Mergulhei nas águas da memória. Senti-me
envolvida por uma música angelical. Ecoavam os risos, a alegria. A felicidade
de quem se sabe muito amado. Que belas águas tépidas onde posso mergulhar,
sentir as ondas da vida, o sol a acariciar-me, os pássaros a esvoaçar, o céu
azul, o infinito, a doçura de quem nada por entre tanta beleza da natureza e da
vida ao som dos acordes da música “Bolero de Ravel” que enleva os meus
sentidos. Oh doces momentos de felicidade não me abandoneis! Sois tão doces
como o mel. Quero perpetuar o lazer de um dia de verão admirável deixando de
lado o cansaço da vida por uns momentos. Uma leve brisa que transporta um
cheiro intenso a mar, o barulho das ondas a rebentar, o horizonte muito azul
onde o mar se une ao céu, tudo contribui para que esta pausa na vida alcance a
plenitude, uma pequena antecipação do paraíso. Não há passado, não há futuro,
apenas o momento presente, a natureza, eu e Deus. A música de Maurice Ravel
continua a acompanhar-me. Mas a força da música parece querer transmitir uma
mensagem. Tantas preocupações, tanta agitação na vida, esquecendo que somos
seres finitos. Um dia, assim como a música terminou, também nós partiremos.
Medito. O que fiz da minha vida? Mas a tranquilidade e serenidade deste momento
não querem de todo ser interrompidas.”Nunca quebres o silêncio se não é para
ser melhorado” escreveu Beethoven.
Ouço agora a Sonata Moonlight deste famoso
compositor alemão.
Mas então porque fui buscar estes
pensamentos, estes famosos compositores que já não se encontram entre nós, mas
cujas obras os imortalizaram? Sem querer, fiz a ligação com o Dia de Todos os
Santos cuja solenidade se celebra no dia 1 de Novembro, enquanto homenagem a
todos os santos de todas as idades e condições que alcançaram o Céu depois de
terem passado por este mundo semeando amor, alegria, arte. Mães de família,
intelectuais, cientistas, operários, trabalhadores do campo, lutaram com
inúmeras dificuldades, souberam recomeçar quando foi caso disso, passaram
inadvertidos, foram incompreendidos, sofreram, são em resumo todos aqueles que
souberam lutar contra as paixões e tendências desordenadas, que corresponderam
à graça que a todos nos é concedida; enquanto pessoas santificaram-se na vida
corrente. Constitui uma imensa multidão de homens e de mulheres, solteiros,
casados, viúvos, sacerdotes, vidas consagradas, entre muitos outros. Todos
foram chamados à santidade, a alcançar a plenitude do Amor. Uma grande família
no Céu e na Terra. Torna-se extremamente consolador pensar que no céu existem
pessoas com as quais convivemos aqui na terra e às quais continuamos unidos em
pensamento, em afeto, em memórias, em amizade. Recordamo-nos delas com saudade
e com alegria sabendo que intercedem por nós, contemplando o rosto de Deus.
Talvez não tenham realizado grandes obras aqui na terra, mas cumpriram o melhor
possível as suas obrigações. Certamente tiveram erros e faltas, Talvez tenham pecados
graves. Mas souberam pedir perdão, arrependeram-se e recomeçaram. Nunca lhes
passou pelo pensamento serem santos, mas sim que iriam precisar da misericórdia
divina. Conheceram em maior ou menor grau a doença, as dificuldades que
acarreta viver a vida, sofreram fracassos e tiveram êxitos. Choraram, mas
apoiaram-se em Jesus que disse: “Vinde a Mim todos os que trabalhais e estais
sobrecarregados e Eu vos aliviarei”. Souberam viver a caridade, a generosidade.
Recordo ainda as palavras de Jesus: “Nisto conhecerão todos que sois meus
discípulos, se tiverdes amor uns aos outros”.
Encontramo-nos ainda a peregrinar
na terra, a caminho do Céu, carentes da misericórdia divina que é enorme e que
nos sustenta todos os dias. Recebemos inúmeras graças, em particular nos
momentos de tentação e de desânimo. Mas contamos com uma enorme multidão de
irmãos, uma grande família que é a dos santos, que nos aguardam no Céu, que
intercedem por nós. São as estrelinhas do Céu, como dizia há algum tempo a uma
sobrinha a quem tinha falecido a avó e que ficava feliz a pensar qual seria a
estrelinha. Na verdade, segundo a primeira leitura da missa desta solenidade, é
uma grande multidão que ninguém poderia contar, de todas as nações, e tribos, e
povos, e línguas… Também o Evangelho refere as palavras de Jesus que muito nos
comovem e animam: “Felizes os pobres que o são no seu íntimo porque é deles o
Reino dos Céus. Felizes os que choram porque hão-de ser consolados. Felizes os
humildes porque hão-de possuir a Terra como herança. Felizes os que têm fome e
sede de justiça, porque serão saciados, Felizes os misericordiosos porque
alcançarão misericórdia….”
Segundo a tradição, a Igreja
venera os santos, as suas relíquias autênticas, bem como as suas imagens. É que
as festas dos Santos proclamam as obras de Cristo nos seus Servos e oferecem
aos fiéis os bons exemplos a imitar. Celebremos pois com alegria esta
Solenidade de Todos os Santos que na cidade do Céu, a Jerusalém do alto, nossa
mãe, cercam o Senhor e cantam eternamente o Seu louvor.
Regresso ao momento presente
deste meu mergulho nas águas da memória que me trouxe ao pensamento o Dia de
Todos os Santos. Também para recordar um santo da nossa época, S. Josemaria. Michel Dolz escreveu em 2002: “À luz de Deus [São Josemaria] viu pessoas de todas as nações e raças, de todas as
raças e culturas que procuram e encontram Deus no meio da vida corrente, no
trabalho, na família, no círculo de amizades, nas diversões. E procuram Jesus
para O amar… Um santo padeiro ou alfaiate, sapateiro ou banqueiro. Um santo
simples…; abrir a pessoas de qualquer idade, estado civil e condição social um
novo panorama vocacional, no meio da rua, para a sua Igreja…São Josemaria caiu de joelhos
verdadeiramente comovido. Repicavam os sinos da Igreja de Nossa Senhora dos
Anjos festejando as mensagens celestes. Ecoavam de tal maneira que ficaram para
sempre na sua alma de jovem sacerdote”. “Tinha 26 anos, a graça de Deus e bom
humor. E nada mais. E tinha de fazer o Opus
Dei”, recordaria mais tarde.
Maria Helena Paes |
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