O Papa assusta-os; Kiril, não
Talvez os cristãos do Médio Oriente e China ganhem algo com a visita. O regime chinês ganha imagem e um piscar de olhos cortês ao vizinho russo.
Actualizado 13 de Maio de 2013
P. J. Ginés / ReL
O Patriarca de Moscovo e todas as Rússias, Kiril, pastor de uns 150 milhões de ortodoxos russos (ainda que apenas uns 3% vão à igreja com regularidade), está visitando a China, onde apenas há uns 15.000 membros desta denominação e não há nenhum sacerdote ortodoxo que os assista.
Em Pequim, o Patriarca Kiril encontrar-se-á com líderes governamentais chineses, com líderes religiosos e com os oficiais responsáveis de supervisionar os assuntos das religiões, quer dizer, os censores que se asseguram de ter dóceis e controlado o clero.
Como é possível que o Patriarca Kiril possa visitar a China enquanto isto é inconcebível para o Papa Francisco - ou qualquer outro Papa - hoje em dia?
Há pelo menos 5 razões para isso:
1- Não há quase fiéis ortodoxos na China, mas há uns 12 milhões de católicos, metade clandestinos
A Igreja Ortodoxa na China quase não existe. Com missionários ali desde 1713, em 1949 contavam com mais de 100 paróquias, mas chegou a Revolução e os comunistas arrasaram com tudo. Em 2003 morreu o último sacerdote ortodoxo da China. Há só uns 15.000 fiéis entre a Mongólia interior, a província de Heilongjiang, a de Xinjiang, e as duas maiores cidades, Shanghai e Pequim.
Não são nenhuma ameaça para o regime. Kiril tem alguns chineses estudando nos seus seminários e quer enviá-los a pastorear estes poucos fiéis no país. Para ele, já seria muito.
Pelo contrário, a Igreja Católica tem significação: 12 milhões de fiéis, metade clandestinos. Além disso, há vários bispos fiéis ao Papa na clandestinidade, e outros "desaparecidos" em prisão ou centros de reeducação... O último, o recém-nomeado bispo auxiliar de Shanghai (cidade que hoje em dia carece de bispo). Não seria elegante uma visita do Papa com bispos detidos, desaparecidos, rebeldes ao regime (ou a Roma), etc...
2 - Kiril é uma jogada diplomática para a China com a Rússia
Ao gigante chinês interessa-lhe ter um bom tracto com o gigante russo, e mais com um vizinho comum louco, como a Coreia do Norte, que, imprevisível, faz ostentação de belicismo e armamento nuclear.
A visita do Patriarca é assim um favor da China ao presidente Putin, que considera que o vazio moral deixado pelo comunismo só se pode encher com valores "patriotas" que incluem a raiz religiosa ortodoxa.
3 – A China presume dialogar com o cristianismo... (com o tipo de cristianismo que lhe parece menos ameaçante)
A China pode presumir, ao acolher a visita, de Kiril, que dialoga com as religiões e com o cristianismo. Também pode dizer ao mundo (e ao Vaticano): "com os cristãos ortodoxos, que não causam problemas, temos um bom tracto; é culpa vossa se vós os católicos de Roma não sois tão tratáveis". Como temos dito, a China não perde nada com Kiril e a ortodoxia.
4 - A Igreja Ortodoxa não tem um Estado que reconhece Taiwan; a católica, sim
Para a Santa Sé, o verdadeiro estado chinês é Taiwan, uma ilha de sistema democrático e capitalista. A Santa Sé (junto com uns poucos países mais, a maioria hispano-americanos) reconhece Taiwan, imune às ameaças que o gigante comunista lança contra qualquer país que reconheça o regime deste estado ilhéu. É um escolho diplomático que Kiril não tem que tratar, porque ele não encabeça um Estado, e o Papa sim.
5 - Paradoxalmente, a China poderia ajudar os cristãos ortodoxos... em terras islâmicas
O Patriarca Kiril é o líder da única igreja ortodoxa realmente potente, numerosa e bem relacionada com o poder político, e considera que deve fazer o que possa pelos outros cristãos ortodoxos, muitos dos quais vivem em países islâmicos, sobretudo no Médio Oriente.
O Islão é um desafio tanto para a China como para a Rússia, que temem que o islamismo violento fomente o terrorismo ou sentimentos independentistas. Para Kiril, seria bom conseguir que a China pressione os países muçulmanos para que se proteja mais as minorias cristãs. Países como Síria e Irão tem sido tradicionais aliados da China e as suas minorias cristãs beneficiariam de uma China "amiga" dos ortodoxos.
Fotos e funcionários
Durante esta viagem, Kiril fará fotos com clérigos budistas, sintoístas ou taoistas, com políticos e funcionários.
Também apresentará a edição em chinês do seu livro "Liberdade e Responsabilidade: em busca da harmonia, os direitos humanos e a dignidade da pessoa". Por muito "suave" que seja o livro, não parece que as autoridades chinesas possam permitir que circule demasiado. De facto, o livro foi publicado pelo Patriarcado de Moscovo.
Kiril celebrará a Divina Liturgia na catedral ortodoxa de Harbin, uma zona com importante presença russa. Em Pequim saudará o pessoal da embaixada russa, onde no Natal e na Páscoa chega um sacerdote ortodoxo desde a Rússia para celebrar pelo menos duas vezes ao ano a liturgia em embaixadas e consulados.
