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quinta-feira, 5 de março de 2015

Francisco: o Papa que em dois anos "mudou a imagem negativa da Igreja"

A Igreja de Francisco de acordo com o jornalista Massimo Franco: sangue novo, mas também desentendimentos internos e preocupações com a segurança pessoal do Papa


Roma, 05 de Março de 2015 (Zenit.org) Federico Cenci


Francisco: o Papa que em dois anos "modificou a imagem negativa da Igreja"

A Igreja de Francisco de acordo com o jornalista Massimo Franco: sangue novo, mas também desentendimentos internos e preocupações com a segurança pessoal do Papa.
 
Dois anos foram suficientes para o Papa Francisco conseguir “reverter a imagem negativa que a Igreja tinha conseguido” depois dos escândalos sexuais e assuntos obscuros dos seus entes financeiros. É a opinião de Massimo Franco, correspondente político e conhecido colunista do jornal italiano Corriere della Sera, autor de vários artigos que analisam em profundidade o peso do Vaticano como autoridade moral e instituição política. O seu mais recente trabalho, Il Vaticano secondo Francesco (ed. Mondadori, 2014), define os contornos do desafio que a Igreja pretende corajosamente abordar hoje para combater a ideia de declínio. Um declínio que parecia inevitável para muitos em 11 de Fevereiro de 2013, quando Bento XVI anunciou a sua decisão de deixar o ministério petrino. Evento que foi o motivo da entrevista a seguir.

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ZENIT: Poucos dias após a renúncia de Bento XVI, saiu o seu livro La crisi dell’impero vaticano. Há dois anos de distância, você acha que a crise se diluiu?
Massimo Franco: No âmbito da imagem internacional, certamente sim. Este Papa conseguiu em dois anos reverter a imagem negativa que a Igreja tinha assumido. Em termos de relações dentro do Vaticano não dá para saber, porque a impressão que tenho é que Francisco colocou muita carne no assador, mas ainda não está claro quais resultados concretos em termos de governo do Vaticano foram alcançados.

ZENIT: Como Francisco conseguiu, em dois anos, reverter a imagem negativa da Igreja?
Massimo Franco: Principalmente, eu acho que haja maior envolvimento pessoal do Papa com relação aos abusos sexuais de menores. Demonstra isso pessoalmente e com muita força, embora não possamos esquecer que já Bento XVI também já tinha feito o mesmo. Outro sinal vem da difícil tentativa de reformar as instituições financeiras do Vaticano. O terceiro ponto é, então, a liderança da Igreja Católica a nível internacional. Dois exemplos: a intervenção, em Setembro de 2013, para evitar a guerra na Síria e a actividade diplomática para suavizar as relações entre Cuba e os Estados Unidos. Aqueles interlocutores do Papa, descrentes com o mundo ocidental, aceitam a sua mediação porque Bergoglio, sendo proveniente de uma realidade sul-americana, não é identificado com um ocidente esmagado pela geopolítica dos Estados Unidos.

ZENIT: O trabalho de Bergoglio também encontra uma resistência interna?
Massimo Franco: Sim, por várias razões. Algumas são por interesse material, de posições de renda que foram afectadas. Depois, há resistência contra um estilo, que é o da vida pessoal de Francisco, que desafia certos hábitos de alguns membros do Vaticano e dos episcopados, que não se entregam ao luxo, mas sim a uma forma confortável. Há também uma outra questão, que é a mais escorregadia, de carácter doutrinário. Componentes do Episcopado e da opinião pública, não só em ambientes tradicionalistas, viram em algumas posições do Papa falhas doutrinárias, com certeza tendências a interpretar a doutrina que pode gerar confusão.

