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domingo, 1 de janeiro de 2023

Um homem em luta contra o mundo(?)

O título desta crónica é, necessariamente, uma provocação. É uma imagem que fica associada ao percurso de Joseph Ratzinger-Bento XVI, o Papa que teve dois fins: o do pontificado e, agora, o da sua vida na terra.

Acredito que tudo faz sentido quando visto desde o seu fim. Esta despedida, ainda marcada pela renúncia – e o ineditismo dos momentos que se vão viver, em seguida -, e o “pontificado de silêncio” do Papa emérito vem unificar um percurso intenso, nem sempre fácil de decifrar para “categorias” de pensamento que só admitem visões unívocas e quase permanentemente julgado com base numa série de clichés: conservador, duro, retrógrado, eurocentrista, etc.

A histórica e revolucionária decisão da renúncia, complementou a intensa atividade teológica e literária de Joseph Ratzinger, o jovem prodígio que viria a assumir a difícil missão de suceder a João Paulo II, num momento em que, seguramente, desejava uma vida de maior recato e descanso. O homem que, tantas vezes, pareceu em luta contra o mundo viveu a revolução de mudar o ponto de vista, ao deixar-se iluminar e dar vida a um gesto de coragem e humildade.

O dia 11 de fevereiro de 2013 é incontornável na história da Igreja e nasce de um ato íntimo, de consciência: “Depois de ter examinado repetidamente a minha consciência diante de Deus, cheguei à certeza de que as minhas forças, devido à idade avançada, já não são idóneas para exercer adequadamente o ministério petrino”. Acredito que uma das chaves deste momento se liga à beatificação do cardeal britânico John Henry Newman (século XIX), em setembro de 2009, apresentado como um herói da consciência, ajudando a ler a decisão do Papa como mais do que uma decisão prática de governo.

Num tempo de grande dispersão, Bento XVI apontou sempre ao essencial na vida cristã. Que começa e acaba no Amor. Para lá do ruído mediático, o ensinamento do Papa deixa para a história a convicção de que o Cristianismo não é um “catálogo” de mandamentos ou proibições, mas uma relação pessoal, de comunhão, com Deus. O seu pontificado convidou, sem cessar, ao encontro com Jesus Cristo, à centralidade da fé na vida de todos os dias, ao regresso às origens para enfrentar os desafios do mundo de hoje, numa luta pela credibilidade religiosa e histórica do Cristianismo.

O falecido Papa teve plena consciência de que muito ficou por fazer e que o seu percurso foi feito de luzes e sombras, nos vários papéis que desempenhou ao serviço da Igreja, desde uma missão de vigilância e luta contra o relativismo ao esforço de síntese pastoral de várias sensibilidades, partindo de elementos que considerava inegociáveis.

Bento XVI será sempre uma referência da História da Igreja pela sua renúncia, mas o seu pensamento teológico e as reformas que promoveu, numa mudança de época – que só as futuras gerações conseguirão ler -, também irão continuar a influenciar fortemente o futuro.

Octávio Carmo

 


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