Alfredo Teixeira, coordenador da última grande sondagem sobre
identidades religiosas, aponta a hiperindividualização como um dos
motivos da crise das estruturas tradicionais da Igreja Católica.
Ricardo Campos |
O santuário de Fátima
tem funcionado, no tecido católico português, como um veículo de
transporte da religiosidade tradicional para os dias de hoje, “em que os
comportamentos religiosos se individualizaram”, aponta o sociólogo e
antropólogo Alfredo Teixeira.
Para o também director do Instituto Universitário de Ciências
Religiosas da Universidade Católica, a Igreja tem sabido responder —
melhor do que os sindicatos ou do que os partidos políticos, pelo menos —
à tendência dos indivíduos para se desvincularem das dimensões
comunitárias da vida social e para se tornarem “gestores” do seu próprio
caminho religioso.
Que Igreja é que o Papa Francisco encontrará em Portugal? Os
católicos são ainda à volta dos 79% da população portuguesa, como
apontava o estudo que apresentou em 2012, ou terão já diminuído?
Diria que esses números podem ser considerados recentes, dado que os ciclos de investigação internacional neste domínio normalmente se aproximam dos dez anos. Em todo o caso, podemos presumir que, a médio e longo prazo, esse número poderá baixar, porque encontrámos ainda nesse número um quadro de tradicionalidade religiosa bastante importante, com uma forte representação dos escalões etários dos mais velhos. E e o que se tem verificado nas sociedades que viveram historicamente de uma forte hegemonia religiosa é a tendência para uma certa pluralização. No caso português, a transformação será talvez mais lenta, porque boa parte da pluralização religiosa advém de fluxos migratórios. E Portugal não é um contexto de forte atracção para esses fluxos.
Diria que esses números podem ser considerados recentes, dado que os ciclos de investigação internacional neste domínio normalmente se aproximam dos dez anos. Em todo o caso, podemos presumir que, a médio e longo prazo, esse número poderá baixar, porque encontrámos ainda nesse número um quadro de tradicionalidade religiosa bastante importante, com uma forte representação dos escalões etários dos mais velhos. E e o que se tem verificado nas sociedades que viveram historicamente de uma forte hegemonia religiosa é a tendência para uma certa pluralização. No caso português, a transformação será talvez mais lenta, porque boa parte da pluralização religiosa advém de fluxos migratórios. E Portugal não é um contexto de forte atracção para esses fluxos.
Poder-se-á falar em Portugal de um “efeito crise”, tendo como efeito a reaproximação das pessoas às práticas religiosas?
Portugal é, sob esse ponto de vista, um país um pouco complexo. Porque tivemos até bastante tarde, comparando com outros países europeus, uma forte presença de uma religiosidade popular ou tradicional. Isso porque as culturas vincadamente rurais permaneceram até bastante tarde no nosso país.
Portugal é, sob esse ponto de vista, um país um pouco complexo. Porque tivemos até bastante tarde, comparando com outros países europeus, uma forte presença de uma religiosidade popular ou tradicional. Isso porque as culturas vincadamente rurais permaneceram até bastante tarde no nosso país.
Repare que, em alguns casos praticamente desde o início do século,
muitos países europeus quase não têm manifestações relevantes disso a
que chamamos a religiosidade popular. Quando, nos anos setenta/oitenta, o
antropólogo francês Pierre Sanchis veio estudar a religião em Portugal,
escolheu como objecto da sua investigação a romaria — uma das
estruturas mais tradicionais de vivência do religioso, em particular do
religioso festivo. E, portanto, a manutenção dessas estruturas, e a
aliança que a Igreja Católica estabeleceu com essas manifestações de
religiosidade popular, fez permanecer uma certa tradicionalidade
religiosa.
Diria que a grande transformação que o catolicismo atravessa é uma
certa destradicionalização do religioso. E esta destradicionalização é
um processo social amplo, que passa pela urbanização e por um certo
cosmopolitismo cultural que são precisamente as zonas de fractura ou de
erosão da identidade católica. Os católicos normalmente
têm uma presença mais débil nos espaços mais urbanizados. Não é por
acaso que as duas regiões onde a identidade católica aparece mais
fragilizada são precisamente a Grande Lisboa, que inclui a península de
Setúbal, e a região do Algarve. Que são as regiões que, por um lado,
integram mais fluxos de novos residentes e que, por outro lado, são mais
habitadas — e isto é mais visível na região de Lisboa — por um certo
cosmopolitismo e, portanto, por uma mais forte destradicionalização das
formas de identificação dos indivíduos. Sob esse ponto de vista,
Portugal faz um percurso um pouco tardio, em comparação com outros.
