A Igreja de Francisco de acordo com o jornalista Massimo Franco: sangue novo, mas também desentendimentos internos e preocupações com a segurança pessoal do Papa
Roma, 05 de Março de 2015 (Zenit.org) Federico Cenci
Francisco: o Papa que em dois anos "modificou a imagem negativa da Igreja"
A Igreja de Francisco de acordo com o jornalista Massimo Franco:
sangue novo, mas também desentendimentos internos e preocupações com a
segurança pessoal do Papa.
Dois anos foram suficientes para o Papa Francisco conseguir “reverter
a imagem negativa que a Igreja tinha conseguido” depois dos escândalos
sexuais e assuntos obscuros dos seus entes financeiros. É a opinião de
Massimo Franco, correspondente político e conhecido colunista do jornal
italiano Corriere della Sera, autor de vários artigos que analisam em
profundidade o peso do Vaticano como autoridade moral e instituição
política. O seu mais recente trabalho, Il Vaticano secondo Francesco
(ed. Mondadori, 2014), define os contornos do desafio que a Igreja
pretende corajosamente abordar hoje para combater a ideia de declínio.
Um declínio que parecia inevitável para muitos em 11 de Fevereiro de
2013, quando Bento XVI anunciou a sua decisão de deixar o ministério
petrino. Evento que foi o motivo da entrevista a seguir.
***
ZENIT: Poucos dias após a renúncia de Bento XVI, saiu o seu livro La crisi dell’impero vaticano. Há dois anos de distância, você acha que a crise se diluiu?
Massimo Franco: No âmbito da imagem internacional, certamente sim.
Este Papa conseguiu em dois anos reverter a imagem negativa que a Igreja
tinha assumido. Em termos de relações dentro do Vaticano não dá para
saber, porque a impressão que tenho é que Francisco colocou muita carne
no assador, mas ainda não está claro quais resultados concretos em
termos de governo do Vaticano foram alcançados.
ZENIT: Como Francisco conseguiu, em dois anos, reverter a imagem negativa da Igreja?
Massimo Franco: Principalmente, eu acho que haja maior envolvimento
pessoal do Papa com relação aos abusos sexuais de menores. Demonstra
isso pessoalmente e com muita força, embora não possamos esquecer que já
Bento XVI também já tinha feito o mesmo. Outro sinal vem da difícil
tentativa de reformar as instituições financeiras do Vaticano. O
terceiro ponto é, então, a liderança da Igreja Católica a nível
internacional. Dois exemplos: a intervenção, em Setembro de 2013, para
evitar a guerra na Síria e a actividade diplomática para suavizar as
relações entre Cuba e os Estados Unidos. Aqueles interlocutores do Papa,
descrentes com o mundo ocidental, aceitam a sua mediação porque
Bergoglio, sendo proveniente de uma realidade sul-americana, não é
identificado com um ocidente esmagado pela geopolítica dos Estados
Unidos.
ZENIT: O trabalho de Bergoglio também encontra uma resistência interna?
Massimo Franco: Sim, por várias razões. Algumas são por interesse
material, de posições de renda que foram afectadas. Depois, há
resistência contra um estilo, que é o da vida pessoal de Francisco, que
desafia certos hábitos de alguns membros do Vaticano e dos episcopados,
que não se entregam ao luxo, mas sim a uma forma confortável. Há também
uma outra questão, que é a mais escorregadia, de carácter doutrinário.
Componentes do Episcopado e da opinião pública, não só em ambientes
tradicionalistas, viram em algumas posições do Papa falhas doutrinárias,
com certeza tendências a interpretar a doutrina que pode gerar
confusão.
ZENIT: Especialmente no exterior, o Papa foi acusado de ser
"de esquerda". Representam um obstáculo ao seu pontificado aqueles
sectores que desaprovam as suas críticas ao capitalismo?
