Enquanto Cristo não for central na acção e no pensamento humano, o poder económico será cada vez mais corrupto e privado daquele sentido cristão
que pode mudar a história
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| Pixabay - CCO |
Cresce o debate sobre a economia civil inspirada por São Francisco de
Assis e levada à prática também por São Francisco de Paula (27 de Março
de 1416 – 2 de Abril de 1507). Se melhor se reflectisse sobre o milagre
deste último ocorrido em Nápoles no final do século XV, poderia
vislumbrar-se um forte sinal focado numa política económica de equidade e
justiça social, capaz de reactivar a esperança das classes mais frágeis,
excluídas da possibilidade de um real crescimento.
O monge Francisco, famoso por sua santidade, partiu da cidade
italiana de Paola e foi para Nápoles em 1481. Diante do rei que quis
descaradamente tentá-lo com uma bandeja de moedas de ouro, São Francisco
a recusou. E mais: pegou uma moeda, a partiu e fê-la sangrar. Mensagem
clara sobre a política económica viciada do soberano que o recebia.
O sangue seria de seus súbditos, forçados a sofrer os abusos dos
poderes constituídos. Diante de uma vultuosa oferta de dinheiro e de uma
proposta de prosperidade e riqueza fora do comum, quase qualquer pessoa
teria se deixado enganar; não, porém, o Santo de Paola. Um milagre não é
apenas um ato extraordinário que é fim em si mesmo, mas também um
grande instrumento para mostrar a realidade pura, em casos como aquele,
cheio de arrogância institucionalizada pelo poder. Podemos dizer que se
tratou de enfiar o dedo na ferida.
A chave para entender o que aconteceu em Nápoles nos leva de forma
inequívoca ao pensamento sócio-económico franciscano que se afirma entre
1200 e 1500. Foi São Francisco de Assis quem deu vida, com os frades
menores, a uma revolução social que levou a Itália da Idade Média ao
Renascimento. O interesse pessoal deixa de ser confundido com o egoísmo e
se torna interesse natural, moral e legal para satisfazer as próprias
necessidades sem causar danos à sociedade.
Em seu livro “Da economia civil franciscana à economia capitalista
moderna”, o prof. Oreste Bazzichi explica como a intuição dos frades na
condução dos processos económicos e sociais quotidianos operou uma
revolução sem precedentes, em que os pobres se tornaram, de problema, um
recurso para o desenvolvimento e para o emprego. Ali nascia um modelo
de justiça e equidade social, base para outras teorias económicas dos
anos seguintes, que nunca, no entanto, chegariam ao elevado senso
cristão da ideia franciscana.
É um ponto-chave que não se exaure apenas em fórmulas encaixadas, mas
que precisa se expandir com uma revolução interna da sociedade. O
evangelho não é um ato secundário, substituível por teorias filosóficas
convincentes, mas a bússola por excelência capaz de dar suporte a
qualquer operação humana voltada ao bem comum. Stefano Zamagni, na
introdução ao livro de Bazzichi, salienta que é difícil falar de ética
do mercado, “problema complexo que não encontra solução, porque, para
além das normas legais e dos direitos fundamentais, todos têm a
possibilidade de definir a sua ética pessoal, que pode ou não coincidir
com a dos outros”.
Mas o papa Francisco, com a sua Evangelii Gaudium em continuidade com
o pensamento franciscano, vai mais longe. Convida a recolocar o amor
cristão, que é essencialmente reciprocidade, gratuitidade e dom, na esfera
pública. Não são, de fato, o contrato, o mercado ou os mecanismos de
produção o que por si só desumaniza e destrói o vínculo social, mas a
pretensão de construir a vida económica e civil apenas sobre o mercado e
suas estruturas de referência.
Por isso, é preciso aprofundar melhor o princípio da subsidiaridade.
Interessantes, a propósito, são os capítulos da mencionada exortação
apostólica que dizem não à economia da exclusão, à nova idolatria do
dinheiro, ao dinheiro que governa em vez de servir, à iniquidade que
gera violência. Não se pode, certamente, repropor um modelo de economia
franciscana se não se entende a profundidade da mensagem do papa
Francisco, ameaçada todos os dias por um processo de secularização que
tende a reduzir a fé e a Igreja ao âmbito privado.
Sem Cristo, além disso, nega-se toda transcendência e cresce a
deformação ética em conjunto com o enfraquecimento do senso de pecado
pessoal e social. Tudo isto em linha com o aumento progressivo do
relativismo, que resulta numa confusão generalizada, especialmente entre
a geração mais jovem, tão frágil perante qualquer mudança social.
O papa Francisco escreve no parágrafo 54: “Por trás dessa atitude
escondem-se a rejeição da ética e a rejeição de Deus. À ética se olha em
geral com certo desdém zombeteiro: ela é considerada contraproducente,
humana demais, porque relativiza o dinheiro e o poder. Ela é vista como
ameaça, porque condena a manipulação e a degradação da pessoa. Em última
análise, a ética remonta a um Deus que espera uma resposta
comprometida, externa às categorias de mercado”.
Mesmo em pensadores importantes do século XX, como Bernard Lonergan,
vemos o limite moral da economia em perspectiva teológica. Na Calábria,
graças à visão do arcebispo Bertolone, foi organizada a convenção “Rumo a
uma nova política económica para o homem?”, sobre a obra do jovem
sacerdote e estudioso Nicola Rotundo.
É límpido o comentário do teólogo Di Bruno: “Embora o autor encontre nos estudos do jesuíta canadense uma aparente primazia da pessoa, o todo se mostra frágil por lhe faltar, por trás, o primado de Cristo e da sua obra redentora, de que o religioso fala com certo receio em alguns trechos de seu trabalho, quando aborda a questão paulina da impotência moral, discutida no capítulo sétimo da carta aos Romanos. Mas se trata de temas não articulados quase como se gritar a necessidade de Cristo para o homem, para a história, para a economia, fosse uma ofensa para o mundo emancipado do século XX”.
Enquanto Cristo não voltar a ser central na acção e no pensamento do
homem, muitas vezes, infelizmente, voltará a ser actual a mensagem de São
Francisco de Paula ao rei de Nápoles.
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