Sim! Foi a resposta ao pedido de colaboração para participar na formação de um grupo de mulheres que vivem num dos bairros mais problemáticos da cidade do Porto: O bairro do Cerco. Problemático devido ao elevado nível de criminalidade, abuso de drogas, desemprego, analfabetismo...
“Precisamos de colaboradores para a formação nos temas relacionados com a saúde”, disseram-me. O grupo a quem se destina a formação é um grupo de mães, umas são analfabetas, outras têm alguns anos de escolaridade e o máximo é o 12º ano. Por isso, os temas terão de ser abordados de forma simples, acessível e que seja uma informação útil para elas, para os filhos e para a família.
Depois de ter dado uma vista de olhos aos 5 temas, escolhi o tema “Higiene oral”, pois era um dos temas que na minha vida profissional eu tinha trabalhado e por isso seria apenas relembrar. Entretanto, ao ler os outros temas, logo me vieram à mente pessoas, amigas, colegas que seriam capazes de “pegar” bem no tema.
Conversa aqui e ali, os convites foram feitos e as pessoas foram aceitando de forma que já tinha as 5 amigas escolhidas e motivadas para este desafio!
Para os temas “Saúde doença” e “O sono”, convidei duas pediatras do hospital onde trabalho, “A vacinação” ficou a cargo de uma enfermeira amiga e “A Alimentação” de uma nutricionista, também do meu hospital.
O balanço foi muito positivo! As assistentes sociais estavam muito satisfeitas e as senhoras expressaram também o seu contentamento e a utilidade dos temas para a sua vida.
Quanto a mim, o que posso transmitir da minha experiência deste pequeno voluntariado é o seguinte:
1º saí da rotina, saí da zona de conforto da minha casa e do meu local de trabalho para ir conhecer uma realidade mais dura, menos confortável, com muitas carências a todos os níveis. Cheguei ao local à hora prevista e logo fui saudada por 2 ou 3 formandas que estavam cá fora a fazer o seu intervalo e que me conduziram ao interior do edifício.
2º Edifício um pouco degradado por fora e por dentro, mas não faltava nada, todos os recursos necessários para fazer a formação estavam lá!
3º o principal: as pessoas! Rostos e olhares, uns alegres outros apáticos, tristes sem vida. Umas falavam e monopolizavam a conversa, tinham sempre resposta e perguntas a fazer, riam…pareciam satisfeitas. Outras, mais reservadas.
Tentei estimular a falar… mas nada… mudas… nem uma palavra, nem um sorriso… entraram e saíram… Fiquei um pouco chocada! Que vidas teriam? O que as fazia estar ali? O que as feriu tanto?
Houve quem verbalizasse que tinha sido vítima de violência doméstica… que o pai dos seus filhos tinha andado na droga… E isto tudo no contexto da “Higiene oral.
Deu-se espaço para partilhar as boas experiências também, e houve uma mãe que revelou a sua experiência positiva com a amamentação e como isso tinha tido repercussões na saúde oral dos seus filhos! Falava como uma expert! Os filhos já andavam na escola básica e tinham: 0 cáries! Dentes saudáveis!
Por fim regressei ao Hospital onde trabalho e parecia que estava a entrar noutro mundo!
Afinal em vez de cansada, vinha leve, enriquecida por uma experiência marcante! O meu trabalho correu melhor nesse dia e daí para a frente. Vale a pena enfrentar os nossos medos e receios e, acreditar que podemos contribuir para mudar para “um bocadinho melhor” a vida daqueles de quem nos aproximamos!
Faço minhas as palavras de uma formadora que me enviou um sms no final da sua apresentação: ”Gostei de ter ido! Mesmo no meio dos que consideramos mais pobres e desprovidos de tudo se ouvem palavras de sabedoria e muita lucidez sobre as coisas da vida!”
Ana Ribeiro
Enfermeira
Enfermeira
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