Temos vindo a assistir, na icónica Capela do Rato, a uma série de Conversas de Maria João Avillez – serão quatro, precisamente – que procuram uma resposta: “E Deus em nós?”. «Se Deus nos ofereceu talentos que se tornaram de pertença pública e partilhável, como “levá-Lo” aos outros?». «É o que me proponho perguntar a algumas pessoas» - diz-nos Maria João Avillez - «Ouvindo o seu testemunho de vida na cidade contemporânea»
Desta primeira conversa, com Sebastião Bugalho, ficou-nos um manancial de ideias que interpelam. São testemunhos muito vivos cheios de juventude entusiasta. Um misto humildade descomplexada versus reconhecimento das suas reais capacidades, confiança tranquila nas convicções e, por fim, uma visão claríssima da sociedade e do modo como pretende influir nela. E, sobre tudo isto, a Fé, luminosa e operativa!
Falou-se do quotidiano:
1. De como se pode chegar à fé. Um testemunho bem atual, são assim muitos dos “novos” Cristãos.
“Tanto eu como a minha mãe não tivemos uma conversão tradicional, por assim dizer, a minha mãe fez a primeira comunhão e o batismo com 33 anos, na idade de Cristo … quando eu tinha cerca de 8-9 anos … e eu fui batizado quando bebé. Também tive uma conversão ou também despertei para a fé já na adolescência … mas tenho memórias muito vívidas desses momentos.”
2. De família, e nela da beleza da transmissão da fé.
“Eu não sou pai, mas, no meu entender, é sempre um gesto de enorme grandeza, talvez o mais nobre de todos que é pormos outra vida no mundo. É muito curioso, os gestos de maior grandeza que eu vi nos meus pais, além do dom da vida que me deram, estiveram todos associados à fé, pelo menos a bondade deles para mim sempre esteve associada à fé, eu acho que a maior bondade é refletida a partir da fé, acho que sou muito melhor por causa da fé, melhor no sentido de vontade, de qualidade…”
3. Da repercussão, no quotidiano, daquilo que se recebeu na família, mas também pelos amigos, mestres, livros…
«Eu tenho uma relação de profunda gratidão com Nosso Senhor, era tudo impossível sem Deus, eu sinto-o todos os dias, falo com Ele todos os dias, agradeço-Lhe todos os dias, peço-Lhe ajuda todos os dias, pergunto-Lhe qual é o melhor caminho, a melhor pergunta, a melhor resposta, a melhor opção não há nada que não passe por isso…
Também, o facto de eu ter crescido rodeado de livros, fez-me ter uma pré-disposição para observar o outro e essa disponibilidade para o outro também nos ajuda … ajudou-me a ser católico, a ser jornalista, a ser humano, ser amigo … apesar dos livros serem muito importantes para mim eu gostei mais das pessoas que conheci do que das pessoas que li, a natureza humana é o melhor.»
4. De talento. O Sebastião é um jovem talentoso. São muitos os que o conhecem no jornalismo, na televisão, na política. Conhecem o seu talento no modo muito pessoal de exercer uma cidadania ativa.
«Eu acho que perante a noção de que temos talento, o grande desafio é reconhecê-lo sem entrar no deslumbramento… não tenho dúvidas de que sozinho não conseguiria e às vezes também tenho os meus momentos de dúvida, às vezes também paro e pergunto-Lhe a Ele, o que é que Tu queres que eu faça, qual é o caminho certo … e claro que todas essas dúvidas que acabam por ser dúvidas morais, só existem porque há uma fé. Para nós, há a responsabilidade assumida de fazer render o talento. Mas depois, há momentos em que a dúvida pode ser tão profunda … e que dilema horrível e que coisa horrível deve ser essa de ter talento e não conseguir aplicar esse talento para algo que faça o mundo melhor… e eu próprio já me perguntei, então mais vale estar quieto. Claro que eu acredito e faço para que seja sempre possível ultrapassar essa dúvida com a fé, claro que também não faço isso sozinho, cá em baixo também tenho amigos tenho acompanhamento espiritual.
5. Do espaço público, do sucesso, da sobre-exposição e da sua relação com Deus.
«Há uma grande solidão quando a convicção é contra a corrente, há uma grande solidão ao expor essa convicção. É impossível ser uma figura pública e não conviver com essa solidão, mas não tem que ser uma coisa triste é uma questão de aprender a lidar com ela. Eu seria absolutamente incapaz de lidar com essa solidão sem Deus, não havia sanidade possível sem Deus porque Deus é uma companhia muito valiosa…
O espaço Público é muito empolgante, mas é também uma grande responsabilidade. Nós não queremos ficar para trás, sabemos que há uma coisa que nós vamos dizer e que mais ninguém vai dizer, nós também temos aos nossos ombros a responsabilidade de nós sermos nós e não vale a pena fugir ou ignorar que essa responsabilidade está lá.»
6. E finalmente, o que deseja o Sebastião para a Igreja “o que julga que era bom, necessário, relevante que o Sínodo, na sua conclusão daqui a um ano, trouxesse?”
«Uma das coisas que eu mais admiro é que a Igreja católica não tem medo de ser ela própria, não tem medo dos seus erros, isto é muito católico, é muito cristão, eu admiro muito isso, é um ato de coragem… Acho que a maneira como a Igreja está a olhar para as mulheres, para os desafios da humanidade, do planeta, das sociedades, da modernização e para si própria, é prova dessa coragem…
Depois, gostava que nós tivéssemos outra vez “soldados de fé” que nós tivéssemos outra vez gente que não tem medo, porque vamos perdendo esses nossos soldados e sabemos perfeitamente quem é que eles foram e quais os combates eles travaram. Nós precisamos dessa gente sem medo de ser católico, de defender a igreja, defender as comunidades paroquiais, aquilo que elas fazem, aquilo que elas ajudam, aquilo que elas representam …»
Muito mais se disse naquela magnífica conversa, entre perguntas inteligentes e muito oportunas e respostas entusiastas, claras, bem-humoradas umas vezes, outras sérias, íntimas, e sempre a fé e a humildade luminosas. Falou-se do quotidiano nem sempre belo, do bom, mas também do mau, de jornalismo e jornalistas, política e políticos, família, amizades, sobre honradez e a falta dela, veracidade e hipocrisia...e muito mais.
Valeu a pena!
Tenho de confessar que no final desta conversa com Sebastião Bugalho, algo ficou a soar na minha mente: «essas dúvidas que acabam por ser dúvidas morais, só existem porque há uma fé… Para nós, há a responsabilidade assumida de fazer render o talento.» Como? As dúvidas morais só existem porque há uma fé? Só nós temos a responsabilidade de fazer render o talento? Bem sei que existia a questão inicial “E Deus em nós?”, mas estremeci ao pensar numa desresponsabilização de quem não tem fé. Ou…talvez eu tenha ouvido mal.
Rosa Ventura
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