ZENIT: Especialmente no exterior, o Papa foi acusado de ser "de esquerda". Representam um obstáculo ao seu pontificado aqueles sectores que desaprovam as suas críticas ao capitalismo?
Massimo Franco: Certamente podem ter uma influência sobre aqueles que procuram desculpas para resistir ao Papa. Devemos também dizer, porém, que são críticas instrumentais: Bergoglio, quando era cardeal na Argentina, era acusado de não ser bastante de esquerda, de ser muito anti-comunista. Suas polémicas com a Companhia de Jesus local nasciam do facto que ele era um adversário declarado da Teologia da Libertação, ou seja, daquele catolicismo interpretado e filtrado pelo marxismo. Por isso, o facto de que hoje existam ambientes nos Estados Unidos, especialmente republicanos, que o acusam de veteromarxismo, é devido a um preconceito temperado pela ignorância. Na verdade, esse é um Papa muito aberto no âmbito social, mas que no âmbito doutrinário não afrouxou. Certamente mudou ênfase e tom em algumas questões, mas acho que seja bastante ortodoxo: veremos sempre mais...

ZENIT: Veremos isso no próximo Sínodo sobre a família?
Massimo Franco: Acredito que o Papa vai procurar tentar unir tudo, como fez até agora. Sem dúvida estas resistências que de vez em quando reflorescem e que já são também bastante evidentes, poderiam usar o Sínodo para atacar o Papa. Mas, repito: não acho que ele romperá a doutrina.

ZENIT: O seu estilo comunicação foi entendido pelos católicos?
Massimo Franco: Este Papa tem uma notável capacidade de falar para as multidões. Hoje está emergindo uma relação directa entre o Papa e a opinião pública católica e não, que torna o papel de intermediação dos bispos um pouco apagado. Sua linguagem lhe ajuda a falar para grandes massas, mas não sei se todos o apreciem dentro da Igreja.

ZENIT: Seu livro, A crise do império vaticano, também fala dos católicos na política. Você escreve que “um mundo católico homogéneo, pronto para seguir as indicações da Igreja, e a traduzi-la em política, não existe mais”. O novo sangue que Francisco está dando à Igreja poderia marcar um ponto de virada?
Massimo Franco: Eu tenho a impressão de que na Itália o episcopado ainda está bastante confuso. Acredito que haja uma total sintonia com o Papa, porque entenderam que ele quer mudar a Igreja, mas não está claro o como. Portanto, em termos das relações religião-política, não haverá um novo envolvimento da Igreja na política. Na verdade, eu acredito que as distâncias serão mais e mais pronunciadas.

ZENIT: O compromisso com o diálogo com o mundo muçulmano vai dar frutos?
Massimo Franco: depende muito da dinâmica interna do mundo muçulmano, porque na verdade o terrorismo afecta os cristãos mas está voltado principalmente a componentes xiitas pelos extremistas sunitas. O Papa fará todo o possível, mas o facto de que seja um interlocutor de confiança em âmbito não ocidental não é suficiente: a situação no Oriente Médio é tão grave que não há espaço para mediação do Vaticano.

ZENIT: Causou grande celeuma, em Novembro passado, um artigo seu sobre o aumento do nível de segurança do Papa por causa do perito de um atentado. Agora que o ISIS está reiterando ameaças, especialmente à Itália, cresce também o risco para a segurança de Francisco?
Massimo Franco: Risco sempre existe. Em meu artigo para o Corriere della Sera se falava das preocupações dos serviços de segurança. E se dizia também que não havia alarmes particulares, mas colocava o problema dos possíveis riscos para o Santo Padre. Me parece que hoje, objectivamente, estes riscos sejam mais altos. E não porque existem notícias concretas sobre atentados sendo preparados, mas porque as ameaças do ISIS devem ser seriamente levadas em consideração.

ZENIT: A assessoria de imprensa do Vaticano, no entanto, negou que se estava "elevando" o nível de protecção para o Papa. Você acha que isso foram desculpas de “fachada”?
Massimo Franco: Eu não estava esperando uma confirmação do Vaticano. E com razão ninguém queria criar alarmismo. Não sei se fossem desculpas “de fachada” ou outra coisa, mas certamente que faz tempo que os serviços de segurança do Papa estão em uma situação de máxima vigilância. 

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