No Canadá, junto das populações indígenas
O Papa fez um pedido de perdão aos povos indígenas do Canadá, no primeiro discurso da sua viagem ao país, nesta segunda-feira, 25 de julho, evocando a experiência das escolas residenciais nos séculos XIX e XX. “Perante este mal que indigna, a Igreja ajoelha-se diante de Deus e implora o perdão para os pecados dos seus filhos. Desejo reiterá-lo claramente e com vergonha: peço humildemente perdão pelo mal cometido por tantos cristãos contra as populações indígenas”, declarou Francisco, junto das populações indígenas de Maskwacis, na Província de Alberta, citado pela Ecclesia.
Em vez dos habituais encontros com as autoridades civis e membros do corpo diplomático, a primeira paragem do Papa nesta visita ao Canadá, onde chegou no domingo, foi um encontro com os sobreviventes do sistema de ensino residencial para crianças indígenas.
Entre 1863 e 1998, mais de 150 mil crianças indígenas terão sido tiradas às suas famílias e internadas nas escolas residenciais onde não tinham permissão para falar a sua língua nativa ou para realizarem quaisquer gestos característicos da sua cultura [ver 7Margens].
O internamento nestas instituições que se propunham assimilar à força as crianças autóctones tornou-se obrigatório na década de 1920, passando os pais a enfrentar a ameaça de prisão caso não cumprissem essa obrigação. Estimativas de várias fontes apontam para que mais de 6.000 crianças tivessem morrido durante o seu internamento forçado e um número muito maior tivesse sido vítima de maus-tratos, abusos sexuais e outras violências. No Canadá, chegaram a existir mais de 130 escolas residenciais financiadas pelo Governo e administradas por autoridades religiosas, sendo a Igreja Católica responsável por cerca de 70 por cento desses estabelecimentos.
A Escola de Ermineskin foi uma das maiores em território canadiano, confiada a missionários católicos desde a sua fundação, em 1895, tendo acolhido mais de 150 mil indígenas até finais do século XX. “Quero iniciar daqui, deste lugar tristemente evocativo, o que tenho em mente fazer: uma peregrinação penitencial. Chego às vossas terras nativas para vos exprimir, pessoalmente, o meu pesar, implorar de Deus perdão, cura e reconciliação, manifestar-vos a minha proximidade, rezar convosco e por vós”, declarou Francisco, perante milhares de participantes no encontro.
O pedido de perdão, repetido por várias vezes, foi sublinhado pelos presentes com uma salva de palmas.
Acompanhado por sons de tambores, Francisco começou por fazer uma visita privada ao cemitério local, onde rezou em silêncio, antes de discursar perante lideranças indígenas de todo o país. “Fazer memória das experiências devastadoras que aconteceram nas escolas residenciais impressiona, indigna e entristece, mas é necessário”, disse, na sua intervenção.
Em 2021 foram descobertas centenas de sepulturas anónimas junto de antigas escolas residenciais indígenas; várias destas instituições pertenciam à rede de escolas administrada pela Igreja Católica, destinadas à “reeducação” de crianças indígenas, com o apoio do Governo canadiano. “Sinto pesar. Peço perdão, em particular pelas formas em que muitos membros da Igreja e das comunidades religiosas cooperaram, inclusive através da indiferença, naqueles projetos de destruição cultural e assimilação forçada dos governos de então, que culminaram no sistema das escolas residenciais”, afirmou Francisco.
Chefe indígena deu as boas-vindas ao Papa
Papa Francisco beija as mãos de um dos chefes indígenas. Foto © Vatican Media
O chefe indígena Wilton Littlechild, antigo aluno de um internato no Canadá, deu as boas-vindas ao Papa, junto à antiga escola de Ermineskin, agradecendo a Francisco pelo esforço em favor da “reconciliação”. “Santidade, é uma grande honra recebê-lo entre nós. Percorreu um longo caminho para estar connosco na nossa terra e caminhar connosco no caminho da reconciliação. Por isso, honramo-lo e damos-lhe as nossas mais sinceras boas-vindas”, declarou, perante representantes das populações indígenas de Maskwacis, na província de Alberta.
Wilton Littlechild, o chefe “águia dourada” (Usow-Kihew, na língua cree), apresentou Maskwacis como “território ancestral” dos povos Cree, Dene, Blackfoot, Saulteaux e Nakota Sioux desde “tempos imemoriais”.
O Papa foi saudado com vários cânticos e danças tradicionais indígenas. “Gostaríamos de reconhecer com profundo apreço o grande esforço pessoal que fez para viajar para a nossa terra. É uma bênção recebê-lo e acolhê-lo entre nós. A vasta extensão de terra chamada Canadá, a que os Povos Indígenas se referem como parte da Ilha da Tartaruga, é a pátria tradicional das Primeiras Nações, Métis e Povos Inuítes”, acrescentou, dirigindo-se a Francisco com o nome indígena de “pena branca”.
O antigo aluno na escola residencial Ermineskin evocou os sobreviventes destas instituições, presentes no local juntamente com chefes, líderes, anciãos, detentores do conhecimento e jovens das comunidades das Primeiras Nações, Métis e Inuítes em toda a nossa terra.
O encontro teve ainda a presença da governadora geral do Canadá, Mary Simon, e do primeiro-ministro, Justin Trudeau.
O chefe Usow-Kihew sublinhou que o Papa está no Canadá “como um peregrino, procurando caminhar no caminho da verdade, justiça, cura, reconciliação e esperança”, deixando votos de que o encontro de hoje represente um momento de “verdadeira cura e esperança real por muitas gerações vindouras”, concluiu.
De tarde, Francisco deslocou-se à Igreja do Coração de Jesus das Primeiras Nações, onde abençoou uma imagem de Santa Kateri Tekakwitha, a primeira nativa da América do Norte canonizada pela Igreja Católica.
Construída em 1913, esta igreja foi designada em 1991 como paróquia nacional das Primeiras Nações, Métis e Inuítes, albergando por isso várias peças de arte sacra criadas por artesãos indígenas.
A viagem, entre 24 e 30 de julho, vai passar pelas cidades de Edmonton, Quebeque e Iqaluit – que abriga o maior número de Inuítes, os membros da nação indígena esquimó.
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