Para não se deixar instrumentalizar
7MARGENS | 21 Nov 2024
“Preocupações éticas” e “necessidade de proteger a Igreja [Católica] de ser usada para fins políticos” foram as razões invocadas pelo arcebispo de Nairobi, capital do Quénia, na África oriental, para recusar um donativo do presidente do país.
O ato presidencial segundo a BBC, ocorreu no último domingo, e destinava-se a apoiar a construção de uma residência presbiteral e a presentear o coral de uma igreja católica de Nairobi. No ar ficou ainda a promessa de oferecer um autocarro à paróquia do grupo coral.
A verba total do donativo foi de 2,6 milhões de xelins quenianos, equivalente acerca de 38.000 euros, tendo o presidente deixado metade em notas e prometido entregar o restante mais tarde.
O gesto, bastante badalado nos media, seguiu-se a uma recente declaração pública do episcopado católico, que criticou o governo por não cumprir as suas promessas eleitorais e, mais concretamente, ter aumentado o drasticamente os impostos e não dar explicações pelos jovens mortos a tiro pela polícia, em manifestações contra o aumento do custo de vida, em meados deste ano.
Em maio e junho último, no país que era o maior aliado dos Estados Unidos em África, que se preparava para liderar uma missão internacional de paz no Haiti e que era, pela sua estabilidade e crescimento, uma promessa para o capitalismo internacional, causou surpresa o surgir das manifestações e da violência de rua.
“Jovens quenianos – referia então o Washington Post – fartos da pobreza extrema, do desemprego generalizado e da corrupção instituída do governo foram para a rua denunciar uma proposta de lei de finanças que aumentaria os impostos a um nível que poucos poderiam pagar”.
Os manifestantes atacaram e incendiaram parcialmente o edifício do Parlamento do país, além de terem cercado as residências de alguns deputados. A polícia disparou armas de fogo, de que resultaram dezenas de mortes e sequestro de muitos outros nas ruas e em suas casas. O presidente do país acabou por ceder, retirando a polémica lei das taxas e remodelando radicalmente o seu governo, o que, apesar de tudo, não apaziguou os manifestantes.
Num país em que quase 80 por cento da população é cristã e mais de 20 por cento católica, seria natural que muitos dos jovens que se manifestaram fossem também cristãos. E seria igualmente natural que não vissem com bons olhos uma grande proximidade dos bispos com o poder político, em encontros a que o poder político não se cansava de dar publicidade. Ainda em anos recentes não era raro que políticos interviessem em liturgias de alguns das confissões cristãs.
Os jovens lançaram um movimento nas redes sociais, especificamente centrado nas instituições religiosas, batizado com a hashtag #OccupyChurch (ocupem a igreja) para forçar a que os seus problemas tivessem também espaço na vida das comunidades.
Em meados de julho, numa tarde de domingo, os líderes católicos decidiram escutar o apelo e convidaram a geração que protestava para uma celebração, a pretexto de homenagear aqueles que morreram debaixo do fogo policial. Foram umas boas centenas os que compareceram na Basílica da Sagrada Família, na capital.
O bispo que presidiu à celebração não podia ser mais claro, nos excertos destacados pela BBC: “Sei que, como jovens, às vezes vocês sentem-se dececionados – até mesmo na Igreja. Gostaríamos de renovar o nosso compromisso em estar ao vosso serviço. Podemos estar enganados… Que o Senhor nos perdoe como Igreja, onde, mesmo diante de Deus, nós vos dececionámos.”
Aconselhando-os a serem pacientes e a arrependerem-se de “quaisquer pecados cometidos durante os protestos”, o bispo confessou que os bispos católicos não querem “perder os seus jovens” e “estão muito preocupados em perder esta geração”.
O governo, entretanto, assinou um memorando de entendimento com duas das várias confissões protestantes. A Igreja Anglicana, pelo contrário, veio a público subscrever a tomada de posição do episcopado católico, na exigência de novos rumos para o país, cuidando dos que mais precisam, sublinhando que ele exprime o que sente a sociedade queniana.
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