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sábado, 8 de junho de 2013

A mobilização contra o «matrimónio» gay arrasta os líderes da direita em França

A UMP de Copé, forçada a reagir

Há quem fala de «primavera francesa» para descrever o êxito das manifestações e a popularidade dos seus líderes.

Actualizado 16 de Maio de 2013

J.M. Ballester Esquivias / ReL


Não há mal que por bem não venha: pese a derrota legislativa, já nada será igual na direita sociológica depois de sete meses de intensa oposição social ao projecto de "matrimónio gay" uma das promessas eleitorais mais sonoras do então candidato - e hoje presidente da República - François Hollande, que, neste caso, a cumpriu fielmente.

Vingt-Trois, primeiro aviso
Curiosamente, apesar da clarificação de ideias e da rapidez exibida pelo Governo socialista - tomou posse em Junho de 2012 e no mês seguinte já anunciava a sua intenção de permitir o "matrimónio" entre pessoas do mesmo sexo -, os opositores ao projecto tardaram, num primeiro momento, a reagir: o primeiro toque de atenção procedeu do cardeal André Vingt-Trois, arcebispo de Paris e presidente da Conferência Episcopal, que, na sua homilia de 15 de Agosto, convidou os fiéis a orar ao mesmo tempo que denunciava – com palavras suaves - os perigos do projecto.

Vingt-Trois, sem dúvida, limitou-se a cumprir com o seu dever pastoral porque era o suficientemente inteligente para saber que o protagonismo correspondia aos laicos e tinha que trespassar os limites do mundo católico, o “milieu catho”, como dizem ali, para congregar as pessoas de qualquer procedência sinceramente comprometidas a favor do verdadeiro matrimónio. E assim acabou por ser.

Escada: arranca a luta

Sem dúvida, o tiro de partida correspondeu ao católico tradicionalista Alain Escada, de nacionalidade belga e presidente do Instituto Civitas: convocou as primeiras manifestações e foi quem começou a sensibilizar os presidentes de câmara, sobretudo os de municípios rurais.

A chave: Manif pour Tous
Durante algumas semanas, Escada pregou praticamente no deserto. Mas não esteve muito tempo só – acabou perdendo visibilidade mediática - porque para meados de Outubro já se havia configurado o movimento que se foi articulando em torno a La Manif pour tous [A Manifestação para todos].

Um nome para contrariar o Mariage pour tous – o Matrimónio para todos -, que assim chamaram à sua causa os partidários de casarem pessoas do mesmo sexo. Era o primeiro sinal – mas não o último - de que os oponentes estavam dispostos a dar batalha.

Na França, nas últimas décadas, quando um Governo decide promover leis ou projectos muito ideológicos que dividem a opinião pública, os oponentes costumam tomar as ruas, em geral com êxito: em 1984, um milhão de pessoas nas ruas de Paris conseguiu que o Governo socialista de então renunciasse ao seu projecto de “grande serviço público laico e unificado” que houvesse acabado com o ensinamento privado; dez anos depois, os laicos causaram um forte desgaste ao Governo de centro direita de Édouard Balladur e obrigaram-no a renunciar a uma modificação da lei que, segundo eles, beneficiava os colégios privados.

Sendo assim as coisas, não é de estranhar que os promotores da Manif pour tous optassem pela rua. Mas, já antes, a pressão surtiu um – pequeno - efeito de calendário ao conseguir atrasar três semanas – desde meados de Outubro a princípios de Novembro - a apresentação do projecto no Conselho de Ministros.

A explosão
Mas o importante ocorreu em 17 de Novembro, dia das primeiras manifestações importantes, que tiveram lugar em Paris e em diferentes cidades de províncias: mais de meio milhão de pessoas. Bom prelúdio para a “macromanifa” de 13 de Janeiro, que reuniu mais pessoas e que culminou no Campo de Marte; ainda que segundo as autoridades, foram apenas metade.

Mais além das cifras, esta manifestação significou a eclosão de uma nova tendência em França: a de uns cidadãos armados de valores dispostos a defendê-los e a não sacrificá-los em objectivos das conveniências políticas do momento.

Até então, na França, a defesa da visão integral do homem – vida, família - descansava num punhado de associações – a maior parte católicas - cujo mérito ninguém discutia mas cuja capacidade de mobilização era ínfima: basta dizer que durante anos a tradicional Marcha pela Vida de finais de Janeiro apenas reunia umas 5.000 pessoas; o grosso dos políticos – com alguma outra excepção – a ignorava olimpicamente.

Os políticos, obrigados a reagir
Agora é ao contrário: a maior vitória estratégica - em chave política - do movimento opositor consistiu em obrigar a União por um Movimento Popular (UMP), a principal formação de centro direita, a pronunciar-se maioritariamente contra o ‘matrimónio’ gay e – pelo menos - a questioná-lo se voltar ao poder em 2017: até então era quase inimaginável ver o seu presidente Jean-François Copé, participar em manifestações em defesa de valores; não era o seu.

As manifestações mudaram-no: tempo faltou-lhe para apresentar um recurso de inconstitucionalidade uma vez que se aprovou a lei. Quem houvesse dito há uns meses que a UMP iria a reboque das associações? O mesmo cabe dizer em relação com a penetração de elites: quem teria dito há uns meses que 82 enarcas – agrupados no Colectivo Camabacerès- fizessem um chamamento solene a Hollande para que renuncie ao projecto? Ou que um presidente de câmara – Philippe Brillault - tenha interposto um segundo recurso perante o Conselho Constitucional para defender a sua liberdade de consciência – e a dos seus colegas - para não ter que celebrar esse tipo de ‘matrimónios’?

A independência política mantém-se...
Tudo isto, não obstante, não significa que os opositores vão moldar-se no sistema e vão converter-se em soldados de chumbo da UMP ou da Frente Nacional. Antes pelo contrário: a sua pressão sobre esses partidos, a partir de agora, vai ser constante e não descartam apresentar candidatos ali onde os candidatos da direita – de toda a direita - sejam tíbios.

...e a imprensa acode
Já nada será o mesmo na direita francesa: esta quarta-feira, os líderes da Manif pour Tous ofereceram uma conferência de imprensa no Campo de Marte para apresentar as suas reivindicações de futuro. Todos os medias estavam presentes para escutar, entre outros, a Frigide Barjot, actriz que não só tem sido a musa do movimento mas sim que se converteu numa líder de opinião em toda a França; Philippe Ariño, professor de espanhol e homossexual confesso, que optou pela castidade há uns anos e quem, de tournée permanente por todo o país, é o símbolo da falta de complexos; ou Béatrice Bourges, presidente da Primavera Francesa, que sem pelos na língua representa a voz tradicional do associativismo católico gaulês.


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