Jean-Christophe Frisch e Le Baroque
Nomade desvendam diálogos musicais entre a Europa e a América
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Uma brilhantíssima interpretação de
Alberto Zedda na igreja matriz de Santiago do Cacém, a 2 de Abril, elevou
o Alentejo à primeira linha da música sacra internacional. Este concerto
memorável correspondeu, em pleno, ao que o director do Festival, Juan
Ángel Vela del Campo, definiu como a essência do Terras sem Sombra: “uma
experiência única dos sentidos”. O programa segue, agora, com outros
músicos de excepção, na igreja matriz de Ferreira do Alentejo.
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A 12.ª edição do Festival Terras sem Sombra recebe, como
país convidado, o Brasil – uma escolha que reflecte a sua ligação
histórica, construída ao longo de séculos e renovada nos últimos tempos,
ao Alentejo. Desde a era de Quinhentos que o território brasileiro tem
sido o destino de inúmeros alentejanos, boa parte dos quais (ou dos seus
descendentes) voltaram à região onde tinham as origens. Por vezes, foram
verdadeiros colectivos a serem transplantados para os trópicos, como
sucedeu com o regimento de Moura que se destacou no Rio Grande do Sul, em
1776.
Tudo isto viria a traduzir-se, afinal, num verdadeiro movimento de
“torna-viagem”: muitas das ideias, das crenças, das manifestações
artísticas e culturais e, particularmente, das tradições musicais que
transitaram de Portugal para o Brasil, regressaram até nós, já
transformadas e já profundamente enriquecidas, não só pelos contributos
das nações ameríndias e da extraordinária herança africana, mas também
pela afirmação da própria identidade brasileira.
Quem olhar com atenção a paisagem cultural alentejana pode precatar-se
das inovações daí decorrentes. Vale a pena lembrar alguns casos, como as
variantes tropicais que enriqueceram os laranjais que vinham do tempo dos
hortelãos mouros ou certos toques de requinte em alguns pratos – e,
sobretudo, em alguns doces – típicos da sumptuosa gastronomia regional;
mas quem tiver a curiosidade de saber escutar as “modas” alentejanas não
deixará de vislumbrar, nesta ou naquela das suas sonoridades, a influência
longínqua do outro lado do Atlântico.
Um testemunho muito eloquente é protagonizado pela arquitectura
religiosa: a igreja de Nossa Senhora da Assunção, em Messejana
(Aljustrel), desfeita pelo terramoto de 1755, foi reconstruída por um dos
muitos arquitectos e engenheiros que Sebastião José de Carvalho e Mello,
futuro marquês de Pombal, fez vir de todo o império português para
reedificar a Lisboa em ruínas. Com as suas torres em escorço, este
santuário conduz-nos misteriosamente, através de uma longa viagem, até à
Bahia e às vilas do sertão de Minas Gerais.
Estas e outras realidades não surpreendem, afinal, se pensarmos – como
salientou José António Falcão, historiador que tem vindo a estudar a
presença do legado brasileiro no Baixo Alentejo – que António Raposo
Tavares, o bandeirante paulista que traçou, grosso modo, as fronteiras do
actual Brasil, pertencente a uma família de cristãos-novos de Beja,
nasceu na aldeia de Espírito Santo, no interior de Mértola. Ao longo das
suas pesquisas pelos arquivos alentejanos, Falcão vem realizando outras
descobertas dignas de nota, uma das quais inesperada: Martim Soares
Moreno, o célebre fundador do Ceará, era natural de Santiago do Cacém.
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Aprofundar uma
identidade comum
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Foi a consciência
destas e de outras ligações, profundas, mas esquecidas, que levou Juan
Ángel Vela del Campo, o mágico director artístico do Terras sem Sombra, a
traçar com subtileza, dentro da programação do Festival em 2016, um ciclo
coerente que permite ao público europeu ter uma perspectiva bastante
completa da identidade musical brasileira, desde o tempo do Barroco até
aos grandes criadores actuais.
A igreja matriz de Ferreira do Alentejo, localidade que o FTSS visita
este ano pela primeira vez, acolhe a 16 de Abril, às 21h30, o primeiro
concerto dedicado ao Brasil, a cargo do ensemble francês Le Baroque Nomade, um
dos agrupamentos mais famosos, no plano internacional, pela interpretação
historicamente informada do extraordinário diálogo que ocorreu, no século
XVIII, entre o repertório europeu e as tradições musicais de outros
tempos e de outros lugares, como a China, a Turquia, a Etiópia – e, claro
está, o Brasil.
