9 de novembro de 1989
Teresa Toldy | 9 Nov 2024

Comemoração dos 30 anos da queda do Muro, em Novembro de 2019: imagens de 1989 projectadas na fachada do Parlamento Alemão, mostrando alemães-orientais a passear em Berlim Ocidental. Foto © Helena Araújo
Novembro, 9 de novembro, é a data de comemoração da queda do Muro de Berlim. Este ano, passam trinta e cinco anos sobre um acontecimento histórico que mudou a vida de milhões de cidadãos. Há comemorações oficiais, comentários políticos sobre o significado do momento, avaliações dos seus impactos a curto, médio e longo prazo. Sabemos que nem tudo correu bem: a disparidade entre o nível de vida dos Ossis e dos Wessis não foi superada, o que pode ter contribuído, por exemplo, para a ascensão da AfD e para a existência de ressentimentos. Todos sabemos disso tudo. Mas hoje, num momento em que o mundo parece passar por convulsões que negam a possibilidade de acreditar na máxima “nie wieder” (Nunca mais) aplicada a horrores da Segunda Guerra Mundial, queria focar-me num ponto, num ponto aparentemente sem significado político a nível macro: um ponto de luz. Um ponto deixado na história por aqueles que, sendo cidadãos anónimos ou pessoas aparentemente sem possibilidade de tomarem grandes decisões, votados apenas a serem mandados ou amedrontados, foram capazes de contribuir (alguns, correndo risco de vida), para a queda do Muro – para a mudança da história.
A Bundeszentrale für politische Bildung (Agência Federal para a Formação Política) divulgou uma reportagem da revista Spiegel feita no momento dos acontecimentos, acompanhada de imagens não editadas, registadas precisamente na noite da queda do Muro.
A dada altura, diz o texto: “Ficámos também a saber que, na noite de 9 de novembro, foi o comandante das tropas fronteiriças na Bornholmer Strasse, Manfred Sens, e os dois comandantes do PKE, Edwin Görlitz e Harald Jäger, que, após longas discussões, mandaram abrir a passagem, contra as ordens superiores. Tinham reconhecido o desespero da situação e receavam que a população passasse por cima deles. A última mensagem de Harald Jäger aos seus superiores da Stasi foi: “Não é possível aguentar mais. Agora estamos ‘inundados’”.

O Muro de Berlim fotografado em Janeiro de 1990, dois meses depois do seu fim, com cruzes que registavam os nomes de pessoas mortas quando o tentavam atravessar. Foto do Departamento de Defesa dos EUA/Wikimedia Commons
Num outro documentário feito há anos sobre este mesmo momento, Harald Jäger dizia que, a dada altura, percebeu que eles, que estavam num dos checkpoints de passagem para o lado ocidental de Berlim não iriam receber apoio dos seus comandantes, que continuavam a negar a existência de milhares de pessoas concentradas, a quererem passar para o Ocidente, numa tensão crescente. Jäger diz simplesmente qualquer coisa como: “Rapazes, estamos entregues a nós próprios, vamos levantar as cancelas!” Harald Jäger podia ter sido condenado a uma pena pesadíssima, por “traição à pátria”, se as autoridades da DDR conseguissem reverter o processo. E, no entanto, tomou essa decisão, pondo a cabeça a prémio. Ciente de que não era possível fazer parar a história.
Nas imagens agora recordadas pela Spiegel, vê-se igualmente uma senhora que queria apenas uma coisa: ver a Porta de Brandemburgo do outro lado. O Muro passava precisamente pela frente deste monumento icónico. Desesperada, perante soldados jovens, com idade para serem seus filhos, ela roga-lhes que a deixem passar, jura-lhes que voltará, que só quer ver a porta do outro lado. Até que alguém a deixa passar e o júbilo pela passagem de uma senhora que ali nasceu, mas que nunca tinha visto “o outro lado” é enorme. Como é enorme o júbilo dos alemães de Berlim Ocidental quando os Trabis de Berlim Oriental passam a fronteira. São recebidos com palmas, com champagne. Dança-se em cima do Muro. Militares do lado ocidental ajudam alemães do lado oriental a saltar o muro, para não caírem. Rostropovich, dias depois, toca violoncelo junto ao Muro – não tinha também o muro de Jericó caído ao som de trombetas?
Repito: muito correu mal posteriormente e continua a não correr bem. Basta ouvir o discurso de Marko Martin na comemoração oficial da queda do Muro.
Mas há um ponto de luz que não se apagará: houve pessoas concretas, que, por si ou acompanhadas de milhares de outras pequenas luzes (pense-se nas vigílias na Nikolaikirche, por exemplo), fizeram a diferença. Que disseram “não”. Que contribuíram para a queda de um Muro que separava milhões de pessoas.
Pergunto-me se estaríamos dispostos, hoje, a contribuir para fazer cair algum muro, num tempo em que são tantos os que parecem estar empenhados em reerguê-los…
Teresa Toldy é professora universitária de Ética e teóloga; publicou Deus e a Palavra de Deus nas teologias feministas (Ed. Paulinas).
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