1- Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus!
Com estas palavras Jesus calou os adversários que lhe armavam ciladas ao perguntarem-lhe se era lícito ou não pagar o imposto aos romanos que ocupavam militarmente o seu país. Se respondesse que não, seria acusado de revolucionário e entregue aos invasores que o liquidariam. Se dissesse que sim, o povo judeu não o receberia como o Messias enviado a salvar Israel, uma vez que estaria do lado dos romanos, seus inimigos. Estas palavras do Senhor ajudaram, ao longo destes dois mil anos, a separar política e religião, reconhecendo a autonomia de cada uma. Mas não foi fácil a sua convivência, pois o exercício do poder, como é sabido, facilmente corrompe tanto aqueles que o exercem como figuras politicas, como César, ou como sacerdotes, em nome de Deus.
2 - Uma das primeiras conclusões que devemos tirar desta frase de Jesus é que nenhum César se pode intitular como deus para exigir aos súbditos atos de adoração e de culto que só a Deus devemos prestar. Foi esta a causa do martírio de tantos cristãos no tempo do Império Romano: a recusa de prestarem culto ao imperador. De facto, na Igreja aprendemos a rezar pelos nossos governantes, não aos nossos governantes. E se, por representarem o que representam têm direito ao respeito, às honras e à obediência às leis civis e ao pagamento dos tributos e impostos, nunca deverão poder obrigar ninguém a obedecer-lhes quando as suas leis são contra a Lei de Deus. A divisão dos campos de ação do politico e do religioso, digamos assim, não é horizontal, não é como um Tratado de Tordesilhas, que, no século XV, dividiu o mundo novo entre Portugal e a Espanha. Também César está sujeito a Deus, como Jesus disse a Pilatos “nenhum poder terias sobre mim se não te fosse dado do alto.” (Jo 19,11). E Deus tem a ver com aqueles que no mundo exercem o poder, como claramente podemos ver na primeira leitura do próximo Domingo, na qual o imperador da Pérsia, Ciro, embora pagão, é tratado por ungido do Senhor, por Cristo do Senhor.
3 – De quem é esta imagem e esta inscrição? A esta pergunta feita pelo Senhor aos fariseus que O tentavam, eles responderam o que era óbvio e estava à vista de todos: de César. A fé do povo de Israel no Deus único, não permitia o uso e a veneração de qualquer imagem, pois só o homem, criatura de Deus, pode ser considerado imagem de Deus e assim, dai a César o que é de César, ou seja, dai-lhe a sua imagem. Mas dai a Deus o que é de Deus, ou seja, dai-lhe a sua Imagem, dai-lhe os homens e as mulheres criados à sua Imagem e libertados da escravidão da adoração das imagens. Já ouvistes falar, certamente, da Verónica, da verdadeira imagem que Jesus, segundo a tradição, imprimiu no pano com que uma mulher lhe limpou o rosto ensanguentado quando carregava com a Cruz a caminho do Calvário. O rosto do Filho de Deus sofredor é a verdadeira imagem que nós cristãos devemos trazer gravada em nossas almas.
4 - Queridos irmãos e irmãs, convido-vos a responder com verdade a esta pergunta do Senhor: de quem é a imagem que hoje trazes gravada no teu coração? Ou seja, quais são os ídolos a quem prestas culto, a quem pedes aquilo que só Deus te pode dar? O desporto, a arte, a politica, o dinheiro, o trabalho? Tudo isto são coisas boas, mas são coisas, não são Deus. O primeiro mandamento da Lei de Deus, manda-nos que O adoremos acima de tudo e Lhe prestemos culto só a Ele. Todos os outros relacionamentos com o próximo e com as coisas, estão condicionados por este relacionamento primeiro e dependem dele. Dar a Deus o que é de Deus pode traduzir-se: ama e adora a Deus acima de tudo. Na carta aos Romanos, no capitulo doze, São Paulo exorta os cristãos a oferecerem os seus corpos, a oferecerem-se a si mesmos a Deus como sacrifício vivo, santo e agradável. E acrescenta: este é o culto lógico, espiritual, que lhe deveis prestar. Este é o culto próprio dos cristãos, o único culto que Jesus ofereceu ao Pai, no Seu Corpo entregue.
Porque estamos no mundo precisamos de César. Mas porque não somos do mundo, e a nossa vida cristã deve afirmar isso com toda a clareza, para sermos verdadeiramente humanos e filhos de Deus, precisamos de Deus, precisamos de dar a Deus o que é de Deus. E toda a nossa vida não chega para aprendermos a viver inteiramente esta justiça nova. Lembro-me de uma frase que li quando era novo: dai a Deus o que é de Deus, que César bem se encarrega de vir buscar o que lhe é devido e, muitas vezes, muito mais do que isso.
+ João Marcos
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