Dirigido por Jean-Christophe Frisch, flautista e director de orquestra, e
norteado pelo propósito de revelar autores e partituras votados ao
esquecimento, Le Baroque Nomade apresenta um projecto cheio de
significado: convida, de maneira indeclinável, a conhecer o extenso
período de intercâmbios musicais que medeia entre o século XVIII e a
actualidade. A presença de intérpretes de excepção, como a soprano
Cyrille Gerstenhaber, a meio-soprano Sarah Breton, o tenor Vincent
Lièvre-Picard, o barítono Emmanuel Vitorsky e o organista Mathieu Dupouy,
todos eles personalidades bem conhecidas do meio artístico internacional,
oferece um passaporte seguro para esta singular “torna-viagem”.
Pelo Mar, pelo Sertão:
Música do Brasil nas Épocas do Reino Unido e do Império é o
título do concerto que coloca, lado a lado, obras de Luís Álvares Pinto
(1719-1789), um dos primeiros compositores brasileiros, natural de Recife
e formado na catedral de Lisboa; do P.e José Maurício Nunes Garcia
(1767-1830), o grande mestre do Rio de Janeiro no tempo em que D. João VI
estabeleceu a sua corte nesta cidade, alguém que ombreou com alguns dos
melhores músicos da época; e de um artista europeu, o austríaco Sigismund
von Neukomm (1778-1858), que viveu na capital brasileira entre 1816 e
1821 e conheceu de perto as tradições musicais do Novo Mundo.
Atendendo à excepcional acústica da matriz de Ferreira, tudo concorre
para tornar este concerto um dos momentos altos da presente edição do
Festival Terras sem Sombra. A iniciativa realiza-se em parceria com a
Câmara Municipal e a Paróquia locais. É também uma forma de homenagear um
natural desta vila, Armando Sevinate Pinto, antigo ministro da
Agricultura, falecido em 2015. Grande apaixonado pela vida rural e pelo
Alentejo, que conhecia como poucos, foi o primeiro presidente do Conselho
de Curadores do Festival Terras sem Sombra.
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Preservar uma
ilha de biodiversidade no meio do oceano da agro-indústria
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Na manhã de
domingo, 17 de Abril, às 10h00, músicos, espectadores e comunidade local
vão associar-se para uma acção de salvaguarda da biodiversidade, sob o
mote Hospedaria de
Peregrinos: A Barragem de Odivelas, Ilha de Biodiversidade no Oceano
Olivícola, que procura identificar práticas de gestão
favoráveis à biodiversidade, na fronteira dos concelhos de Ferreira do
Alentejo e Alvito.
Esta actividade visa caracterizar a diversidade primaveril de aves aí
existentes, relacionando-a com as características muito próprias de um
local tão singular, mas ameaçado pela multiplicação das áreas consagradas
à agro-indústria e aos seus potentes meios tecnológicos, por vezes
problemáticos para a conservação da natureza.
A acção, aberta a todos os interessados, é coordenada pelo Instituto de
Conservação da Natureza e da Biodiversidade, em parceria com o Município
de Ferreira do Alentejo. Traduz, no terreno, uma preocupação bem patente
na Encíclica Laudato Sí,
do Papa Francisco: “As estradas, os novos cultivos, as reservas, as
barragens e outras construções vão tomando posse dos habitats e, por vezes,
fragmentam-nos de tal maneira que as populações de animais já não podem
migrar nem mover-se livremente, pelo que algumas espécies correm o risco
de extinção”.
De entrada livre, o
Festival é organizado pelo Departamento do Património Histórico e
Artístico da Diocese de Beja prolonga-se até 2 de Julho e
segue para Odemira, Serpa, Castro Verde e Beja. Um hino ao Baixo Alentejo: à beleza dos seus espaços
naturais e ao prazer da descoberta cultural.
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Programa Ferreira do Alentejo
16 de Abril de
2016 [21:30]
Igreja Matriz de Nossa Senhora da Assunção
Pelo Mar, pelo
Sertão: A Música do Brasil no Tempo do Reino e do Império
XVIII-21/Le
Baroque Nomade
Soprano Cyrille
Gerstenhaber
Meio-soprano Sarah
Breton
Tenor Vincent
Lièvre-Picard
Barítono Emmanuel
Vitorsky
Órgão e piano Mathieu
Dupouy
Flautas, serpentão e direcção musical Jean-Christophe
Frisch
Entrada livre
até se esgotar a capacidade da igreja
17 de Abril de
2016 [10:00]
Hospedaria de
Peregrinos: A Barragem de Odivelas, Ilha de Biodiversidade no Oceano
Olivícola
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