Celebração eucarística por ocasião do 1050º aniversario do Baptismo da Polónia
O Santo Padre visitou o santuário mariano mais importante
da Polónia, na sua segunda jornada neste país. Lá, celebrou a eucaristia
por ocasião do 1050º aniversario do Baptismo desta nação. O Papa deixou
na manhã Cracóvia e dirigiu-se a Częstochowa.
De caminho ao aeroporto fez uma visita não programada. Foi ao
hospital local para cumprimentar o arcebispo emérito de Cracóvia o
cardeal Francisek Macharski, gravemente enfermo. Em seguida realizou
outra parada, esta sim programada, no convento das irmãs da Apresentação
da Beata Virgem Maria, onde rezou em silêncio com as religiosas e
alguns estudantes da escola que dirigem.
O Pontífice chegou por volta das 9.30, hora local, no papa-móvel, para
cumprimentar os fieis ali reunidos, que o esperavam para a celebração
eucarística. Antes, entrou no mosteiro e rezou na capela da “Virgem
Negra” junto com uns 300 padres do Instituto Religioso da Ordem de São
Paulo Primeiro Eremita.
Ato seguido deu começo à missa concelebrada pelos bispos da Polónia e
milhares de sacerdotes polacos e de outras nacionalidades. Ao
começar, quando o Santo Padre estava incensando o altar, tropeçou e caiu
no chão, mas se levantou rapidamente e tudo continuou com normalidade.
Confira a homilia na íntegra:
***
Das leituras desta Liturgia emerge um fio divino, que passa para a história humana e tece a história da salvação.
O apóstolo Paulo fala-nos do grande desígnio de Deus: «Quando chegou a plenitude do tempo, Deus enviou o seu Filho, nascido de uma mulher» (Gal
4, 4). A história, porém, diz-nos que, quando chegou esta «plenitude do
tempo», isto é, quando Deus Se fez homem, a humanidade não estava
particularmente preparada, nem era um período de estabilidade e de paz:
não havia uma «idade de ouro». A cena deste mundo não era merecedora da
vinda de Deus; antes pelo contrário, já que «os seus não O receberam» (Jo1, 11). Assim a plenitude do tempo foi um dom de graça: Deus encheu o nosso tempo com a abundância da sua misericórdia; por puro amor – por puro amor –, inaugurou a plenitude do tempo.
Impressiona, sobretudo, o modo como se realiza a entrada de Deus na história: «nascido de uma mulher».
Não há qualquer entrada triunfal, qualquer manifestação imponente do
Todo-Poderoso. Não Se manifesta como um sol ofuscante, mas entra no
mundo da forma mais simples, chega como uma criança através da mãe, com
aquele estilo de que nos fala a Sagrada Escritura: como a chuva sobre a
terra (cf. Is 55, 10), como a menor das sementes que germina e cresce (cf. Mc
4, 31-32). Assim – ao contrário do que esperaríamos e talvez
quiséssemos – o Reino de Deus, hoje como então, «não vem de maneira
ostensiva» (Lc 17, 20), mas na pequenez, na humildade.
O Evangelho de hoje retoma este fio divino que atravessa
delicadamente a história: da plenitude do tempo passamos ao «terceiro
dia» do ministério de Jesus (cf. Jo 2, 1) e ao anúncio da «hora»
da salvação (cf. v. 4). O tempo restringe-se, e a manifestação de Deus
acontece sempre na pequenez. Assim «Jesus realizou o primeiro dos seus sinais miraculosos»
(v. 11), em Caná da Galileia. Não há um gesto estrondoso realizado
diante da multidão, nem uma intervenção que resolva um problema político
flagrante, como a subjugação do povo à dominação romana. Pelo
contrário, numa pequena aldeia, tem lugar um milagre simples, que alegra
o casamento duma jovem família, completamente anónima. E contudo a água
transformada em vinho na festa de núpcias é um grande sinal, porque
revela o rosto esponsal de Deus, de um Deus que Se põe à mesa connosco,
que sonha e realiza a comunhão connosco. Diz-nos que o Senhor não Se
mantém à distância, mas é vizinho e concreto, está no
nosso meio e cuida de nós, sem decidir em nosso lugar nem Se ocupar de
questões de poder. De facto prefere encerrar-Se no que é pequeno, ao
contrário do homem que tende a querer possuir algo sempre maior.
Deixar-se atrair pelo poder, a grandeza e a visibilidade é tragicamente
humano, resultando uma grande tentação que procura insinuar-se por todo o
lado. Ao passo que é requintadamente divino dar-se aos outros,
eliminando as distâncias, permanecendo na pequenez e habitando
concretamente a quotidianidade.
Por conseguinte, Deus salva-nos fazendo-Se pequeno, vizinho e concreto. Antes de mais nada, Deus faz-Se pequeno. O Senhor, «manso e humilde de coração» (Mt 11, 29), prefere os pequeninos, a quem é revelado o Reino de Deus (cf. Mt 11, 25); são grandes a seus olhos e, sobre eles, pousa o seu olhar (cf. Is 66, 2). Prefere-os, porque se opõem àquele «estilo de vida orgulhoso» que vem do mundo (cf. 1 Jo
2, 16). Os pequenos falam a mesma língua d’Ele: o amor humilde que os
torna livres. Por isso, Jesus chama pessoas simples e disponíveis para
serem seus porta-vozes, e confia-lhes a revelação do seu nome e os
segredos do seu Coração. Pensemos em tantos filhos e filhas do vosso
povo: nos mártires, que fizeram resplandecer a força desarmada do
Evangelho; nas pessoas simples, e todavia extraordinárias, que souberam
testemunhar o amor do Senhor no meio de grandes provações; nos arautos
mansos e fortes da Misericórdia, como São João Paulo II e Santa Faustina.
