O título desta crónica é, necessariamente, uma provocação.
É uma imagem que fica associada ao percurso de Joseph Ratzinger-Bento XVI, o
Papa que teve dois fins: o do pontificado e, agora, o da sua vida na terra. Acredito que tudo faz
sentido quando visto desde o seu fim. Esta despedida, ainda marcada pela
renúncia – e o ineditismo dos momentos que se vão viver, em seguida -, e o
“pontificado de silêncio” do Papa emérito vem unificar um percurso intenso,
nem sempre fácil de decifrar para “categorias” de pensamento que só admitem
visões unívocas e quase permanentemente julgado com base numa série de
clichés: conservador, duro, retrógrado, eurocentrista, etc. A histórica e
revolucionária decisão da renúncia, complementou a intensa atividade
teológica e literária de Joseph Ratzinger, o jovem prodígio que viria a
assumir a difícil missão de suceder a João Paulo II, num momento em que,
seguramente, desejava uma vida de maior recato e descanso. O homem que,
tantas vezes, pareceu em luta contra o mundo viveu a revolução de mudar o
ponto de vista, ao deixar-se iluminar e dar vida a um gesto de coragem e
humildade. O dia 11 de fevereiro
de 2013 é incontornável na história da Igreja e nasce de um ato íntimo, de
consciência: “Depois de ter examinado repetidamente a minha consciência
diante de Deus, cheguei à certeza de que as minhas forças, devido à idade
avançada, já não são idóneas para exercer adequadamente o ministério
petrino”. Acredito que uma das chaves deste momento se liga à
beatificação do cardeal britânico John Henry Newman (século XIX), em setembro
de 2009, apresentado como um herói da consciência, ajudando a ler a decisão
do Papa como mais do que uma decisão prática de governo. Num tempo de grande
dispersão, Bento XVI apontou sempre ao essencial na vida cristã. Que começa e
acaba no Amor. Para lá do ruído mediático, o ensinamento do Papa deixa para a
história a convicção de que o Cristianismo não é um “catálogo” de mandamentos
ou proibições, mas uma relação pessoal, de comunhão, com Deus. O seu
pontificado convidou, sem cessar, ao encontro com Jesus Cristo, à
centralidade da fé na vida de todos os dias, ao regresso às origens para
enfrentar os desafios do mundo de hoje, numa luta pela credibilidade
religiosa e histórica do Cristianismo. O falecido Papa teve
plena consciência de que muito ficou por fazer e que o seu percurso foi feito
de luzes e sombras, nos vários papéis que desempenhou ao serviço da Igreja,
desde uma missão de vigilância e luta contra o relativismo ao esforço de
síntese pastoral de várias sensibilidades, partindo de elementos que
considerava inegociáveis. Bento XVI será sempre
uma referência da História da Igreja pela sua renúncia, mas o seu pensamento
teológico e as reformas que promoveu, numa mudança de época – que só as
futuras gerações conseguirão ler -, também irão continuar a influenciar
fortemente o futuro. Octávio Carmo |
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