Estava
na morosa fila do banco, este claro sintoma de que ou os brasileiros são
masoquistas, ou pagam coisas demais por boletos ou o sistema bancário tem
péssimo atendimento. Ou seria uma pitada de cada? Para mitigar a espera procuro
ter um livro à mão e sempre faço um esforço extra para me concentrar. Uma
senhora, imediatamente atrás de mim, me perguntou como conseguia ler naquela
condição. Com cara de não muitos amigos respondi que me esforçava para isto. E
voltei à condição de um silêncio engatilhado, como li na obra Mina R, com relatos da nossa
participação em terras da Itália na segunda guerra mundial. Deu-se então o
inesperado.
A
despeito do que respondera, aquela senhora disparou a falar, tornando
impossível a leitura até mesmo de uma receita de bolo. Fiquei sem entender o
que ela depreendera de minha resposta. Teria dito a ela que somente leio
enquanto não aparece alguém com quem possa
conversar? As filas nos bancos são símbolos de indiscrição. Recintos de romaria
dos endividados e de entretenimento para os remediados, os bancos são campos
minados. Uma vez enredado neles o sujeito não pisa em ovos, pisa em juros. Os
bancos são símbolos imbatíveis de poder.
Existiu
em Israel, segundo o Antigo Testamento, num tempo sem governo constituído, após
a morte de Josué e antes do início da monarquia, um juiz, homem enviado por
Deus, com coragem e força extraordinárias. Filho de um casal estéril, que
recebeu a visita de um anjo anunciando seu nascimento, Sansão tinha nos cabelos
a força. Metáfora relacionada à tradição religiosa segundo a qual um consagrado
a Deus nada pode deduzir de si, nem mesmo cortar o cabelo. Era uma questão de
fidelidade a Deus. Num descuido, Sansão fragilizou-se e deu a chance para que seus
inimigos o dobrassem. Foi infiel e pagou com o preço da escravidão. Trata-se de
uma história e tanto, que alerta o povo de Israel sobre o que acontecerá se
abjurar de seu corpo de crenças. Não é à toa que os judeus mantêm rico
simbolismo, que os une, identifica e irmana. O resto da história é conhecido.
Desprovido de sua cabeleira, Sansão teve os olhos perfurados e encerra seus
dias como símbolo da força, ainda que cega.
Venho
de um tempo em que as previsões do clima eram tão amadoras quanto admiráveis.
Falava-se da aparência do chovedor, das nuvens com formato de rabo de galo, da
neblina na madrugada alta, na florescência dos maricás, na atividade das
formigas, da sensação barométrica, da água escorrendo pelas paredes, a
denunciar uma atmosfera saturada e assim previa-se a chuva, as viradas e o
início das estações. Os homens tinham mais intimidade com a natureza, que
observavam sem pressa. A disponibilidade de previsões em veículos digitais, cada
vez mais detalhadas e, não raro, erradas, nos afastou da observação e de seu
nobre rebento, a contemplação. Faz parte das comodidades tecnológicas. Quando
passamos a usar somente teclados, arruinamos a caligrafia. Por isto a grande
maioria hoje parece ter letra de médico ...
Prossigamos
com símbolos e falemos de filhos maltratados, símbolos de abandono e desamor.
Pergunte a um terapeuta o que se deve dizer a uma criança abandonada que indaga
pela própria mãe e ouvirá que em hipótese alguma deve-se arrasar sua imagem.
Mesmo que tenha sido bandida, promíscua, viciada e muito, muito cruel. Não faz
bem a ninguém saber-se oriundo de má fonte. Qual a lógica? Como pode tornar-se
bom alguém nascido de tais entranhas?
Um
ventre mau é símbolo tão devastador que pode condenar uma criatura que assim
identifique sua origem. Tão nocivo que talvez explique em parte as desventuras de
nosso país. Em terra explorada, vivemos sob símbolos negativos. Quando indagamos
sobre nossas origens, de quem dizemos descender? De portugueses, que consideramos burros e
toscos, de negros forros, humilhados e incompetentes, de índios preguiçosos e
de degredados europeus. Exagero ou é mais ou menos assim? Ou escutamos
avaliações generosas? Nos acreditamos a fina flor da ralé, a escumalha das
gentes e cremos que nossas figuras históricas são lastimáveis.
Como
chegamos nisto? Possivelmente fomos induzidos, lenta, inconsciente e
insistentemente, a atribuir aos estrangeiros qualidades que não possuímos. E
agora? Como reverter séculos de soterramento de nossas virtudes? Difundindo a
biografia de nossos melhores, seus fracassos, suas lutas e sobretudo suas superações.
Só então poderemos deixar de lado símbolos que não são nossos. Não por
despeito, nem por revanche. Apenas porque não precisaremos mais deles.
J. B. Teixeira |
Sem comentários:
Enviar um comentário