Nota das Associações dos Médicos Católicos Portugueses e dos Juristas Católicos sobre o projeto de lei relativo à implementação nas escolas do “direito à identidade de género e de expressão de género”
As
Associações de Médicos e de Juristas Católicos exprimem a sua viva oposição ao
recém-aprovado projeto de lei relativo à implementação nas escolas do “direito
à identidade de género e de expressão de género”.
Acompanhamos
com proximidade e compaixão o sofrimento de crianças e jovens com disforia de
género e repudiamos os comportamentos discriminatórios e humilhantes que estes
experimentam. É para eles que dirigimos o nosso olhar. Porém, repudiamos
igualmente que o Estado imponha, como verdade oficial e indiscutível, os
pressupostos da ideologia do género como resposta única a essas situações.
O
pressuposto dessa ideologia é que sobre a dimensão objetiva e biológica do sexo
de cada pessoa prevalece o seu género auto-percecionado. Sempre que não houver
uma coincidência com o “sexo atribuído à nascença” – como se esta suposta
“atribuição” fosse algo de arbitrário – deverá ser feita a “transição da
identidade de género”, caminho a percorrer desde a mais tenra idade e que
deverá culminar em intervenções hormonais e cirúrgicas.
Na verdade, não há "atribuição de sexo à
nascença", já que a medicina verifica e certifica o sexo do bebé e pode
fazê-lo muito antes do nascimento, ora por imagem, ora por estudo cromossómico.
O uso dessa expressão é uma maquilhagem linguística que visa um propósito
ideológico.
É
neste contexto que surge esta lei. Uma lei que defende ideias sem qualquer
evidência científica. A medicina e a psicologia estudam o desenvolvimento da
identidade de género desde a infância até ao jovem adulto, a partir uma matriz
orgânica (corpo, desenvolvimento hormonal e cerebral) e das influências sociais
e culturais com as quais cada pessoa se identifica como homem ou mulher na
sociedade em que vive. O corpo não é um acessório, antes faz parte da
totalidade de cada ser humano. A identificação com um género é muito mais um
reconhecimento, descoberta e aceitação do que uma escolha ou uma
autodeterminação.
Por
isso afirmamos que este projeto faz da ideologia de género lei em Portugal.
Defende que ninguém se poderá opor à autodeterminação da identidade de
género. Nem os membros da comunidade escolar, públicas ou privadas; nem
sequer os próprios pais das crianças e jovens. Não se prevê encaminhamento ou
acompanhamento psicológico da criança ou adolescente para se verificarem os
pressupostos de uma decisão livre e saudável.
Reafirmamos
que estes pressupostos nada têm de científico, são próprios de uma opção
ideológica. Negam as evidências factuais e objetivas. A ideia prevalece sobre a
realidade e conduz a opções contrárias ao mais elementar bom senso,
nomeadamente a frequência de balneários e instalações sanitárias de acordo com
o género escolhido, e não de acordo com o sexo.
Importa
dizer que não existe uma sustentação científica da segurança e eficácia da
designada “transição da identidade de género”. Aliás, vários países (Reino
Unido, Suécia, Finlândia, França e Dinamarca) restringiram recentemente o
recurso à medicação que suprime a puberdade, preocupados com uma utilização
assente em pressupostos ideológicos e não na Medicina baseada na evidência.
Muitos dos riscos desta medicação estão documentados e falta evidência
científica da sua segurança a médio e longo prazo. O mesmo se pode dizer das
cirurgias mutilantes que são realizadas neste contexto. Finalmente, o
pressuposto de que as crianças com disforia de género que não percorrem o
caminho da “transição de género” estão com maior risco de suicídio carece de
evidência científica.
Já
por várias vezes o magistério da Igreja Católica se pronunciou contra a
ideologia do género por contrariar a visão bíblica da bondade do corpo humano
como dimensão intrínseca da pessoa e da bondade da dualidade e
complementaridade dos dois sexos.
Também
não nos parece que corresponda ao bem das crianças e jovens levá-los a
hostilizar o seu corpo (como se tivessem nascido no “corpo errado”) ou
alimentar a ilusão de que podem “mudar de sexo”.
De
qualquer modo, numa sociedade livre e democrática, ideologias como a ideologia
do género, ou quaisquer outras, podem e devem ser objeto de debate. Não podem é
ser impostas como verdades oficiais, através do sistema de ensino.
É
isso mesmo que exprime o disposto no artigo 43.º, n.º 2, da nossa Constituição:
«O Estado não pode programar a educação e a cultura segundo quaisquer
diretrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas». E
assim é sobretudo porque, em matéria de educação, sobre orientações do Estado,
prevalece o direito dos pais e mães, de acordo com o artigo 26.º, n.º 3, da
Declaração Universal dos Direitos Humanos (Declaração para que remete o artigo
16.º, n.º 2, da nossa Constituição).
Finalmente,
acresce a inoportunidade de uma lei tão controversa ser aprovada por um
conjunto de deputados prestes a ser por outro substituído. Apelamos ao Senhor
Presidente da República para que, no exercício dos seus poderes
constitucionais, faça o que está ao seu alcance para que este projeto de lei
não chegue a entrar em vigor.
Lisboa
, 2 de janeiro de 2024
A
Associação dos Médicos Católicos Portugueses
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