Fátima inscreve-se nesta tradicionalidade religiosa e, nessa medida, poderá estar em vias de perder capacidade de mobilização?
Fátima é, ao contrário, um factor de destradicionalização. Repare: os santuários são uma das estruturas mais universais do religioso, quase não conhecemos tradições religiosas que não incluam esta prática em torno de santuários. Mas, no caso português, os santuários tinham sobretudo uma dimensão local e estavam muito vinculados a um capital religioso que era vincadamente o capital de um milagre, uma determinada graça que tinha acontecido a alguém. E aquilo que o santuário fazia era perpetuar essa graça recebida agora pelos outros crentes, isto muito articulado com as práticas da religiosidade popular, como a romaria. Ora, Fátima vai emergir como santuário numa lógica muito diferente. Vai fazer o transporte dessa estrutura tradicional religiosa para um contexto social diferente.
Fátima é, ao contrário, um factor de destradicionalização. Repare: os santuários são uma das estruturas mais universais do religioso, quase não conhecemos tradições religiosas que não incluam esta prática em torno de santuários. Mas, no caso português, os santuários tinham sobretudo uma dimensão local e estavam muito vinculados a um capital religioso que era vincadamente o capital de um milagre, uma determinada graça que tinha acontecido a alguém. E aquilo que o santuário fazia era perpetuar essa graça recebida agora pelos outros crentes, isto muito articulado com as práticas da religiosidade popular, como a romaria. Ora, Fátima vai emergir como santuário numa lógica muito diferente. Vai fazer o transporte dessa estrutura tradicional religiosa para um contexto social diferente.
Antes de mais, o capital fundamental de
Fátima não é tanto o milagre tradicional, como acontecia nos outros
santuários, mas uma mensagem. Uma instituição ancorada na divulgação de
uma mensagem é algo de bastante moderno. Falar de uma mensagem é falar,
em termos genéricos, de uma dimensão ideológica, neste caso uma mensagem
religiosa de conversão. E é o indivíduo que é chamado a converter-se.
Ora,
um dos traços que encontramos como preponderante em grande parte das
transformações da religiosidade contemporânea nestes países que fizeram a
experiência hegemónica do cristianismo, tanto no contexto católico como
no protestante, é que os comportamentos religiosos se individualizaram
muito, ou seja, aquilo que aparece mais fragilizado é a dimensão
comunitária do religioso. E, em muitos casos, o religioso que
encontramos é sobretudo marcado pelos interesses dos indivíduos, são
eles que são agora os “gestores” do seu caminho religioso. A sua
religiosidade já não passa pelas observâncias tradicionais.
E uma mensagem como a de Fátima?
Neste contexto, uma mensagem como a de Fátima que tem esta dimensão que, por um lado valoriza o pólo ideológico e, por outro, se dirige ao indivíduo, faz esse transporte dessa dimensão mais institucional, mais em relação com as estruturas da religiosidade popular, para um catolicismo que vai ter que se recompor num quadro social e histórico diferente. Por outro lado, a importância que Fátima vai ter na diáspora portuguesa é outro sintoma da sua modernidade. Os santuários históricos que conhecíamos diziam respeito a um religioso sedentário, que dava conta de uma identidade enraizada num lugar e que tinha uma capacidade de portabilidade muito diminuída. E o que acontece com Fátima é que terá um papel muito importante na reconstituição de uma identidade católica na diáspora. Tanto é assim que ainda hoje uma parte da presença no santuário conta com esses emigrantes.
O que é que um católico que não abdique da razão pode pensar sobre Fátima? Sublinhou a dimensão de mensagem, mas a adesão a esta mensagem pressupõe a crença numa aparição, numa espécie de milagre.
Nunca a Igreja Católica fez depender a conformidade de um católico da sua adesão a manifestações destas, que, aliás, não são exclusivas de Fátima: temos vários santuários reconhecidos como lugares de intervenção sobrenatural por parte da Igreja Católica, mas sem que ela os institua como fenómenos cuja adesão seja obrigatória para os católicos. Agora, o que me está a dizer sobre a questão da racionalidade é um problema mais complexo, porque é uma velha questão que se discute desde o século XIX.
