Palavra
e Pão 80 XXX Domingo do Tempo Comum
1 – Dois homens subiram ao Templo para orar. Assim
começa a parábola que o Senhor nos conta no Evangelho do próximo domingo a nós,
que, nesse momento, também estaremos na igreja para fazermos, precisamente, a
nossa oração.
O que é, para nós, a oração? É uma perda de tempo, uma obrigação,
uma necessidade? Será uma busca de vida interior, um mergulho nas profundezas
da alma, um exercício espiritual para tentarmos equilibrar a vida materialista
que este mundo de hoje nos força a viver? Para nós é claro, ou deve ser, que
fazer oração é, antes de mais, dar espaço a Deus em nossas vidas, é irmos á
presença do Senhor para O louvarmos e agradecermos os seus dons, para O
escutarmos e Lhe respondermos, para nos expormos á luz da Sua santidade, a qual,
denunciando os nossos pecados nos humilha, mas também, simultaneamente, nos
exalta, porque nos chama a ser santos como Ele é santo.
Para respondermos a esta pergunta acerca da oração, temos de nos
defrontar primeiro com outras que lhe estão ligadas: quem é Deus para mim? Como
é que eu me vejo a mim mesmo? Como é que eu imagino o Deus a quem rezo? Como me
relaciono com Ele? Vejo n’Ele um espelho, ou uma luz? É um Deus ideal, feito à minha
imagem, criado por mim, ou é o Deus meu Criador, Criador e Senhor de tudo o que
existe, Aquele de Quem eu, Sua imagem e semelhança, recebo a Vida, Aquele que
sempre me surpreende?
Muitas das pessoas que hoje O desprezam como inutilidade
infantil, no fundo sempre O imaginaram como criação e fruto das ignorâncias e
incapacidades do homem atormentado pelos seus pecados e insuficiências, como o
ideal supremo das qualidades humanas, como Aquele que sabe tudo e tudo pode,
como Aquele que é o que cada um de nós gostaria de ser e não consegue: bondade
e beleza infinitas, verdade e unidade que tudo abrangem. Desprezam-n’O, tão só,
porque O reduziram a um ídolo que lhes foi útil na sua menoridade, mas que
agora, na idade adulta, já não lhes diz nada.
2 - Bondade e beleza, verdade e unidade… mas Deus não
é tudo isso? Estas palavras com as quais nos referimos a Deus, queridos irmãos,
são analogias, apontam para o mistério de Deus mas são incapazes de O definir
porque Ele é Transcendente. A Deus ninguém O viu nem pode ver neste mundo. Mas
para que não ficássemos prisioneiros das nossas imaginações e fantasias, Deus
enviou ao mundo o Seu Filho para nos mostrar concretamente na Sua vida, o que
Deus é, e para nos dar o Seu Espírito que nos ajuda a reconhecer e a acolher o
amor misericordioso que o Pai nos tem.
Continuando o Evangelho da missa do próximo domingo, Jesus identifica
esses dois homens que entram no Templo para orar: um é fariseu e o outro,
publicano. Ser fariseu era, no conceito do povo, ser alguém perfeito no
cumprimento da lei, era ser justo e santo. Pelo contrário, os publicanos eram
pecadores públicos, eram o extrato mais baixo, o pior que se poderia encontrar,
naquele tempo, no povo de Israel. Jesus compara as orações dos dois, e o
resultado já o sabeis: surpreendentemente, o publicano volta justificado para
sua casa, e o fariseu, não. Porquê?
Porque a oração do fariseu era mentirosa? Não. Ele não mentiu
a Deus. Tudo aquilo que mencionou na sua oração, ele o realizou. Mas fê-lo para
se exaltar a si mesmo, para dar glória a si mesmo e, por isso, comparou-se com
os outros homens, julgando-se melhor do que eles e condenando-os. A oração do
publicano, pecador humilhado e iluminado pela santidade de Deus, atravessa
as nuvens e não descansa enquanto não chega ao seu destino, no dizer do
livro de Ben-Sirá, na leitura escutada no início da liturgia da palavra deste
domingo (Eclo 35,21). A raiz dos nossos relacionamentos é a oração, é a nossa
relação com o Senhor.
3 – Quantas vezes, queridos irmãos, a nossa oração de
católicos praticantes reproduz a oração do fariseu! Quantas vezes nos
consideramos melhores que os que nos ofenderam e os julgamos e condenamos
injusta e apressadamente! Quantas vezes escondemos a floresta dos nossos
pecados atrás de um pequenino arbusto de alguma boa obra que tenhamos realizado
e nos apresentamos assim na oração, pretendendo, no fundo, enganar o Senhor,
como se a porta que nos dá acesso ao mistério de Deus fosse o cumprimento da
lei e não a humildade e a verdade. Deus é humilde, e a humildade, ou seja, a
verdade e a bondade são a fonte de todos os nossos relacionamentos de cristãos para
com Deus, para com os outros, e para com a natureza!
Finalmente, ouçamos na segunda leitura o testemunho de um
ex-fariseu, Paulo de Tarso que, noutro texto, considera como lixo a sua
anterior justiça, perante a maravilha que é, para ele, o conhecimento de Jesus
Cristo: O Senhor esteve a meu lado e deu-me força… O Senhor me livrará de
todo o mal e me dará a salvação no seu reino celeste (2 Tm 4, 16-18). O
Senhor, não eu, que por mim próprio sou o maior pecador do mundo, salvo pelo
Senhor Jesus Cristo. Glória a Ele, não a mim, pelos séculos dos
séculos. Amen.
+ J. Marcos
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