria e controlo de atividade.
5 A
situação dos lares ilegais
Proliferam, em Portugal Lares ilegais, onde, na maior parte dos casos, os idosos aí colocados vivem situações degradantes. Nem o Estado, nem outras entidades, podem «colocar a cabeça na areia» e ignorar estas situações, que todos sabemos existirem devido à grande procura dos familiares dos idosos. Havia que acompanhar estas situações e procurar criar todas as condições para eliminar o que está errado e promover as soluções adequadas.
6-
Permanência em unidades de cuidados paliativos
Estas
unidades são necessárias e não apenas na fase terminal de uma doença. Nessa
fase, permitem que idosos e outras pessoas possam ter uma morte digna e sem
sofrimento.
Também aqui são necessários recursos, parte dos quais devem ser suportados pelo Estado e possibilitar uma menor carga para os hospitais.
7-
Em conclusão
A
situação dos idosos deve se objeto de atenção de todos. Os idosos não são
“seres descartáveis”; pelo contrário são gente que deve ser respeitada e amada
por todos. O Estado tem a obrigação de zelar pelos idosos, garantindo a sua
qualidade de vida. Também a sociedade civil (instituições e cidadãos em geral)
não pode descartar as suas responsabilidades. Apoiar o idoso não é uma prática
assistencialista facultativa, é, antes, dar resposta a um direito inalienável
que ele adquiriu ao longo da sua vida.
Relembramos as palavras do
Papa Francisco na encíclica Tutti Fratelli, sobre a fraternidade e a
amizade social, recentemente publicada (n. 11): «…isolar os idosos e
abandoná-los à responsabilidade de outros, sem um acompanhamento familiar e
adequado e amoroso mutila e empobrece a própria família. Além disso, acaba por
privar os jovens daquele contacto que lhes é necessário com as suas raízes e
com uma sabedoria que a juventude, sozinha, não pode alcançar.»
A
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