Massimo Franco: Certamente podem ter uma influência sobre aqueles que
procuram desculpas para resistir ao Papa. Devemos também dizer, porém,
que são críticas instrumentais: Bergoglio, quando era cardeal na
Argentina, era acusado de não ser bastante de esquerda, de ser muito
anti-comunista. Suas polémicas com a Companhia de Jesus local nasciam do
facto que ele era um adversário declarado da Teologia da Libertação, ou
seja, daquele catolicismo interpretado e filtrado pelo marxismo. Por
isso, o facto de que hoje existam ambientes nos Estados Unidos,
especialmente republicanos, que o acusam de veteromarxismo, é devido a
um preconceito temperado pela ignorância. Na verdade, esse é um Papa
muito aberto no âmbito social, mas que no âmbito doutrinário não
afrouxou. Certamente mudou ênfase e tom em algumas questões, mas acho
que seja bastante ortodoxo: veremos sempre mais...
ZENIT: Veremos isso no próximo Sínodo sobre a família?
Massimo Franco: Acredito que o Papa vai procurar tentar unir tudo,
como fez até agora. Sem dúvida estas resistências que de vez em quando
reflorescem e que já são também bastante evidentes, poderiam usar o
Sínodo para atacar o Papa. Mas, repito: não acho que ele romperá a
doutrina.
ZENIT: O seu estilo comunicação foi entendido pelos católicos?
Massimo Franco: Este Papa tem uma notável capacidade de falar para as
multidões. Hoje está emergindo uma relação directa entre o Papa e a
opinião pública católica e não, que torna o papel de intermediação dos
bispos um pouco apagado. Sua linguagem lhe ajuda a falar para grandes
massas, mas não sei se todos o apreciem dentro da Igreja.
ZENIT: Seu livro, A crise do império vaticano, também fala
dos católicos na política. Você escreve que “um mundo católico homogéneo, pronto para seguir as indicações da Igreja, e a traduzi-la em
política, não existe mais”. O novo sangue que Francisco está dando à
Igreja poderia marcar um ponto de virada?
Massimo Franco: Eu tenho a impressão de que na Itália o episcopado
ainda está bastante confuso. Acredito que haja uma total sintonia com o
Papa, porque entenderam que ele quer mudar a Igreja, mas não está claro o
como. Portanto, em termos das relações religião-política, não haverá um
novo envolvimento da Igreja na política. Na verdade, eu acredito que as
distâncias serão mais e mais pronunciadas.
ZENIT: O compromisso com o diálogo com o mundo muçulmano vai dar frutos?
Massimo Franco: depende muito da dinâmica interna do mundo muçulmano,
porque na verdade o terrorismo afecta os cristãos mas está voltado
principalmente a componentes xiitas pelos extremistas sunitas. O Papa
fará todo o possível, mas o facto de que seja um interlocutor de
confiança em âmbito não ocidental não é suficiente: a situação no
Oriente Médio é tão grave que não há espaço para mediação do Vaticano.
ZENIT: Causou grande celeuma, em Novembro passado, um artigo
seu sobre o aumento do nível de segurança do Papa por causa do perito de
um atentado. Agora que o ISIS está reiterando ameaças, especialmente à
Itália, cresce também o risco para a segurança de Francisco?
Massimo Franco: Risco sempre existe. Em meu artigo para o Corriere
della Sera se falava das preocupações dos serviços de segurança. E se
dizia também que não havia alarmes particulares, mas colocava o problema
dos possíveis riscos para o Santo Padre. Me parece que hoje,
objectivamente, estes riscos sejam mais altos. E não porque existem
notícias concretas sobre atentados sendo preparados, mas porque as
ameaças do ISIS devem ser seriamente levadas em consideração.
ZENIT: A assessoria de imprensa do Vaticano, no entanto,
negou que se estava "elevando" o nível de protecção para o Papa. Você
acha que isso foram desculpas de “fachada”?
Massimo Franco: Eu não estava esperando uma confirmação do Vaticano. E
com razão ninguém queria criar alarmismo. Não sei se fossem desculpas
“de fachada” ou outra coisa, mas certamente que faz tempo que os
serviços de segurança do Papa estão em uma situação de máxima
vigilância.
(05 de Março de 2015) © Innovative Media Inc.
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