Parece-me que nunca será demais realçar o contributo específico e insubstituível (a sua “mais valia”, o seu “algo mais”) que a doutrina social da Igreja Católica pode dar ao pensamento e à ação ecologistas. É nele que também reside a motivação mais profunda do cuidado dos cristãos para com o ambiente.
Esse contributo reside essencialmente no “Evangelho da Criação”, título do capítulo II da encíclica Laudato Si` do Papa Francisco. A teologia da criação leva-nos a respeitar esta como um dom preciso, «um livro esplêndido onde Deus nos fala e transmite algo da sua beleza e bondade». Ver a natureza como dom de Deus, reflexo da sua sabedoria, da sua beleza e da sua glória, leva a respeitar a harmonia, a ordem, o equilíbrio, a “gramática”, as leis que Ele nela inscreveu.
Esta ordem e esta harmonia devem ser respeitadas, desenvolvidas e aperfeiçoadas, mas não destruídas. E não dizem respeito apenas ao ambiente físico. Também dizem respeito ao ambiente moral e às relações humanas. Também em relação à pessoa humana (que não é criadora de si própria) e às relações humanas, há um desígnio harmonioso que deve ser respeitado e não manipulado ou destruído. A dimensão da ecologia humana é outro importante contributo do pensamento cristão para o pensamento e a ação ecologistas. Em França, deu origem a uma corrente de pensamento e ação social e política de âmbito muito vasto que vai para além do cristianismo: a Courant pour une Écologie Humaine (www.ecologiehumaine.eu), que tem por mote cuidar de todas as pessoas e da pessoa toda. A desumanização dos ritmos de vida e de trabalho, a solidão e o individualismo, a manipulação genética e a recusa da riqueza da dualidade sexual são tão anti-ecológicas como a poluição atmosférica e as alterações climáticas.
Sobre a ecologia humana pronunciou-se, pela primeira vez, São João Paulo II, na encíclica Centesimus Annus (n. 39): «Além da destruição irracional do ambiente natural, é de recordar aqui outra ainda mais grave, qual é a do ambiente humano, a que se está ainda longe de prestar a necessária atenção. Enquanto justamente nos preocupamos, apesar de bem menos do que o necessário, em preservar o “habitat” natural das diversas espécies animais ameaçadas de extinção, porque nos damos conta da particular contribuição que cada uma delas dá ao equilíbrio geral da terra, empenhamo-nos demasiado pouco em salvaguardar as condições morais de uma autêntica “ecologia humana”. Não só a terra foi dada por Deus ao homem, que a deve usar respeitando a intenção originária de bem, segundo a qual lhe foi entregue; mas o homem é doado a si mesmo por Deus, devendo por isso respeitar a estrutura natural e moral, de que foi dotado.» (n. 38) «A primeira e fundamental estrutura a favor da “ecologia humana” é a família, no seio da qual o homem recebe as primeiras e determinantes noções acerca da verdade e do bem, aprende o que significa amar e ser amado e, consequentemente, o que quer dizer, em concreto, ser uma pessoa (...)».
O Papa emérito, Bento XVI, por seu turno, afirmou na encíclica Caritas in Veritate (n. 51): «(…) O livro da natureza é uno e indivisível, tanto sobre a vertente do ambiente como sobre a vertente da vida, da sexualidade, do matrimónio, da família, das relações sociais, numa palavra, do desenvolvimento humano integral. (…)»
E diz o Papa Francisco na encíclica Laudato Si` (n. 155) «A ecologia humana implica também algo de muito profundo que é indispensável para se poder criar um ambiente mais dignificante: a relação necessária da vida do ser humano com a lei moral inscrita na sua própria natureza.(...) Nesta linha, é preciso reconhecer que o nosso corpo nos põe em relação direta com o meio ambiente e com os outros seres vivos. A aceitação do próprio corpo como dom de Deus é necessária para acolher e aceitar o mundo inteiro como dom do Pai e casa comum; pelo contrário, uma lógica de domínio sobre o próprio corpo transforma-se numa lógica, por vezes subtil, de domínio sobre a criação. Aprender a aceitar o próprio corpo, a cuidar dele e a respeitar os seus significados é essencial para uma verdadeira ecologia humana. Também é necessário ter apreço pelo próprio corpo na sua feminilidade ou masculinidade, para se poder reconhecer a si mesmo no encontro com o outro que é diferente. Assim, é possível aceitar com alegria o dom específico do outro ou da outra, obra de Deus criador, e enriquecer-se mutuamente.(...)»
A propósito…
O Parlamento acaba de aprovar leis sobre procriação artificial que vêem permitir a geração de crianças que, deliberadamente, virão a ser órfãos de pai: E que vêem permitir a chamada “maternidade de substituição”, a qual vem impor o abandono de crianças pela mãe gestante, vedando a assunção da obrigação mais espontânea e natural que existe: a de assumir a vida que se gerou.
Onde está, aqui, a ecologia humana?
Pedro Vaz Patto
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