Na Basílica de São Pedro o Papa presidiu a solene liturgia da Ressurreição do Senhor
(ZENIT – Cidade do Vaticano, 15 Abr. 2017).- O Papa Francisco
presidiu neste Sábado Santo, 15 de abril, na Basílica de São Pedro, a
solene Vigília Pascal da Ressurreição do Senhor. Eis a homilia do Santo
Padre, na íntegra.
«Terminado o sábado, ao romper do primeiro dia da semana, Maria de
Magdala e a outra Maria foram visitar o sepulcro» (Mt 28, 1). Podemos
imaginar aqueles passos: o passo típico de quem vai ao cemitério, passo
cansado da confusão, passo debilitado de quem não se convence que tudo
tenha acabado assim. Podemos imaginar os seus rostos pálidos, banhados
pelas lágrimas. E a pergunta: Como é possível que o Amor tenha morrido?
Ao contrário dos discípulos, elas ali vão, como já acompanharam o
último respiro do Mestre na cruz e, depois, a sepultura que Lhe deu José
de Arimateia; duas mulheres capazes de não fugir, capazes de resistir,
de enfrentar a vida tal como se apresenta e suportar o sabor amargo das
injustiças. Ei-las chegar diante do sepulcro, divididas entre a tristeza
e a incapacidade de se resignarem, de aceitarem que tudo tenha sempre
de acabar assim. E, se fizermos um esforço de imaginação, no rosto
destas mulheres podemos encontrar os rostos de tantas mães e avós, os
rostos de crianças e jovens que suportam o peso e o sofrimento de tanta
desumana injustiça.
Nos seus rostos, vemos refletidos os rostos de todos aqueles que,
caminhando pela cidade, sentem a tribulação da miséria, a tribulação
causada pela exploração e o tráfico humano. Neles, vemos também os
rostos daqueles que experimentam o desprezo, porque são imigrantes,
órfãos de pátria, de casa, de família; os rostos daqueles cujo olhar
revela solidão e abandono, porque têm mãos com demasiadas rugas.
Refletem o rosto de mulheres, de mães que choram ao ver que a vida
dos seus filhos fica sepultada sob o peso da corrupção que subtrai
direitos e quebra tantas aspirações, sob o egoísmo diário que crucifica e
sepulta a esperança de muitos, sob a burocracia paralisadora e estéril
que não permite que as coisas mudem. Na sua tristeza, elas têm o rosto
de todos aqueles que, ao caminhar pela cidade, vêem a dignidade
crucificada. No rosto destas mulheres, há muitos rostos; talvez
encontremos o teu rosto e o meu.
Como elas, podemos sentir-nos impelidos a caminhar, não nos
resignando com o facto de que as coisas devem acabar assim. É verdade
que trazemos dentro uma promessa e a certeza da fidelidade de Deus. Mas
também os nossos rostos falam de feridas, falam de muitas infidelidades –
nossas e dos outros –, falam de tentativas e de batalhas perdidas. O
nosso coração sabe que as coisas podem ser diferentes; mas, quase sem
nos apercebermos, podemos habituar-nos a conviver com o sepulcro, a
conviver com a frustração. Mais ainda, podemos chegar a convencer-nos de
que esta seja a lei da vida anestesiando-nos com evasões que nada mais
fazem que apagar a esperança colocada por Deus nas nossas mãos.
Muitas vezes, são assim os nossos passos, é assim o nosso caminhar,
como o destas mulheres, um caminhar por entre o desejo de Deus e uma
triste resignação. Não morre só o Mestre; com Ele, morre a nossa
esperança. «Nisto, houve um grande terremoto» (Mt 28, 2). De improviso,
aquelas mulheres receberam um forte estremeção, algo e alguém fez tremer
o solo sob os seus pés. Mais uma vez, alguém vem ao encontro delas
dizendo: «Não tenhais medo», mas desta vez acrescentando: «Ressuscitou,
como tinha dito». E tal é o anúncio com que nos presenteia, de geração
em geração, esta Noite Santa: Não tenhamos medo, irmãos! Ressuscitou
como tinha dito.
A vida arrancada, destruída, aniquilada na cruz despertou e volta a
palpitar de novo (cf. R. Guardini, Il Signore, Milão 1984, 501). O
palpitar do Ressuscitado é-nos oferecido como dom, como presente, como
horizonte. O palpitar do Ressuscitado é aquilo que nos foi dado,
sendo-nos pedido para, por nossa vez, o darmos como força
transformadora, como fermento de nova humanidade. Com a Ressurreição,
Cristo não deitou por terra apenas a pedra do sepulcro, mas quer fazer
saltar também todas as barreiras que nos fecham nos nossos pessimismos
estéreis, nos nossos mundos conceptuais bem calculados que nos afastam
da vida, nas nossas obcecadas buscas de segurança e nas ambições
desmesuradas capazes de jogar com a dignidade alheia.
Quando o sumo sacerdote, os chefes religiosos em conivência com os
romanos pensaram poder calcular tudo, quando pensaram que estava dita a
última palavra e que competia a eles estabelecê-la, irrompe Deus para
transtornar todos os critérios e, assim, oferecer uma nova oportunidade.
Uma vez mais, Deus vem ao nosso encontro para estabelecer e consolidar
um tempo novo: o tempo da misericórdia. Esta é a promessa desde sempre
reservada, esta é a surpresa de Deus para o seu povo fiel: alegra-te,
porque a tua vida esconde um germe de ressurreição, uma oferta de vida
que aguarda o despertar.
Eis o que esta noite nos chama a anunciar: o palpitar do
Ressuscitado, Cristo vive! E foi isto que mudou o passo de Maria de
Magdala e da outra Maria: é o que as faz regressar à pressa e correr a
dar a notícia (Mt 28, 8); é o que as faz voltar sobre os seus passos e
sobre os seus olhares; regressam à cidade para se encontrar com os
outros. Como entramos com elas no sepulcro, assim vos convido a irmos
também com elas, a regressarmos à cidade, a voltarmos sobre os nossos
passos, sobre os nossos olhares.
Vamos com elas comunicar a notícia, vamos… a todos aqueles lugares
onde pareça que o sepulcro tenha a última palavra e onde pareça que a
morte tenha sido a única solução. Vamos anunciar, partilhar, revelar que
é verdade: o Senhor está Vivo. Está vivo e quer ressurgir em tantos
rostos que sepultaram a esperança, sepultaram os sonhos, sepultaram a
dignidade. E, se não somos capazes de deixar que o Espírito nos conduza
por esta estrada, então não somos cristãos. Vamos e deixemo-nos
surpreender por esta alvorada diferente, deixemo-nos surpreender pela
novidade que só Cristo pode dar. Deixemos que a sua ternura e o seu amor
movam os nossos passos, deixemos que o pulsar do seu coração transforme
o nosso ténue palpitar.
in
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