Páginas

quinta-feira, 25 de outubro de 2018

Eu Vi Um Sapo

Quando me encontrava a organizar um armário que há muito tempo não utilizava saltou um disco em vinil que caiu no chão. Que saudades do tempo do vinil. Apanhei o disco e vi com alegria que se denominava “Eu vi um Sapo”. Fiquei mesmo feliz. Há já algum tempo tinha querido ensinar à minha neta esta música e não me recordava da letra. Resolvi colocá-lo no gira-discos para ver se ainda se encontrava audível. E estava mesmo! E o coro de Santo Amaro de Oeiras cantava: “Eu vi um sapo num guardanapo. Estava a papar um bom jantar…”. Não podia de todo regressar ao passado. Contudo poderia referir à minha neta os excelentes serões passados em família, em que o seu pai tinha a sua idade. Tenho a certeza que ficará feliz e colocará imensas perguntas. Também cantaremos juntas. Na verdade é de algum modo, ir buscar as memórias, as tradições. Trazê-las para o momento presente e, através da minha neta, projetá-las no futuro. Que bom que foi ter encontrado o disco ainda a tempo de corrigir um lapso de memória!

Continuei a minha organização. Dentro de uma pequena caixa encontrei um coração em pedra malaquite. Tão verde e bonito. Recordo que o comprei em Kinshasa, na República do Zaire, numa loja, há muitos anos atrás. Na altura referiram que era utilizada em pinturas verdes na antiguidade enquanto pigmento mineral. Achei-o tão belo, com uma cor linda, que o adquiri. Recordei entretanto que andava precisamente à procura de um coração para oferecer a uma amiga que vai completar brevemente os 99 anos. Aprecia corações. Também África. Refere com frequência os bons momentos vivenciados em Luanda, que não esquecerá jamais. Será uma excelente oferta, que a irá fazer feliz, enquanto prova de carinho e de reconhecimento por toda a amizade que nos tem dedicado ao longo de muitos anos, e que é recíproca.

Bem, torna-se importante continuar a organizar o armário. Acabaria por encontrar noutra caixa um relógio de pulso feminino, parecia ser belle époque. Quando me foi oferecido não gostei muito. Agora, volvidos muitos anos, parecia mais bonito. Valia a pena ver se tinha arranjo. Em caso afirmativo poderia oferecê-lo à minha neta no Natal. Como o tempo passa! Já a pensar no Natal... Hoje quando fui fazer uma caminhada vi com agrado que já havia inúmeras folhas no chão com o habitual tom castanho/avermelhado a lembrar que estamos no outono. Mas ao meu pensamento, fazendo a ligação ao Natal e ao relógio, recordei um Natal bem frio, com muita neve, passado na República Checa, mais precisamente em Praga. Foi uma ideia de uma das minhas irmãs. O seu marido não se encontrava muito bem de saúde e achou que lhe faria bem. Claro que queria influenciar a família no sentido de aceitar a sua proposta, ou não fosse época de Natal. Falou-nos da beleza da cidade, do Menino Jesus de Praga, da famosa ponte Carlos VI sobre o Rio Moldava, enfim, acreditámos piamente na beleza da cidade mas colocámos alguma resistência por ser época do Natal. Mas nada a demovia da sua ideia. De tal modo que acabaríamos por anuir, talvez por cansaço. Volvidos alguns anos, reconheço a esta distância que foi uma boa decisão. Apesar de estranharmos a ausência da consoada com toda a família, a gastronomia tradicional do país, bem como a novidade, a beleza da cidade fascinou-nos por completo. Por outro lado a família que se pode deslocar esteve sempre junta, unida, estreitando-se os laços, fortalecendo as boas memórias. Desconhecíamos de todo que seria o último Natal que passaríamos juntos. Esta minha irmã e o seu marido, se Deus quiser, já se encontram a gozar da vida eterna no Céu. Ainda bem que decidimos ir. Fomos muito felizes em Praga.

Rezámos em frente ao Menino Jesus de Praga. Ainda tenho em meu poder uma pagela que refere ter sido revelada por Maria Santíssima ao Venerável Padre Cirilo, OCD ”…De ora em diante quero servir-Vos com toda a fidelidade e por amor de Vós amar o meu próximo como a mim mesmo. Infante omnipotente, renovo a minha súplica, ajudai-me, socorrei-me nesta necessidade, concedei-me a graça de possuir-Vos eternamente com Maria e José, e adorar-Vos com os Santos e os Anjos na pátria celeste”.

Mas por esta ocasião cumpre-me fazer a ligação com o relógio. Em Praga usufruímos ainda, por diversas vezes, da beleza do seu relógio impressionante Relógio Astronómico, O Orloj, o mais antigo do mundo ainda em funcionamento, situado no Edifício da Câmara Municipal na Praça da Cidade Velha de Praga. Constitui uma das principais atrações de Praga, onde a cada hora se pode assistir ao desfile dos doze Apóstolos, bem como de outras quatro personagens: o Turco, a Avareza, a Vaidade e a Morte. Além de marcar as horas, também indica as fases da lua e o movimento das estrelas. Calcula-se que esta obra-prima tenha sido criada em 1410 e restaurada em 1490 pelo relojoeiro Mestre Hanus. O relógio é formado por três componentes principais: uma esfera astronómica que indica as horas e a posição do Sol e da Lua; uma esfera em medalhões que representam os meses e um mecanismo que mostra aos espetadores a cada hora, a procissão dos Apóstolos.

Existe uma conhecida lenda sobre esta obra de arte que possui um cariz especial. A lenda refere que quando o Mestre Hanus concluiu o relógio, foi supostamente cegado pelas autoridades da cidade com o objetivo de que não pudesse reproduzir esta obra-prima noutro local ou eventualmente, se viesse a construir outra ainda melhor. Consta ainda que o Mestre Hanus antes de falecer danificou a peça por vingança. Todas as pessoas que a tentavam consertar morriam ou enlouqueciam. Na verdade, enquanto lenda, ninguém sabe ao certo o que aconteceu. Em 1961, foi descoberto um documento que refere que a peça tinha sido criada por Mikulas de Kadan em colaboração com o astrónomo Jan Sidel. Seja como for a peça é lindíssima, uma preciosidade intemporal.

Bem, chega de recordações e de organização do armário, que tem ainda muito para contar. Se não o transmitir à família, um dia constituirão apenas meros objetos sem história, sem passado, sem presente, sem futuro.

Maria Helena Paes



Sem comentários:

Enviar um comentário