A mão parece a extremidade vulgar dos membros
superiores, mas o homem já é um animal erecto e não precisa das mãos para
andar, por isso pode agarrar em tudo sem se prender a nada do que ela se
apropria. Quer dizer, a mão é o símbolo mais impressionante da inteligência, o
Homem deita a mão a tudo e tudo cai sob o domínio do Homem. É pela mão que o Homem
é o artífice do mundo. A mão é a obreira do pensamento e a presença prática do seu
espírito no mundo.
Ao poder agarrar tudo, a mão do Homem supõe o cérebro
e liga-se a ele. Os sábios explicam como a posição vertical liberta a caixa
craniana de uma espécie de jugo muscular que bloqueava o seu desenvolvimento.
Suprimido este constrangimento, o invólucro protector do cérebro cortical pôde
desenvolver-se. Nesse invólucro está alojado um fantástico computador vivo que
contém, no mínimo, uma quinzena de milhões de células: o cérebro. É ele que
torna possível o jogo indefinido de associações e de relações que a nossa mente
produz e das quais se alimenta.
É ainda a mão que permite o aparecimento da face
humana. De facto, sem a mão, é a mandíbula ou os queixais ou o bico ou a língua
ou a garra que ataca directamente os alimentos e isso implica força e
violência. Quando a mão, libertada pela posição vertical, pega nos alimentos, a
face, subtraída à violência, muda de feição e humaniza-se para outras funções
para além do comer. É então que a face se converte em rosto, isto é, em
sorriso, em olhar e, sobretudo, palavra (aliás o sorriso e o olhar são já, de
certo modo, palavras.
Convém reflectir um pouco nesta coisa maravilhosa que
é a palavra. O que é falar? É fazer brotar ideias no seio de um conjunto sonoro
que, em si mesmo, não passa de um jogo de vibrações, mas só o Homem tem esse
poder.
Falar é proferir um conjunto organizado de sons,
vogais e consoantes que formam sílabas e palavras ligado a um conjunto
organizado de significados. Este sistema de sons, ligado a um sistema de
sentidos ou de significados, varia de país para país e denomina-se língua: o
português, o francês, o chinês, etc. O Homem aprende a sua língua chamada
materna e torna-se capaz de se abrir ao universo do encontro, da partilha e do
diálogo.
O Homem não poderia pensar se não pudesse falar e não
existiria reflexão se não houvesse linguagem, como também não poderia fazer
raciocínios nem emitir juízos se estas duas nobres funções não fizessem dele um
ser superior por excelência. Foi a liberdade da mão que tornou possível o verdadeiro
pensamento, essa chispa de inteligência que o eleva da natureza animal e o
caracteriza como Homem.
Concluiremos então que o Homem não é uma dupla
substância, corpo e alma, das quais, uma - o corpo - aprisiona a outra - a
alma, e a prejudica. O corpo não é em si um elemento exterior de que a alma
poderia prescindir. O corpo é parte essencial do nosso ser. Corpo e alma estão
tão ligados um ao outro no próprio acto de existir, como o som e o sentido no
acto de falar. Assim como a palavra é indivisivelmente som e sentido, também,
do mesmo modo, indivisivelmente, a existência humana é corpo e alma. A alma não
é nunca sem o corpo; o corpo não é nunca sem a alma; o corpo e a alma não são
nunca sem o mundo.
O corpo não é mais do que a própria alma considerada
na actuação do seu poder e da sua energia. Esta massa de células vivas que nós
chamamos corpo e que é um foco de energias, sustenta, alimenta funções que, por
sua vez, desenvolvem uma vida psíquica, que, no seu ponto mais alto, se expande
em sentimentos superiores, em inteligência, vontade e amor.
Tudo isto poderá parecer redundante, porém, urge
esclarecer que a alma não age nem existe senão pelo corpo e para viver é
preciso comer, beber e dormir. O Homem é um todo, uno, indivisível e imortal.
Mas esta categoria da imortalidade advém-lhe do facto de ser criado à imagem e
semelhança de Alguém superior, que lhe deu a vida com estas características e
esta dimensão de mais, mais, e sempre mais. Por isso é que o macaco não pensa,
porque não lhe foi atribuída esta faculdade.
E aqui reside a maravilha da Criação, seguida da
complementar evolução, graças às capacidades inerentes ao Homem e ao seu
potencial para as desenvolver, aumentar e criar novas dimensões de abertura ao
transcendente, que longe de o aprisionar lhe abre as portas para crescer,
melhorar e se divinizar na medida em que pode e sabe aperfeiçoar-se na sua
humanidade, melhorar o contexto que o rodeia, fazer cultura, colaborar na
civilização do mundo onde lhe foi dado nascer, viver e, a seu tempo, partir,
rumo à origem que lhe deu a vida.
Nota: Homem com maiúscula refere-se à
espécie humana, quer dizer, todos nós, mulheres e homens estamos naturalmente
abrangidos e englobados, sem necessidade de fazer qualquer referência às
diferenças específicas dos dois sexos, que embora diferentes são
complementares. Iguais em deveres e em direitos, criados por amor e para amar e
não para dividir ou guerrear.
Maria Susana Mexia
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