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sexta-feira, 29 de novembro de 2024

Aumentam ataques aos lugares religiosos – e uma zanga no Estoril entre Arménia e Azerbaijão

Fórum da Aliança das Civilizações

 | 28 Nov 2024

Ataques terroristas a sítios religiosos

Ataques terroristas a sítios religiosos. Fonte: Aliança das Civilizações das Nações Unidas. Legendas do mapa:
Estados Unidos da América – 10 ataques em sete estados (a legenda regista seis, erradamente); Gaza – 16 cemitérios, 72 mesquitas, duas igrejas em Gaza (7 de Outubro a 31 Dezembro 2023); Myanmar (Birmânia) – 200 casas de oração desde 2021 (alvos da Junta militar); Ucrânia – 120 sítios religiosos desde 24 Fevereiro de 2022; pelo menos 630 lugares danificados, destruídos ou pilhados por causa da invasão russa.

Entre Setembro de 2023 e Abril de 2024, há registo de várias centenas de ataques terroristas contra lugares religiosos em todo o mundo. Desses, a maior parte verificou-se na Birmânia (Myanmar), com 200 lugares de oração atacados desde 2021, alegadamente pelos militares mandados pela Junta que governa o país; a seguir vem a Ucrânia (129 desde a invasão russa) e Gaza em terceiro lugar (com 16 cemitérios, 72 mesquitas e duas igrejas destruídas, apenas entre 7 de Outubro e 31 de Dezembro do ano passado).

Se considerarmos só os ataques mais importantes, a tendência também é crescente – e preocupante: em 2021 houve oito ataques mais relevantes; em 2022 foram 14; no ano passado o número chegou aos 19 e, até Outubro deste ano, esse número já ia em 12.

São “números impressionantes” que mostram atentados registados em todos os continentes, diz Ignacio Ibáñez, do Gabinete das Nações Unidas para o Contra-Terrorismo e coordenador do Programa Global da ONU para as Ameaças a Alvos Vulneráveis.

Este responsável dá alguns exemplos dos ataques mais significativos: em Janeiro, no Irão, foi atacado o cemitério do Jardim dos Mártires junto da mesquita Saheb al-Zaman, onde duas bombas mataram mais de 100 pessoas e feriram mais de 200. Em Fevereiro, no Burquina Faso, mais de 20 pessoas foram assassinadas e mais de dez ficaram feridas quando se encontravam numa igreja. Em Junho, na Rússia, duas igrejas ortodoxas e uma sinagoga foram atacadas de forma coordenada, provocando 20 mortos e mais de 40 feridos. E em Julho, em Omã, um ataque num encontro de muçulmanos xiitas matou seis pessoas e feriu mais de 30.

Os dados foram revelados na conferência sobre salvaguarda de sítios religiosos, que decorreu no Estoril na quarta-feira, 27, no âmbito do 10º Fórum da Aliança das Civilizações das Nações Unidas (ACNU), que decorreu no Centro de Congressos do Estoril, entre os dias 25 e 27. Esses sítios são lugares onde as pessoas “se juntam para participar em cerimónias, rezar, meditar”, são lugares “especialmente vulneráveis” e alvos de quem procura atacar organizações religiosas, afirmou o Alto Representante para a ACNU, o espanhol Miguel Ángel Moratinos. Por isso devem “ser respeitados como locais de paz e harmonia, onde os fiéis se devem sentir seguros”.

Fala-se de lugares de oração, mas também se podem incluir estruturas educativas, abrigos para quem não os tem e outras estruturas sociais, exemplificou o responsável. Por isso, quaisquer actos de violência em relação a esses lugares devem ser condenados.

 

Um plano de acção para a salvaguarda

Participantes num dos painéis de debate do 10º Fórum Global da Aliança das Civilizações, realizado no Estoril (Cascais) entre 26-28 Novembro 2024. Foto © António Marujo/7MARGENS.

Moratinos convidou ainda os estados presentes a apoiar o documento “Anéis de Paz – Plano de Acção das Nações Unidas para a Salvaguarda dos Sítios Religiosos: Em unidade e solidariedade para um culto seguro e pacífico”. Nele, ACNU propõe-se, entre princípios mais genéricos de promoção do espírito de “respeito e a compreensão mútuos” ou da prossecução de esforços de “prevenção do extremismo violento através da educação, fazer também um “mapeamento dos locais religiosos em todo o mundo” que traduza “a espiritualidade dos locais religiosos”. O desenvolvimento de planos multidisciplinares, a colaboração com os líderes religiosos e o envolvimento da sociedade civil, bem como a integração de jovens na tomada de decisões, são outras recomendações acometidas às Nações Unidas e que são referidas no plano (disponível em inglês na página da ONU).

Para os líderes religiosos, o plano sugere iniciativas de oração conjunta, o envolvimento regular em iniciativas de diálogo inter-religioso, o contacto com pessoas das próprias comunidades que possam ser propensas “à radicalização e ao possível recrutamento por grupos extremistas violentos, a educação sobre outras religiões e o envolvimento em redes sociais e sítios digitais para alargar o conhecimento acessível sobre as diferentes religiões, entre outros temas.

Os fornecedores de serviços tecnológicos e digitais devem também ter uma missão, de acordo com este documento aprovado. Entre outras acções, recomenda-se: a proibição da distribuição de conteúdos terroristas e extremistas; mecanismos de denúncia; a melhoria da tecnologia e da transparência; a criação de parcerias com governos, sociedade civil e instituições de ensino para a rápida remoção de conteúdos terroristas e de extremismo violento das plataformas em linha.

