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sábado, 19 de março de 2016

A culpa também é minha

Li há pouco tempo um artigo no Facebook que falava de uma escola em Londres que tinha como regra a não utilização de equipamentos tecnológicos a crianças com menos de 12 anos. Imagine-se uma escola sem telemóveis, sem computadores, sem tablets, sem acesso à internet, até aos 12 anos. Que raio de ideia! Já não é sequer possível propor que se dê aulas sem computador, sem quadro branco, sem internet.

Estive recentemente numa escola e entrei numa sala com uma turma de 5º ano, em que todos os estores estavam para baixo, numa sala escura, só com luz artificial, muito quente. Quando lá entrei só pensei em fugir dali. Questionei alguém responsável, pois não conseguia compreender como tal podia acontecer quando o clima estava tão agradável e responderam-me que, para se projectar do computador, tem de se reduzir a luz natural ao máximo. Depois disso, vi várias salas assim e, segundo percebi, é o normal.

Bem, que seca! Desculpe a expressão, mas em nome da tecnologia, as salas de aula não apetecem mesmo nada. Mesmo agora que, racionalmente, percebo a utilidade da escola, não estaria numa sala daquelas com muito boa vontade.

Eu não quero alongar-me muito neste assunto da escola porque daria pano para mangas, mas a questão da tecnologia e a forma como todos, pais e professores, usamos a tecnologia como babysitter non stop preocupa-me.

Não entendo porque é que alunos de 1º ciclo já são convocados para fazer trabalhos de pesquisa na internet, quando têm uma biblioteca na escola, quando têm uma biblioteca no município. Não entendo porque é que alunos de 1º ciclo têm de entregar trabalhos escritos no computador se ainda não têm uma boa caligrafia, se ainda dão vários erros ortográficos.

Não entendo porque é que se ocupa os alunos a ver filmes nas aulas, quando podiam estar a ler um livro, uma enciclopédia ou até mesmo um jornal ou revista temática. Já não se fazem fichas de leitura?! Podia-se fomentar o jogo entre pares com jogos de tabuleiro ou experiências de ciência viva ou ir com eles visitar um lar de idosos que exista por perto, por exemplo. 

Já tentei entender. Não sou avessa à tecnologia, pelo contrário, uso-a com muita frequência, mas não consigo entender porque é que há rede WI-FI num pátio de uma escola de 1º e 2º ciclo por exemplo! Respondem-me que não pode ser de outra maneira e que tem restrições. Não satisfaz. Soluções alternativas certamente seriam encontradas se houvesse vontade.

Segundo li, a Academia Americana de Pediatria e a Sociedade de Pediatria do Canadá dizem que crianças de 6-18 anos devem ter acesso restrito a utensílios tecnológicos a 2 horas por dia. Os estudos estão a demonstrar que o uso da tecnologia restringe o movimento e que o movimento é essencial para o desenvolvimento das crianças. Para mais, porque é que 75% das crianças entre os 9 e os 10 anos têm perturbações de sono? Será que tem alguma ligação a esta overdose tecnológica?

Li alguns estudos (ref. Bristol University, 2010; Mentzoni, 2011; entre outros) que chegam a estabelecer uma ligação entre o uso excessivo da tecnologia com a depressão infantil, com a ansiedade, com o deficit de atenção, com o deficit de memória, entre outras patologias.

Esta overdose tecnológica existe porque nos é confortável. Porque todos queremos ter os miúdos quietos e em paz, mesmo que, mal cheguem a casa, corram para a televisão ou para a playstation. Todos nós queremos ocupar o tempo de aulas com algo que os desperte a atenção sem grande trabalho, se possível sem sair da sala de aula. No fundo, todos queremos que o tempo passe depressa e que os pirralhos estejam ocupadinhos a fazer algo que não nos incomode muito. Mas com tanto conforto e facilidade, estaremos a formar bem os nossos filhos, os nossos alunos? O melhor que lhes podemos dar é isto?

Depois não vale a pena olhar para esta geração e, dando ares de superioridade, dizer que “estes jovens de hoje nem sabem conversar… nem se preocupam com os outros…” Mea Culpa. Nostra Culpa.






Rita Gonçalves
Licenciada em LLM Estudos Portugueses e Franceses
Mãe


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