Neste contexto, uma mensagem como a de Fátima que tem esta dimensão que, por um lado valoriza o pólo ideológico e, por outro, se dirige ao indivíduo, faz esse transporte dessa dimensão mais institucional, mais em relação com as estruturas da religiosidade popular, para um catolicismo que vai ter que se recompor num quadro social e histórico diferente. Por outro lado, a importância que Fátima vai ter na diáspora portuguesa é outro sintoma da sua modernidade. Os santuários históricos que conhecíamos diziam respeito a um religioso sedentário, que dava conta de uma identidade enraizada num lugar e que tinha uma capacidade de portabilidade muito diminuída. E o que acontece com Fátima é que terá um papel muito importante na reconstituição de uma identidade católica na diáspora. Tanto é assim que ainda hoje uma parte da presença no santuário conta com esses emigrantes.
O que é que um católico que não abdique da razão pode pensar sobre Fátima? Sublinhou a dimensão de mensagem, mas a adesão a esta mensagem pressupõe a crença numa aparição, numa espécie de milagre.
Nunca a Igreja Católica fez depender a conformidade de um católico da sua adesão a manifestações destas, que, aliás, não são exclusivas de Fátima: temos vários santuários reconhecidos como lugares de intervenção sobrenatural por parte da Igreja Católica, mas sem que ela os institua como fenómenos cuja adesão seja obrigatória para os católicos. Agora, o que me está a dizer sobre a questão da racionalidade é um problema mais complexo, porque é uma velha questão que se discute desde o século XIX.
O
problema da crença religiosa não é uma ausência de racionalidade, é uma
determinada forma de racionalidade, é uma coisa que, pelo menos desde
Marx Weber, tentamos pensar. É uma determinada forma de interpretação do
mundo que se vai socorrer, para essa interpretação, da possibilidade de
uma relação com uma dimensão transcendente em relação ao mundo. E essa
relação pode ter diversas mediações. E é aí que pode haver algum
pluralismo, no sentido em que, por exemplo, é fácil encontrar católicos
que se distanciam deste tipo de fenómenos (e em alguns casos se
distanciam activamente, contestando-os) e para os quais Fátima ou
fenómenos similares não têm qualquer papel na estruturação da sua
identidade religiosa.
No estudo que coordenou, os crentes sem religião tinham aumentado dos 2,1% para os 4,6%. Por que é que leu este aumento como um sinal da hiperindividualização do religioso?
Essa categoria de crentes sem religião remete para uma franja importante da população portuguesa que não se converteu a outra religião e que, por outro lado, não se auto-representa a partir das categorias tradicionais do não-crente (o ateu, o indiferente, o agnóstico), nem tem um nível de pertença católica que lhe permita estar confortável com a resposta ‘sou católico’. Isto embora a maior parte destas pessoas tenha sofrido um processo de socialização primária, na infância e adolescência, no espaço católico.
No estudo que coordenou, os crentes sem religião tinham aumentado dos 2,1% para os 4,6%. Por que é que leu este aumento como um sinal da hiperindividualização do religioso?
Essa categoria de crentes sem religião remete para uma franja importante da população portuguesa que não se converteu a outra religião e que, por outro lado, não se auto-representa a partir das categorias tradicionais do não-crente (o ateu, o indiferente, o agnóstico), nem tem um nível de pertença católica que lhe permita estar confortável com a resposta ‘sou católico’. Isto embora a maior parte destas pessoas tenha sofrido um processo de socialização primária, na infância e adolescência, no espaço católico.
São, portanto,
pessoas que, mantendo subjectivamente uma disponibilidade para acreditar
numa dimensão sobrenatural da existência, e em alguns casos até
preenchendo essa dimensão sobrenatural ainda com alguns significados
cristãos, se posicionam face a isso de uma forma radicalmente
individualizada. Ou seja, não tiram consequências disso no sentido de
exigir que isso as conduza a viver numa comunidade de pertença religiosa
ou de aceitar as orientações que as instituições religiosas dão
relativamente a essas crenças. Por isso é que falo de uma
hiperindividualização.
