Se alguém pensa que a Igreja teve vida fácil, leia sobre o grande cisma ortodoxo, em 1054, e o período pleno de heresias nos séculos XII e XIII. Nestes momentos de dificuldade surgiram grandes santos, dentre os quais o patriarca São Francisco e seu confrade Santo António, que aliás se conheceram. Santo António foi notável orador e, mercê deste dom, de sua sabedoria e de extraordinário conhecimento da Bíblia, combateu com sucesso algumas heresias, dentre as quais a dos cátaros, na França. A palavra cátaros, grega, significa “puros”. Ou seja, estes hereges atribuíam a si mesmos esta qualidade... O fato é que o grande Santo António, um “impuro”, converteu muita gente, a ponto de ser alcunhado como o “martelo dos hereges”.
Pregos... Pregos servem para edificar, para unir, fixar. Como também podem crucificar. A vida se encarrega de espalhar pregos pelo caminho. Encontrei em uma biografia de Verdi uma carta que escreveu sob profunda tristeza: “Em princípios de abril, meu filhinho adoece: os médicos não conseguem atinar com o mal e o garotinho definhando, morre nos braços da mãe desesperada! Não basta: poucos dias depois, cai a pequenina doente por sua vez e a moléstia, também agora, é fatal! Não basta ainda, era pouco! Nos primeiros dias de junho, minha pobre companheira é atacada de uma violenta encefalite e a 19 de junho de 1840, um terceiro enterro sai de minha casa! E eu fiquei só, só, só! No curto espaço de dois meses, três entes queridos desapareceram para sempre! Destruída a minha família! No meio dessa terrível agonia, tive que escrever e acabar uma ópera bufa!”. A obra não agradou. Deprimido, teve a certeza de que a arte não o consolaria e decidiu nunca mais compor. Tinha vinte e sete anos incompletos.
Escrever sobre política não me é prazeroso. Fico tão feliz quanto ficaria redigindo obituários, sobretudo porque os poderosos zombam do povo. Mas por vezes é preciso, como agora, quando alguns clamam pela tomada do poder pelos militares, como nossa última reserva moral. Amigo de longa data, atento às coisas da política, expressou seu ponto de vista em longa conversa. Me disse que o judiciário não merece mais o respeito do povo. Como chegamos a isto? Em primeiro lugar porque, segundo ele, um país com tamanhas desigualdades não pode orgulhar-se de sua justiça. Acredita que o judiciário fechou-se em si mesmo, buscando regalias: no convés de um navio a naufragar, discute o valor do auxílio refeição. Que, convenhamos, não deveria existir.
Quanto aos políticos, não perdeu muito tempo. Indignado, assegurou que os eleitos das aldeias mostram a mesma sede dos que labutam em Brasília. Nomeiam apaniguados, tomam de assalto secretarias e abusam dos cargos em comissão. Pode-se recusar a versão? Dias atrás soube que um sujeito - que conhece de obras tanto quanto eu conheço de astronomia,- foi admitido na secretaria... de obras! Coisas como estas se dão todos os dias e o que se escuta? O silêncio.
Por fim apontou sua metralhadora giratória para os liberais da área médica, os advogados e mesmo os militares. Os causídicos porque fomentam conflitos e, jurando defender direitos, tornaram o país num ringue. No que diz respeito à justiça do trabalho, como discordar? Somos recordistas mundiais! Quanto aos médicos, sua opinião é dura. Enriquecem todos, à custa de um povo doente. Apelou para um termo futebolístico para marcar sua posição: o preço da saúde é similar ao preço de ingresso na mão de cambistas... Quanto aos militares, será que defenderiam uma previdência única, abrindo mão de se aposentarem, alguns, antes dos cinquenta anos?
Precisamos, na vida pública, de pregadores honestos, que martelem os pregos que unirão o país e não os que fecham nosso caixão. Não vejo nenhum “martelo de traidores” no horizonte, neste momento, mas não sou pessimista. Verdi não completara vinte e sete anos quando sofreu os golpes que poderiam tê-lo liquidado. Os mesmos vinte e sete anos da redemocratização do Brasil, cujo desarranjo é digno mesmo de uma ópera bufa. Estamos de luto, como Verdi... Mas ele voltaria e compôs alguns de seus melhores trabalhos quando andava na casa dos setenta.
Para mudar o país, com ou sem armas, será necessário convocar os homens a abrir mão de seu egoísmo, repreender e vigiar as instâncias de poder, exaltar as virtudes do povo, dar o exemplo e laborar. Para que o povo deixe a condição de escravo, como aquele que em Nabucco por fim se liberta de Nabucodonosor. Vivemos no exílio da pátria. Cantemos o Coro dos Escravos Hebreus, para reavivar dentro de nós a chama quase extinta de um saudável nacionalismo.
J. B. Teixeira |
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