Através destes «canais» do seu amor, o Senhor fez chegar dons
inestimáveis a toda a Igreja e à humanidade inteira. E é significativo
que este aniversário do Baptismo do vosso povo tenha coincidido
precisamente com o Jubileu da Misericórdia.
Além disso, Deus é vizinho, o seu Reino está próximo (cf. Mc
1, 15): o Senhor não quer ser temido como um soberano poderoso e
distante, não quer permanecer num trono celeste ou nos livros da
história, mas gosta de mergulhar nas nossas vicissitudes de cada dia,
para caminhar connosco. Ao pensarmos no dom dum milénio abundante de fé,
é bom antes de tudo dar graças a Deus, que caminhou com o vosso povo,
tomando-o pela mão – como faz um papá com o seu menino –, e
acompanhando-o em tantas situações. Isto mesmo é o que nós, também
enquanto Igreja, sempre somos chamados a fazer: ouvir, envolver-se e
tornar-se vizinho, partilhando as alegrias e as canseiras das pessoas,
de modo que o Evangelho se comunique da forma mais coerente e frutuosa,
ou seja, por irradiação positiva, através da transparência da vida.
Por fim, Deus é concreto. Das leituras de hoje sobressai que tudo, na acção de Deus, é concreto: a Sabedoria divina age «como arquitecto» e «brinca» (cf. Prv 8, 30), o Verbo faz-Se carne, nasce duma mãe, nasce sob o domínio da Lei (cf. Gal
4, 4), tem amigos e participa numa festa: o Eterno comunica-Se
transcorrendo o tempo com pessoas e em situações concretas. Também a
vossa história, permeada de Evangelho, Cruz e fidelidade à Igreja,
regista o contágio positivo duma fé genuína, transmitida de família para
família, de pai para filho e, sobretudo, pelas mães e as avós, a quem
muito devemos agradecer. De modo particular, pudestes palpar a ternura
concreta e providente da Mãe de todos, que vim aqui venerar como
peregrino e que saudamos, no Salmo, como «a honra do nosso povo» (Jdt 15, 9).
É precisamente para Ela que nós, aqui reunidos, levantamos o olhar.
Em Maria, encontramos a plena correspondência ao Senhor: e assim, na
história, entrelaça-se com o fio divino um «fio mariano». Se existe
qualquer glória humana, qualquer mérito nosso na plenitude do tempo, é
Ela: é Ela aquele espaço, preservado liberto do mal, onde Deus Se
espelhou; é Ela a escada que Deus percorreu para descer até nós e
fazer-Se vizinho e concreto; é Ela o sinal mais claro da plenitude do
tempo.
Na vida de Maria, admiramos esta pequenez amada por Deus, que «pôs os olhos na humildade da sua serva» e «exaltou os humildes» (Lc 1, 48.52). E nisso tanto Se deleitou, que d’Ela Se deixou tecer a carne, de modo que a Virgem Se tornou Progenitora de Deus,
como proclama um hino muito antigo que há séculos vós Lhe cantais. A
vós que ininterruptamente vindes ter com Ela, acorrendo a esta capital
espiritual do país, continue a Virgem Mãe a mostrar o caminho e vos
ajude a tecer na vida a teia humilde e simples do Evangelho.
Em Caná, como aqui em Jasna Góra, Maria oferece-nos a sua proximidade
e ajuda-nos a descobrir o que falta à plenitude da vida. Hoje, como
então, fá-lo com solicitude de Mãe, com a presença e o bom conselho,
ensinando-nos a evitar arbítrios e murmurações nas nossas comunidades.
Como Mãe de família, quer-nos guardar juntos, todos juntos. O
caminho do vosso povo superou, na unidade, tantos momentos duros; que a
Mãe, forte ao pé da cruz e perseverante na oração com os discípulos à
espera do Espírito Santo, infunda o desejo de ultrapassar as injustiças e
as feridas do passado e criar comunhão com todos, sem nunca ceder à
tentação de se isolar e impor.
Nossa Senhora, em Caná, mostrou-Se muito concreta: é uma Mãe
que tem a peito os problemas e intervém, que sabe individuar os momentos
difíceis e dar-lhes remédio com discrição, eficácia e determinação. Não
é patroa nem protagonista, mas Mãe e serva. Peçamos a graça de assumir a
sua sensibilidade, a sua imaginação ao servir quem passa necessidade, a
beleza de gastar a vida pelos outros, sem preferências nem distinções.
Que Ela, causa da nossa alegria e portadora da paz por entre a
abundância do pecado e as turbulências da história, nos obtenha a
superabundância do Espírito para sermos servos bons e fiéis.
Pela sua intercessão, que se renove, também para nós, a plenitude do
tempo. De pouco serve a passagem do antes ao depois de Cristo, se
permanece uma data nos anais da história. Possa realizar-se, para todos e
cada um, uma passagem interior, uma Páscoa do coração para o estilo divino encarnado por Maria: agir na pequenez e acompanhar de perto, com coração simples e aberto.
in
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