No fundo, trata-se de uma religiosidade
bastante difusa, que se mantém no longo curso da vida das pessoas e pode
até, em alguns momentos, ter manifestações concretas. Muitas destas
pessoas fizeram escolhas religiosas na socialização dos filhos —
baptizaram-nos, puseram-nos na catequese … — e, portanto, valorizam uma
certa dimensão de educação religiosa, sobretudo nas relações que ela
pode estabelecer com a construção de um conjunto de valores para a vida.
Mas fazem isso num quadro de grande distanciamento da religião como
forma comunitária, como instituição.
Haverá aqui uma componente de reacção aos valores da Igreja? Num país que aprovou o aborto, a adopção por casais homossexuais…
Quando perguntámos às pessoas que por que é que não pertencem a nenhuma religião, as respostas preponderantes são, não tanto no sentido de dizer que são contra isto ou aquilo, mas simplesmente que não sentem necessidade disso.
Quando perguntámos às pessoas que por que é que não pertencem a nenhuma religião, as respostas preponderantes são, não tanto no sentido de dizer que são contra isto ou aquilo, mas simplesmente que não sentem necessidade disso.
Há algumas décadas, essa dimensão mais
contestatária estava mais presente, ou seja, não se era de alguma coisa
porque se era contra. Hoje, as pessoas não são de alguma coisa porque
querem permanecer livres em relação a isso. Não sentem necessidade desse
tipo de vinculação.
Para as Igrejas é mais difícil lidar com esta posição do que com a
posição crítica. Quando o problema não é tanto o não querer, mas o não
pertencer, o diálogo é mais difícil, porque é mais difícil explicar a
estas pessoas, ou convencê-las, que, para viverem essa tal
disponibilidade que sentem subjectivamente para essas dimensões do
sobrenatural, do transcendente, têm de fazer a vinculação a uma
ortodoxia, a uma comunidade, enfim, a um determinado código de valores
morais.
Reencaminho-lhe uma pergunta que frei Bento Domingues lhe dirigia em 2012, num artigo de opinião no PÚBLICO:
na era do individualismo religioso e no quadro dos estilos de vida
urbanos, que configurações podem revestir as práticas religiosas dos
católicos que se sentem nesta espécie de diáspora eclesial?
O que é próprio da modernidade que vivemos é termos fenómenos de sinal contrário coexistindo. Podemos dizer uma coisa simples: as igrejas católicas estão mais vazias. É verdade que algumas estão, mas, quando tentamos compreender, sob o ponto de vista sociológico e antropológico, estas dinâmicas sociais, também temos que responder a uma outra evidência: há igrejas que estão a abarrotar.
O que é próprio da modernidade que vivemos é termos fenómenos de sinal contrário coexistindo. Podemos dizer uma coisa simples: as igrejas católicas estão mais vazias. É verdade que algumas estão, mas, quando tentamos compreender, sob o ponto de vista sociológico e antropológico, estas dinâmicas sociais, também temos que responder a uma outra evidência: há igrejas que estão a abarrotar.
Por que é que umas se
esvaziam e outras estão a abarrotar? Isto quer dizer que as pessoas
estão a fazer escolhas. E, portanto, esta individualização não é um
fenómeno que diga apenas respeito a esse tal religioso difuso, de um
claro distanciamento em relação à pertença religiosa, mas é também algo
que explica algumas dinâmicas interiores às próprias igrejas.
Quando hoje entramos numa paróquia católica urbana e observamos a
quantidade de coisas que lá estão a ser oferecidas, desde grupos
diversos de ajuda espiritual, grupos que se organizam mais em função do
estudo da tradição cristã ou para ajudar a satisfazer determinadas
carências sociais, toda essa diversidade que não encontraríamos há umas
décadas responde a esta dinâmica de individualização.
É que alguém
que frequenta uma paróquia hoje não é já o freguês, no sentido do
habitante da freguesia, que vai àquela igreja porque está naquele
território, como se fizesse parte da sua inscrição naquele território ir
àquela igreja. O que encontramos é um conjunto de pessoas que
escolheram ali estar e que escolhem estar de maneira diferente e vão lá
procurar coisas diferentes. Em alguns casos, algumas estarão numa
determinada comunidade num dia para uma coisa e estarão noutra, no dia
seguinte, para outra coisa. Portanto, elas estão a construir, dentro do
espaço católico, formas de adesão que incluem essa dinâmica da
individualização, de encontrar numa comunidade determinadas afinidades.
