Este lugre pertenceu à “Casa
António Pedro da Costa”, localizada na Rua de S. Julião, 23, 1º, sendo eu bisneta
deste armador. A companhia sofreu vários revezes durante a guerra de 1914-1918,
de cujo fim estamos a celebrar o centenário.
Tive agora a oportunidade de
consultar o livro de registos dos “Navios da Casa Antº P. da Costa” e de
partilhar, mais precisamente, copiar o recorte de jornal, de 20 de maio de
1917, colado na página correspondente ao Lugre
Patacho “Tejo”, mas cujo nome não aparece na notícia do periódico, nem na
folha do livro. Eis, pois, o título da notícia:
O Afundamento do lugre português
“Tejo”, o que nos declara o seu comandante.
E
o seu desenvolvimento:
Chegaram ante-ontem [1] a Lisboa e
apresentaram-se ontem, à tarde, no Instituto de Socorros a Náufragos, o
comandante e os oitos tripulantes do lugre português “Tejo”, que à [2] dias, como em
telegrama publicámos, foi metido no fundo à vista e a curta distância de
Valência (Espanha), por um submarino alemão.
... e avistamos com o comandante do navio que nos
conta o seguinte:
O “Tejo”, [era
de construção inglesa [e] durante
alguns anos pertenceu à casa Bensaúde, onde tinha o nome de “Navegador”,
ocupando-se da pesca de bacalhau. Tinha três mastros, o comprimento de 198 pés
(...) Foi adquirido para a casa do Sr. António Pedro da Costa Limitada o ano
passado e andava actualmente ao serviço dos Açores
e Cabo Verde...
A sua tripulação era composta por mim, Sebastião
Magano, comandante, e tripulantes Júlio Simões Chuva, José Sacramento, José
Pereira da Vela e Manuel Vicente Ferreira, todos naturais de Ílhavo, e Gustavo
José Nobre, Frederico Cândido Fortes, Aurélio d’Oliveira e Filippe Martins,
cabo-verdianos.
“A última viagem, que tínhamos feito, era de Bissau
(Guiné) para Valência e a bordo levávamos 284:000 Kilos de coconote.
Com 59 dias de viagem chegamos às 20 horas (hora
portuguesa) de 14 do corrente, a umas 9 milhas do Cabo de Santo António
(Espanha), quando, com um andamento de 5 milhas à hora, vimos aparecer
completamente fora d’água e navegando com toda a força, fazendo-se ao largo, um
submarino alemão, todo pintado de
cinzento claro, quase com o dobro do comprimento da nossa embarcação com alguma
artilharia a bordo, vendo-se distintamente a meio desse navio inimigo um grande
canhão.
Eu vi, com o auxílio de um binóculo, navegar o
“pirata” ao nosso encontro e, tendo como certo um ataque, embora não
ostentássemos em qualquer dos três mastros do nosso barco bandeira ou outra indicação
de que se travava de um navio português, mandei preparar para “à primeira voz”
serem arriados os dois botes.
Entretanto, enquanto esta manobra se efectuava, o
submarino que nós víamos navegar aceleradamente, veio ao nosso encontro e,
quando estava à distância de uns cincoenta metros, disparou um
tiro, mas não contra o nosso barco.
Foi uma intimidação para pararmos, o que nós fizemos,
atravessando o nosso lugre.
Receando-se qualquer ataque, arriámos os nossos botes
e neles tomámos lugar, com alguns mantimentos dos quais rapidamente nos pudemos
apoderar.
De bordo do submarino inimigo, intimaram-nos a ir a
bordo daquele. É claro que nos vimos forçados a obedecer e para ali nos
dirigimos, eu e mais quatro dos nossos tripulantes.
Aguardavam-nos o comandante, rapaz novo, de pequeno
bigode e atarracado. Os outros eram quase todos a mesma coisa: baixos e
atarracados.
O comandante, falando num correcto idioma espanhol,
como se fosse um oriundo da pátria de Cervantes, perguntou a que nacionalidade
pertencia o navio do meu comando. Respondi-lhe que era português. E, sem mais
pergunta alguma me fazer, o comandante do submarino e mais quatro dos seus
marinheiros, que por sinal eram mulatos, o que bastante nos intrigou,
desembarcaram. Nós e eles seguimos então para bordo do “Tejo”, onde os inimigos
colocaram uma bomba na escotilha da ré, outra na da popa e ainda a meio do
barco, pelo costado a baixo.
Finda essa operação, ordenaram-nos que os levássemos a
bordo do submarino, onde os desembarcamos, ponde-nos, assim como o outro bote,
com o resto da tripulação portuguesa, ao largo em direção a terra.
Vimos então as três fortes explosões e o nosso barco
em chamas, lentamente, ir-se afundando.
Desde o ponto donde iniciámos a viagem para terra, às
10 horas, fomos lutando com algum mar e chegamos ao ponto mais próximo, a Denia, às 4 da manhã.
Aqui, soubemos que o mesmo submarino, a tiros de peça,
tinha também afundado um grande navio inglês, afirmando-se também ali que o
submarino era o “U. 45”
Nessa povoação espanhola fomos muito bem tratados,
principalmente pelo vice-consul português, Sr. Luiz Soares.
Daquele porto espanhol, saímos no dia 16 para Madrid e
dali para Lisboa, onde chegamos ontem, tendo já eu hoje feito a minha
apresentação e reclamação na capitania do porto de Lisboa.
Agora, para fechar: da nossa casa,
é este o terceiro barco que o inimigo mete no fundo: o primeiro, foi o
palhabote “Lima”; o segundo, a galera “Argo”; e o terceiro, o lugre “Tejo”...
O
resto do texto está ilegível, mas este excerto dá bem noção do ambiente, vivido
nos mares, durante a primeira guerra mundial, e dos costumes da época. Fica,
deste modo, a salvo uma parte das memórias averbadas neste livro de registo com
mais de cem anos.
Isabel Vasco Costa
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