Prémio Nobel da Literatura
1983, publicado originalmente em 1954, “O DEUS DAS MOSCAS”, é um dos romances
mais rico e denso de interpretações, tão perturbador quanto fascinante, sempre
disponível para se deixar ampliar em ricas e oportunas leituras, como é
apanágio dum bom livro.
O seu autor, William Golding, inglês nascido na Cornualha, era
professor de Ciências da Natureza e de Literatura Inglesa, dois ingredientes
que, se à priori parecem ser antagónicos, nesta história exercem um efeito de
complementaridade fascinante.
Ao serviço da Marinha Britânica participou no desembarque dos
Aliados na Normandia, experiência bélica que muito o marcou, tal como o holocausto e o lançamento da bomba
atómica em Hiroxima e Nagasaki. Em consequência deixou de acreditar na bondade
humana, reconheceu um retrocesso civilizacional, envolto numa barbárie sem
normas, sem regras, onde a liberdade degenera em bestialidade, expressa em
impulsos agressivos, violência e selvajaria. Eventual resposta a J. J. Rousseau,
o pensador suíço que defendia a teoria do Bom Selvagem, puro e inocente antes
de a sociedade o deteriorar…
A prová-lo está esta passagem: «Um avião despenha-se numa ilha deserta, e os únicos sobreviventes
são um grupo de rapazes. Inicialmente, desfrutando da liberdade total e
festejando a ausência de adultos, unem forças, cooperando na procura de
alimentos, na construção de abrigos e na manutenção de sinais de fogo.
Porém, à medida que
o frágil sentido de ordem dos jovens começa a fraquejar, também os seus medos
começam a tomar sinistras e primitivas formas. De repente, o mundo dos jogos,
dos trabalhos de casa e dos livros de aventuras perde-se no tempo. Agora, os
rapazes confrontam-se com uma realidade muito mais urgente - a sobrevivência -
e com o aparecimento de um ser terrível que lhes assombra os sonhos».
O ser humano
avilta-se quando está só, sem referências, sem bitolas, sem normas e sem
coordenadas, a ausência dos valores e do balizamento de educadores, adultos ou
pais reduzem-no à bestialidade. Só a cultura, a educação e as referências fazem
do ser humano um Homem melhor, maior e mais perfeito.
Esta é a tese
defendida pelo autor, que não obstante o seu desencanto da história, e a sua
preocupação com a natureza do mal, ainda acredita que o bem é possível e que
por muito mau que seja o mal, este nunca tem a última palavra. Por isso, de
forma deslumbrante, a aventura dos jovens perdidos que tinham adorado uma
cabeça de javali, “O Senhor das Moscas” (uma tradução
literal do nome hebraico de Ba'alzevuv, ou Beelzebub em grego), encontram a
salvação na presença e na conduta daquele “jovem cuja suavidade na linda do
rosto e dos olhos não prenunciavam o demónio”.
Um livro sobre a
natureza do mal, que convém ler e reler para que a banalização do mal, não se
torna numa constante aceitação de permissividade e de relativismo moral.
Maria Susana Mexia |
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