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sexta-feira, 31 de março de 2017

A Conversa I

Após um encontro fortuito, Camila travou amizade com Sofia que é protestante. Curiosamente – porque ambas são curiosas e, por serem amigas de verdade, partilham as suas melhores descobertas – as suas conversas têm a fé por tema. Sofia, ao contrário de Camila, tem um profundo conhecimento da Bíblia e é capaz de fazer citações de cor. Camila conta-me que os seus encontros não costumam acabar, no sentido de que surge sempre algo que fica por resolver ou necessita de um tempo prolongado de reflexão. Assim, a conversa prolonga-se em novos encontros na rua, ao tomar um café, e começa a tomar a forma de uma única conversa, mas em capítulos.

O novo estímulo para pensar surgiu quando Sofia contou que na sua igreja não há imagens nem sequer a de Jesus crucificado. A raiz deste costume estaria no Antigo Testamento: “Não farás para ti imagens de escultura, nem figura alguma...” (Êx. 20,4). Além disso, o pastor da sua igreja chamou a atenção dos ouvintes para o facto de um pai a quem morre um filho não mostrar as fotografias do seu filho morto, antes escolhe aquelas em que ele estava sorridente e cheio de saúde. Assim, não faria sentido olhar-se para o crucifixo.

Porém, Camila descobriu que, na Bíblia, existe uma excepção importante quando o povo israelita, cansado do caminho, fala contra Deus e Moisés. Então, “o Senhor enviou contra o povo serpentes ardentes, e, causando estas chagas e mortes em muitos, (os israelitas) foram ter com Moisés, e disseram-lhe: Pecámos porque falámos contra o Senhor e contra ti; roga-lhe que afaste de nós as serpentes. E Moisés orou pelo povo, e o Senhor disse-lhe: Faz uma serpente de bronze, e põe-na por sinal; aquele que, sendo ferido, olhar para ela, viverá...” (Núm. 21, 6-9). Este episódio é já uma imagem ou profecia dos sacramentos. Recordemos, aqui, que um sacramento é um sinal sensível e eficaz da graça. A serpente presa sobre o poste e erguida, prenuncia a imagem de Jesus sobre a cruz, e é posta como sinal, mas cura quem, ferido pelas serpentes, olha para esse sinal. Assim, o sinal da serpente salva, temporariamente, o corpo. O sinal da Cruz salva eternamente a alma, pois foi o momento supremo e misterioso da Redenção.

Existem algumas razões práticas que também levaram a Igreja católica a representar imagens nos seus templos: ajudar os primeiros cristãos (analfabetos) a memorizar a sua fé, a história da igreja, os seus heróis (a Virgem Maria, mártires, papas, doutores e padres da igreja, missionários, fundadores de ordens religiosas...); mas trata-se de razões menos importantes, mais humanas e com algo de sensibilidade afectiva, como é própria dos homens. As imagens, sejam elas esculturas ou pinturas,  facilitam a comunicação com Deus e são, muitas vezes, manifestações de amor dos artistas, ou seus mecenas, que procuram elevar ao céu as suas preces traduzidas em obras de arte cheias de beleza. Também a liturgia, o canto, as velas, as flores, os vasos sagrados, o incenso... o silêncio... são imagens sensíveis que ajudam a rezar com os sentidos (ouvido, olfacto, paladar, vista, tacto). Porém, a Cruz é o sinal que desce de Deus para os homens: o sinal eficaz da salvação.
 
Isabel Vasco Costa



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