Nestes tempos de discursos rasteiros e pessoas nitidamente despreparadas no poder, os que se consideram ou são considerados por seus pares como intelectuais têm se mostrado pobres, omissos, quando não indigentes e patéticos. Seu silêncio ou cumplicidade, comprados por um carguinho para um parente ou germinados pelo medo, têm colaborado muito para que a nossa situação vá de mal a pior. Quando não é a cooptação das vantagenzinhas, estas que produzem anões morais, ou o temor de se incomodar por abrir a boca, então é a ideologia que inutiliza os homens, fazendo com que cheguem ao absurdo de defender que dois mais dois dá cinco.
A bem da verdade, não me sinto à vontade para definir o que seja um intelectual. Me parece um termo cediço. Seria alguém que lê muito? Se for, pode-se dizer que um leitor assíduo do Diário Oficial é, portanto, um intelectual? Não sei se existe uma definição convincente. Menos mal, porque assim nem a arrogância nem a titulação garantem o reconhecimento de intelectualidade. Conheci pessoas graduadas e aborrecidas, longe do que se imagina de um intelectual, como igualmente convivi com outras que sequer conquistaram um diploma universitário e no entanto tinham cultura e senso crítico admiráveis. Isto não nos deve surpreender, afinal basta lembrar que os grandes filósofos gregos não frequentaram cursos como hoje os conhecemos. Tiveram mestres, mas se notabilizaram sobretudo por não economizarem os próprios neurónios.
Existem muitas pessoas que reconheço como intelectuais, mercê de sua cultura, seja em várias áreas do conhecimento, seja em um campo específico. Gente que gosto de ouvir, sabendo de antemão que não dissiparei esta areia chamada tempo, que escoa veloz na ampulheta da existência. Admiro ainda mais os que conjugam saber, simplicidade e a inquietude que os torna úteis. Noam Chomsky é uma destas personalidades que vale ler e escutar. Em uma carta, escreveu que “As coisas acontecem no mundo devido ao esforço de pessoas dedicadas e corajosas, de cujos nomes ninguém ouviu falar, e que não passam para a História”.
Intelectual de primeira grandeza, devotado aos bons combates, a serviço de pessoas comuns, sem sectarismo, Chomsky protagonizou exemplos dignos de nota. Judeu, se opôs à ideia de um Estado judeu na Palestina, prevendo a marginalização de boa parte da população e tantos outros problemas que surgiriam pela criação de um Estado segundo preceitos religiosos. Atraiu detratores e difamações na própria comunidade judaica, que enfrenta até hoje com serenidade e firmeza. Não fosse o maior linguista vivo no mundo, professor do mundialmente prestigiado MIT, em Boston, e não tivesse sólida argumentação e coragem moral, teria sido esmagado.
Condena a política externa dos Estados Unidos, coonestada por muitos intelectuais, que aberta ou sutilmente defendem a ideia de que os norte-americanos agridem quando são agredidos, ou que o fazem para evitar verdadeiros banhos de sangue, ou para punir atrocidades. Denunciou a atuação de seu país no sudeste asiático e naturalmente execrou a guerra do Vietname e sua crueldade, num conflito que produziu muitos “crimes de guerra”.
Enquadram-se nesta classificação ataques a civis, tortura de prisioneiros e maus tratos aos feridos. São, até certo ponto, hipocrisias consagradas pelo Tratado de Genebra e pelo direito internacional. Afinal, matar pode. A guerra é sempre a barbárie em estado efervescente, mas há massacres que maculam a humanidade, como o de Nanquim, cometido pelos japoneses, e o de My Lai, na vila vietnamita de mesmo nome, quando os militares receberam a ordem de matar tudo que se mexesse. Cumpriram à risca e só pararam quando um piloto de helicóptero, percebendo a chacina, aterrissou e ameaçou metralhar seus pares se não parassem. Só assim o efeito matilha cessou e meia dúzia de vietnamitas se salvou. Há uma entrevista deste piloto disponível na rede social. É um desconhecido entre nós, mas entrou para a História.
Chomsky empresta sua voz e prestígio para combater a selvageria, denunciando interesses econômicos e geopolíticos por trás dos conflitos. Num país como o nosso, tomado pelo câncer da corrupção, traído por uma elite boçal e míope, este intelectual norte-americano pode servir de inspiração para que os tantos que são competentes, bem formados e subiram na vida saiam de seu autismo e trabalhem para mudar seu entorno. Na vila, onde é sempre possível virar o jogo.
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