Em Priscos, Braga
Quantas vezes se sentaram a uma mesma mesa, partilhando uma refeição comum, pessoas de 40 confissões religiosas diferentes? No mundo inteiro, “terá acontecido duas ou três vezes”… em Portugal, nenhuma. Mas vai acontecer muito em breve, na pequena grande “aldeia” que está a nascer em Priscos, Braga. Chama-se Aldeia das Religiões, vai ter apenas 12 casas (ou melhor, tendas), e durante os dias 20 a 22 de junho será habitada por representantes da quase totalidade de religiões e igrejas existentes no país. As portas dessas casas estarão sempre abertas e todos os visitantes serão bem recebidos, garante ao 7MARGENS o mentor da iniciativa, o padre católico João Torres.
“A ideia desta iniciativa não é tu entrares na minha tenda e eu convencer-te daquilo que eu sou, ou convencer-te daquela que eu considero que é a verdade. A ideia central é que eu próprio posso ser uma tenda para o outro, independentemente das nossas diferenças”, sublinha o responsável pela organização.
Visivelmente entusiasmado, o padre João Torres explica como é que a aldeia irá funcionar, na prática: Haverá dez tendas, onde estarão representadas as diferentes confissões religiosas, e depois duas tendas comuns a todos: a chamada ‘tenda do encontro’, onde será possível assistir a concertos, peças de teatro, meditações ou palestras apresentados por grupos de cada confissão, e a tenda da ‘mesa comum’, onde os líderes religiosos e os voluntários comerão juntos”.
Definir as ementas de acordo com as tradições gastronómicas de cada um foi uma tarefa exigente, mas não impossível, assinala o responsável: jardineira de frango, rissóis de tofu com legumes, pataniscas com massa de feijão, hambúrguer de soja com salada, bacalhau à Brás, salsichas de soja com legumes e bolinhos de bacalhau com arroz primaveril serão algumas das opções disponíveis.
Igualmente desafiante foi a criação de outro espaço comum na aldeia: um local de oração onde todos possam rezar. “Este espaço será muito simples, despido de qualquer símbolo religioso, e terá apenas alguns bancos… para que todos se sintam bem e acolhidos”, salvaguarda o padre João Torres, sublinhando que “todos os líderes foram consultados para garantir que não há nada que os choque”.
“O diálogo inter-religioso não se faz só com palavras e com discursos”
Também a pensar a importância de que todos – líderes religiosos, voluntários e visitantes das diferentes confissões religiosas – se sintam bem nesta aldeia, o espaço onde ela está a ser construída não é um templo, nem pertence a nenhuma das confissões participantes. “É um terreno cedido por um particular, em Priscos, um campo que fica entre os montes, no meio de um bosque, rodeado de muito verde”, sublinha o padre João Torres.
Espaço esse que não deixa de ser, para todos, uma “terra sagrada”. “Reunirmo-nos naquele espaço implica que cada um tire as suas sandálias e pise essa mesma terra. Só neste exercício podemos estar juntos e escutarmo-nos uns aos outros, não tanto para vermos as nossas diferenças, mas aquilo que nos une a todos os que andamos aqui”, acrescenta o presbítero.
Algo que assume ainda mais importância “numa altura em que, em Portugal, temos cada vez mais expressões religiosas diferentes”, sublinha o padre João Torres, que já em 2012 havia organizado uma primeira edição desta Aldeia das Religiões. Dessa edição, em que participaram 32 confissões religiosas, “ficaram muitos laços de amizade, que possibilitaram organizar esta segunda edição, e agora estender o convite a ainda mais gente”.
Reconhecendo que “os discursos de ódio estão agora mais fortes”, o pároco de Priscos, Guizande e Tadim considera que é essencial mostrar que “o diálogo inter-religioso não se faz só com palavras e com discursos”. É preciso ir mais além, defende: “Temos de o fazer acontecer pelo encontro e isso vai ajudar-nos a tornar-nos muito mais tolerantes”. Por isso, considera que “a Aldeia das Religiões não é um discurso político, mas sim uma realidade social. Queremos mostrar à sociedade que podemos estar juntos, estabelecer laços de comunhão uns com os outros e caminhar lado a lado”.
Infelizmente, lamenta, “este tipo de iniciativa não é muito comum”. Aquilo que se faz mais habitualmente são encontros ecuménicos ou inter-religiosos que reúnem menos confissões – até porque “a logística associada a um evento destes é muito exigente e complicada”. Mas o padre João Torres espera que, até à terceira edição, não tenham de passar outros 12 anos. “Não digo que a Aldeia das Religiões passe a ser anual, mas talvez de quatro em quatro anos, como os Jogos Olímpicos!”, diz, com uma gargalhada bem-disposta. “Hoje em dia, é mesmo muito importante termos quase esta ousadia de, diante dos discursos de ódio que nos tornam gente pobre ou mesmo gente que deixa de ser gente, criarmos laços de fraternidade”.
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