Filme «Silêncio» aborda dramas da missionação cristã em território nipónico, no século XVII
Lisboa, 30 nov 2016 (Ecclesia) – O jesuíta português Cristóvão Ferreira
(1580-1650) está no centro no novo filme ‘Silêncio’, do realizador
Martin Scorsese, relatando os dramas da perseguição religiosa contra os
cristãos no Japão do século XVII.
“É grande a expectativa em torno deste filme que se baseia na adaptação
do livro do japonês Shusaku Edo e que conta a história de Cristóvão
Ferreira, um jesuíta português que teve uma missão importante no Japão,
bem como de outros jesuítas que foram à sua procura quando chegou à
Europa a notícia sobre a sua eventual apostasia”, explica uma nota dos
jesuítas portugueses enviada à Agência ECCLESIA.
Scorsese encontra-se hoje com o Papa, em audiência privada, depois de
ter mostrado o filme em Roma, na terça-feira, a um grupo de jesuítas,
entre os quais alguns portugueses.
A Província Portuguesa da Companhia de Jesus, em parceria com os
promotores do filme, vai promover uma série de iniciativas culturais
sobre a presença e o papel dos jesuítas no Japão.
Cristóvão Ferreira, jesuíta português protagonizado no filme ‘Silêncio’
pelo ator Liam Neeson, ficou conhecido no Japão por Sawano Chuan;
entrou na Companhia de Jesus aos 17 anos de idade e, três anos depois,
em 1600, foi enviado para trabalhar nas missões do Oriente.
Estudou Teologia em Macau e foi ordenado padre em 1608, tendo partido para o Japão em maio de 1609.
Hubert Cieslik, jesuíta e especialista na história das Missões no Japão, assinou
em 1974 o texto "The case of Christovão Ferreira" [O caso de Cristóvão
Ferreira], que apresenta o português como uma das “figuras mais
controversas” do trabalho da Companhia de Jesus no país asiático.
Num contexto de perseguição religiosa, o padre Ferreira esteve em
Nagasáqui e depois em Quioto, onde vivia escondido, saindo apenas de
noite para visitar os cristãos.
De regresso a Nagasáqui, em 1617, foi secretário do provincial,
Mattheus de Couros, cargo que o levou a viajar frequentemente pelo
Japão, tendo mais tarde assumido a administração da província nipónica,
por ser ali o jesuíta mais antigo.
Cristóvão Ferreira seria preso a 18 de outubro de 1633, juntamente com
outros religiosos, missionários estrangeiros e japoneses, aos quais foi
aplicada a “tortura da fossa”, método exclusivamente destinado aos
cristãos para que negassem a sua fé.
“Consistia em pendurar os prisioneiros de cabeça para baixo dentro de
uma fossa que era depois coberta com tábuas. Os cristãos ficavam, assim,
sem luz e sem água, fortemente amarrados, até abjurarem ou morrerem”,
explicam os jesuítas portugueses.
Cristóvão Ferreira terá cedido “ao fim de algumas horas” e a notícia da sua apostasia “chocou” a Europa.
Apesar de não se conhecerem as circunstâncias da sua morte, sabe-se que
o português passou o resto da sua vida no Japão, servindo de intérprete
para as autoridades locais.
Algumas fontes relatam que Cristóvão Ferreira se terá arrependido de
renegar a sua fé e que viria a morrer, na referida fossa, em novembro de
1650.
O filme de Scorsese
apresenta ainda a personagem de Sebastião Rodrigues, criada pelo livro
‘Silêncio’ de Shusaku Endo e baseada na figura do jesuíta italiano
Giuseppe Chiara, que chegou ao Japão para procurar o padre Ferreira,
integrado num grupo de dez missionários.
Todos estes missionários terão renegado a fé sob tortura, tendo-se retratado mais tarde.
Os portugueses foram definitivamente expulsos do Japão em 1639 e o
Cristianismo nipónico entrou numa vivência de clandestinidade que se
prolongou até à reabertura do império ao Ocidente, na segunda metade do
século XIX.
Os ocidentais encontraram então os ‘kakure kirishitan’, cristãos
escondidos, em grupos dispersos e isolados que se congregavam sobretudo
em áreas remotas, conservando a fé ao longo de várias gerações sem clero
nem pessoal religioso.
Este é um fenómeno muito caro ao Papa Francisco, que na sua juventude
sonhava ser missionário no Japão, algo que foi impossível devido aos
seus problemas de saúde.
OC
in
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