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sábado, 7 de maio de 2016

A alegria do amor

alegria do amor é o que encontramos no extenso documento - a exortação apostólica com este nome - do Papa Francisco. Uma única alegria que percorre todas as etapas da vida, no namoro, no casamento, em família, no declinar da vida e finalmente na despedida do outro, no momento da morte. Confessemos que no nosso imaginário de seres do séc. XXI tal “alegria” causa alguma estranheza, parece algo contracorrente, pelo menos contra a corrente mais comum que tende a “simplificar” dissociando as alegrias do amor-emoção mais ou menos efémero do facto prosaico da procriação e sempre acentua as tristezas, dificuldades, tragédias e rupturas.

E, no entanto, com todo o realismo, sem cultivar fantasias sobre um amor idílico e perfeito, é de “alegria” que Papa nos fala: na vida amorosa do casal e no contexto da família, com compromisso, fidelidade, juntos até a morte os separe! No tom familiar que lhe é próprio, desaconselha “uma leitura geral apressada” e contínua “poderá ser de maior proveito aprofundar pacientemente uma parte de cada vez ou procurar nela aquilo de que precisam em cada circunstância concreta.” São nove densos capítulos abrangendo várias temáticas sobre o amor e a família.

O primeiro capítulo é uma longa meditação sobre sentido da vida: o casal humano e a descendência. Logo no início entramos em contacto com as famílias da Bíblia, “gerações, histórias de amor e de crises familiares desde as primeiras páginas onde entra em cena a família de Adão e Eva com o seu peso de violência mas também com a força da vida que continua”. Entramos numa dessas casas e contemplamos “a família sentada ao redor da mesa em dia de festa. No centro, encontramos o casal formado pelo pai e a mãe com toda a sua história de amor e os filhos que os acompanham «como rebentos de oliveira» isto é, cheios de energia e vitalidade. Se os pais são como que os alicerces da casa, os filhos constituem as «pedras vivas» da família”.

Detemo-nos no IV capítulo, é aí que encontramos o “nosso amor quotidiano”. As características do amor verdadeiro estão bem patentes no hino ao amor de São Paulo que o Papa, procurando todos os sentidos de cada frase - no original em grego - desenvolve, amplia, transforma num caminho seguro. Aqui ficam, somente, pequenos apontamentos: O amor é paciente - não se deixa levar pelos impulsos interiores e evita agredir, não exige que as relações sejam idílicas, ou que as pessoas sejam perfeitas; o amor é prestável - deve ser colocado “mais nas obras do que nas palavras”; não é invejoso - aprecia os sucessos alheios; não é arrogante nem orgulhoso - o domínio e a competição acabam com o amor; é amável - não faz sofrer os outros, a pessoa que ama é capaz de dizer palavras de incentivo, que reconfortam, fortalecem, consolam, estimulam; não procura o seu próprio interesse - pode superar a justiça e dar «sem nada esperar em troca»; não se irrita nem guarda ressentimento - não consente que a agressividade se torne uma atitude permanente; não se alegra com a injustiça mas rejubila com a verdade. E porque é capaz de enfrentar qualquer coisa que o possa ameaçar tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O amor sabe conviver com a imperfeição, sabe desculpar; o amor confia, deixa em liberdade; o amor tem a esperança de quem sabe que o outro sempre pode mudar; o amor é capaz de superar qualquer desafio, apesar de tudo nunca desiste.

Talvez pareça algo exigente se tivermos uma ideia celestial do amor, mas a “alegria implica aceitar a vida tal como ela é na realidade, uma combinação necessária de alegrias e fadigas, de tensões e repouso, de aborrecimentos e prazeres” e também de sofrimento, por vezes muito intenso, mas a alegria renova-se no sofrimento. “A partir duma crise, tem-se a coragem de buscar as raízes profundas do que está a suceder, de encontrar um novo equilíbrio e de percorrer juntos uma nova etapa. Poucas alegrias humanas são tão profundas e festivas como quando duas pessoas que se amam conquistaram, conjuntamente, algo que lhes custou um grande esforço compartilhado.” O amor terreno sempre pode crescer porque ainda não é perfeito, o melhor “ainda não foi alcançado”. O amor que não cresce fica enfermiço e corre o perigo de acabar e a alegria, tal como o amor, cultiva-se e cresce também.

E quando se perde a pessoa amada é o momento de aceitar a morte e nos prepararmos para ela sabendo que, na terra, ainda temos a missão de viver a alegria com aqueles que caminham connosco até ao encontro final quando «não haverá mais morte, nem luto, nem pranto, nem dor».

Alguns iniciaram este caminho de “alegria do amor” mas não chegaram ao fim. Crises mais ou menos profundas destruíram a felicidade desejada, mas “ninguém fica excluído”, não há portas fechadas. Ao contrário, deles se espera grandes coisas já que a experiência vivida confere uma especial aptidão para - reconhecendo o valor da verdadeira alegria e “na forma que lhe possa sugerir a sua própria iniciativa” - compreender, consolar, animar, encorajar os mais frágeis ou indecisos.







Rosa Ventura
professora


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