Ora, esta dimensão introduz muitas dificuldades às instituições
religiosas.
Por exemplo?
Imagine, por exemplo, o que é para um padre católico pensar uma homilia, pensar esse discurso da missa católica que é, no fundo, de actualização da mensagem cristã para o quotidiano e para o tempo em que vivem os católicos presentes, para uma assembleia que é extraordinariamente diversificada. Mais: ela pode até corresponder a níveis de inscrição no espaço católico muito diferentes, mesmo quanto à frequência da missa. Em termos pastorais, o problema essencial para a Igreja Católica não é tanto o problema dos que nunca vão à missa (que é uma população que se mantém estável no espaço católico), mas é o problema da irregularidade, que é um sintoma de individualização. A irregularidade implica o quê? Implica que os crentes não se desvinculam dessa relação com o espaço católico, mas que eles próprios instituem um ritmo em função dos seus interesses, da sua vida, sem pôr em primeiro lugar aquilo que seria o carácter de obrigação e de observância que tradicionalmente descrevia a pertença católica.
Imagine, por exemplo, o que é para um padre católico pensar uma homilia, pensar esse discurso da missa católica que é, no fundo, de actualização da mensagem cristã para o quotidiano e para o tempo em que vivem os católicos presentes, para uma assembleia que é extraordinariamente diversificada. Mais: ela pode até corresponder a níveis de inscrição no espaço católico muito diferentes, mesmo quanto à frequência da missa. Em termos pastorais, o problema essencial para a Igreja Católica não é tanto o problema dos que nunca vão à missa (que é uma população que se mantém estável no espaço católico), mas é o problema da irregularidade, que é um sintoma de individualização. A irregularidade implica o quê? Implica que os crentes não se desvinculam dessa relação com o espaço católico, mas que eles próprios instituem um ritmo em função dos seus interesses, da sua vida, sem pôr em primeiro lugar aquilo que seria o carácter de obrigação e de observância que tradicionalmente descrevia a pertença católica.
A Igreja tem sabido responder a essa transferência da tal
dimensão mais institucional para uma prática religiosa mais
individualizada?
Este é um fenómeno que deve ser lido numa certa transversalidade no quadro da geografia protestante e da geografia católica, e é um problema social mais vasto, que remete para uma certa desvinculação dos indivíduos das dimensões comunitárias da vida social. Mas diria que, de uma forma geral, as igrejas conseguiram reagir melhor a esta cultura do indivíduo do que os partidos políticos e os sindicatos ou outro tipo de associativismo que necessita também deste capital de agregação que estrutura as sociedades e que, como os números demonstram, tem enfrentado uma enorme desagregação e uma dificuldade muito grande em encontrar maneiras de responder a isto.
Este é um fenómeno que deve ser lido numa certa transversalidade no quadro da geografia protestante e da geografia católica, e é um problema social mais vasto, que remete para uma certa desvinculação dos indivíduos das dimensões comunitárias da vida social. Mas diria que, de uma forma geral, as igrejas conseguiram reagir melhor a esta cultura do indivíduo do que os partidos políticos e os sindicatos ou outro tipo de associativismo que necessita também deste capital de agregação que estrutura as sociedades e que, como os números demonstram, tem enfrentado uma enorme desagregação e uma dificuldade muito grande em encontrar maneiras de responder a isto.
As igrejas têm encontrado estratégias, ainda que não igualmente
distribuídas. Há um edifício antigo que se está a desmoronar, há muita
energia nas instituições ainda dedicada a cuidar desses escombros, mas
há também no interior destas instituições coisas novas.
Repare na
importância que nos últimos anos têm assumido as chamadas novas
comunidades e novos movimentos eclesiais. São, no fundo, formas de
identificação religiosa que já não passam pelas estruturas paroquiais e
que valorizam dimensões carismáticas, de valorização dos itinerários
individuais de conversão e de adesão. Muitos destes movimentos são
constituídos por pessoas que poderíamos considerar recomeçantes, ou
seja, não são propriamente convertidos no sentido clássico, porque eles
nunca estiveram propriamente noutra religião fora do espaço católico,
mas são pessoas que, tendo sofrido uma iniciação católica inicial,
estiveram muito tempo afastados e, num determinado momento biográfico,
se reaproximaram.
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