Veja fotos da viagem em www.patriarchia.ru/db/photo/
Talvez os cristãos do Médio Oriente e China ganhem algo com a visita. O regime chinês ganha imagem e um piscar de olhos cortês ao vizinho russo.
Actualizado 13 de Maio de 2013
P. J. Ginés / ReL
O Patriarca de Moscovo e todas as Rússias, Kiril, pastor de uns 150 milhões de ortodoxos russos (ainda que apenas uns 3% vão à igreja com regularidade), está visitando a China, onde apenas há uns 15.000 membros desta denominação e não há nenhum sacerdote ortodoxo que os assista.
Em Pequim, o Patriarca Kiril encontrar-se-á com líderes governamentais chineses, com líderes religiosos e com os oficiais responsáveis de supervisionar os assuntos das religiões, quer dizer, os censores que se asseguram de ter dóceis e controlado o clero.
Como é possível que o Patriarca Kiril possa visitar a China enquanto isto é inconcebível para o Papa Francisco - ou qualquer outro Papa - hoje em dia?
Há pelo menos 5 razões para isso:
1- Não há quase fiéis ortodoxos na China, mas há uns 12 milhões de católicos, metade clandestinos
A Igreja Ortodoxa na China quase não existe. Com missionários ali desde 1713, em 1949 contavam com mais de 100 paróquias, mas chegou a Revolução e os comunistas arrasaram com tudo. Em 2003 morreu o último sacerdote ortodoxo da China. Há só uns 15.000 fiéis entre a Mongólia interior, a província de Heilongjiang, a de Xinjiang, e as duas maiores cidades, Shanghai e Pequim.
Não são nenhuma ameaça para o regime. Kiril tem alguns chineses estudando nos seus seminários e quer enviá-los a pastorear estes poucos fiéis no país. Para ele, já seria muito.
Pelo contrário, a Igreja Católica tem significação: 12 milhões de fiéis, metade clandestinos. Além disso, há vários bispos fiéis ao Papa na clandestinidade, e outros "desaparecidos" em prisão ou centros de reeducação... O último, o recém-nomeado bispo auxiliar de Shanghai (cidade que hoje em dia carece de bispo). Não seria elegante uma visita do Papa com bispos detidos, desaparecidos, rebeldes ao regime (ou a Roma), etc...
2 - Kiril é uma jogada diplomática para a China com a Rússia
Ao gigante chinês interessa-lhe ter um bom tracto com o gigante russo, e mais com um vizinho comum louco, como a Coreia do Norte, que, imprevisível, faz ostentação de belicismo e armamento nuclear.
A visita do Patriarca é assim um favor da China ao presidente Putin, que considera que o vazio moral deixado pelo comunismo só se pode encher com valores "patriotas" que incluem a raiz religiosa ortodoxa.
3 – A China presume dialogar com o cristianismo... (com o tipo de cristianismo que lhe parece menos ameaçante)
A China pode presumir, ao acolher a visita, de Kiril, que dialoga com as religiões e com o cristianismo. Também pode dizer ao mundo (e ao Vaticano): "com os cristãos ortodoxos, que não causam problemas, temos um bom tracto; é culpa vossa se vós os católicos de Roma não sois tão tratáveis". Como temos dito, a China não perde nada com Kiril e a ortodoxia.
4 - A Igreja Ortodoxa não tem um Estado que reconhece Taiwan; a católica, sim
Para a Santa Sé, o verdadeiro estado chinês é Taiwan, uma ilha de sistema democrático e capitalista. A Santa Sé (junto com uns poucos países mais, a maioria hispano-americanos) reconhece Taiwan, imune às ameaças que o gigante comunista lança contra qualquer país que reconheça o regime deste estado ilhéu. É um escolho diplomático que Kiril não tem que tratar, porque ele não encabeça um Estado, e o Papa sim.
5 - Paradoxalmente, a China poderia ajudar os cristãos ortodoxos... em terras islâmicas
O Patriarca Kiril é o líder da única igreja ortodoxa realmente potente, numerosa e bem relacionada com o poder político, e considera que deve fazer o que possa pelos outros cristãos ortodoxos, muitos dos quais vivem em países islâmicos, sobretudo no Médio Oriente.
O Islão é um desafio tanto para a China como para a Rússia, que temem que o islamismo violento fomente o terrorismo ou sentimentos independentistas. Para Kiril, seria bom conseguir que a China pressione os países muçulmanos para que se proteja mais as minorias cristãs. Países como Síria e Irão tem sido tradicionais aliados da China e as suas minorias cristãs beneficiariam de uma China "amiga" dos ortodoxos.
Fotos e funcionários
Durante esta viagem, Kiril fará fotos com clérigos budistas, sintoístas ou taoistas, com políticos e funcionários.
Kiril assina na China o seu livro sobre direitos humanos; é difícil que o regime permita que circule muito |
Kiril celebrará a Divina Liturgia na catedral ortodoxa de Harbin, uma zona com importante presença russa. Em Pequim saudará o pessoal da embaixada russa, onde no Natal e na Páscoa chega um sacerdote ortodoxo desde a Rússia para celebrar pelo menos duas vezes ao ano a liturgia em embaixadas e consulados.
Veja fotos da viagem em www.patriarchia.ru/db/photo/
in
Sem comentários:
Enviar um comentário