No âmbito de cada país, o documento sugere que os “locais religiosos sejam definidos como alvos vulneráveis e incluídos nas estratégias e planos nacionais relevantes”; a possibilidade de criar unidades especializadas para salvaguardar esses lugares.

A partilha de informação, o debate entre os fiéis, as parcerias entre líderes religiosos, sociedade civil e estados, bem como a consciencialização sobre como responder a ataques e a organização de iniciativas que ajudem a divulgar esse tipo de informação também integram o documento.

 

Acusações violentas entre Arménia e Azerbaijão

O bispo Vrtanes Abrahamyan (dirª), com o arquimandrita Archimandrite Garegin (Tatul) Hambardzumyan, ambos da Igreja Apostólica Arménia, no 10º Fórum Global da Aliança das Civilizações, realizado no Estoril (Cascais) entre 26-28 Novembro 2024. Foto © António Marujo/7MARGENS.

Se no campo dos princípios é possível aprovar documentos deste género, a sua aplicação nem sempre corresponde aos enunciados. Isso mesmo se verificou na própria sessão: a dado momento, registaram-se três intervenções praticamente seguidas de representantes do Azerbaijão: o xeque Allahshukur Pashazade, presidente do Conselho dos Muçulmanos do Cáucaso e co-presidente do Conselho Inter-Religioso do país, enalteceu o governo do Presidente Ilham Aliyev, no cargo desde 2003. O regime, condenado em vários relatórios internacionais, “está a restaurar aldeias nos territórios libertados” de Artesaque (Nagorno-Karabakh), disse o líder religioso.

O ministro da Cultura do país, Adil Karimli, interveio no mesmo sentido para defender que “sem garantir a protecção dos lugares de culto é impossível garantir direito à liberdade religiosa”. O ministro assegurou que o governo de que faz parte se “compromete a salvaguardar todos os lugares religiosos no seu território” por igual, independentemente do credo. A política do Presidente, acrescentou, é “promover a diversidade cultural e religiosa”, enumerando vários fóruns internacionais organizados pelo seu país – o último dos quais foi a COP29, sobre o clima, e incluindo três cimeiras no âmbito do diálogo inter-religioso; o Papa Francisco esteve, aliás, com o xeque Pashazade, em Outubro de 2016, num encontro inter-religioso com líderes judaicos, muçulmanos e cristãos ortodoxos russos.

Mas apesar destas declarações, “hoje” está a acontecer a destruição da herança cristã no Nagorno, incluindo a destruição de igrejas, acusou o bispo Vrtanes Abrahamyan, da Igreja Apostólica Arménia. Mais de um milhão de arménios foram expulsos de suas casas, há igrejas e lugares cristãos a serem destruídos, acrescentou.

Um relatório publicado em Junho deste ano pelo Centro Europeu para a Lei e a Justiça corrobora pelo menos várias destas acusações: “O Apagamento Sistemático da Herança Cristã no Nagorno-Karabakh”, o título do documento, regista a existência de 500 sítios culturais com aproximadamente 6.000 relíquias do património cristão arménio. “Entre Novembro de 2020 e Setembro de 2023, dezenas de sítios do património cristão arménio em Nagorno-Karabakh foram destruídos ou danificados”, acusa o relatório, que identifica várias igrejas e lugares destruídos ou vandalizados. “Quando não foram demolidos, muitos destes sítios foram encerrados ao público, mesmo aos peregrinos. Actualmente, com o controlo total do Nagorno-Karabakh pelo Azerbaijão, na sequência de uma ofensiva militar em Setembro de 2023, a destruição do património cultural da Arménia só tem aumentado, com o Azerbaijão a recusar a entrada de observadores estrangeiros para verificar a situação e a fazer um profundo “revisionismo cultural”, negando que o património arménio tenha simplesmente existido.

Na conferência do Estoril, o comentário do bispo arménio motivou uma reacção violenta dos representantes do Azerbaijão, que acusaram o líder religioso de, sob essa capa, se esconder um criminoso que participou em massacres de azeris. A mesa teve de intervir, com Moratinos a dizer que esta era uma cimeira “construtiva” e não uma reunião do Conselho de Segurança… (as intervenções referidas podem ser vistas no vídeo da sessão, a partir dos minutos 45’, 58’ e 1h59’)

A Declaração de Cascais Para lá dos debates mais ou menos quentes, o fórum aprovou a Declaração de Cascais “Unidos na Paz: Restaurar a Confiança, Reformular o Futuro – Reflectindo sobre duas décadas de Diálogo para a Humanidade”. Em 25 pontos, nela se reitera o empenhamento com os objectivos e princípios da ACNU e se elogiam os esforços para alargar o envolvimento com ouras entidades do sistema das Nações Unidas e uma rede global de parceiros. O documento sublinha “a necessidade de combater todas as formas de intolerância religiosa”, destaca o papel da educação inclusiva na promoção da paz e dos direitos humanos, e reconhece o papel dos líderes religiosos “na mediação de conflitos e na cooperação para o desenvolvimento”. A declaração refere ainda “o impacto positivo” da migração “segura, ordenada e regular” para a “promoção do pluralismo cultural”; destaca o papel dos jovens na prevenção da xenofobia; sublinha o diálogo intergeracional e o contributo da diplomacia desportiva e o papel das mulheres como negociadoras, mediadoras e pacificadoras; e apela à aplicação do Plano de Acção para a Salvaguarda dos Sítios Religiosos.


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