sábado, 15 de dezembro de 2018
Texto de António Marujo
Vídeo de Maria Wilton
Um presépio com caixa de música: este poderia ser o símbolo da magia de Natal, representa a dureza da vida dos cristãos palestinos de Belém
Este poderia ser um Natal mágico: um presépio com uma caixa de música a tocar os acordes de Stille Nacht (Noite feliz), talvez a mais bela canção do tempo...
Mas, para muitos cristãos da Terra Santa – e, em especial, da Palestina, o Natal não é mágico. É verdade que é em Belém que está a Igreja da Natividade, construída no local onde, segundo a tradição, Jesus teria nascido. É verdade que, por estes dias, muitos peregrinos vão à cidade, celebrar uma das festas mais importantes do cristianismo. Nada disto leva magia aos cristãos que ali vivem.
“O que acontece é que nos sentimos abandonados”, diz Nicolas, um jovem palestino “cristão católico, da cidade de Belém, o berço da fé e da paz, onde nasceu o nosso salvador do mundo, Jesus”, como se apresenta quando falamos com ele em Lisboa. Pelo quinto ano consecutivo, Nicolas está em Lisboa, até ao Natal, a vender artesanato de Belém, feito em madeira de oliveira. Presépios, imagens de Santo António, cruzes, estrelas, representações da Sagrada Família – tudo pode ser encontrado na Rua Anchieta, número 10 (ao Chiado) – ou ainda, neste domingo, 16 de Dezembro, na paróquia do Cristo-Rei, no Porto.
Nicolas trabalha na cidade de Belém como guia turístico. Para os cristãos da Cisjordânia (Palestina), a única fonte de rendimento são as actividades ligadas ao turismo. “Imaginem que os cristãos que vão visitar Fátima não ficam a dormir lá, nem vão aos restaurantes. O que está a acontecer é isso: os cristãos passam em Belém duas, três horas, visitam a Igreja da Natividade e voltam para Jerusalém.”
Deste modo, não dá para ter um mínimo de rendimento. Resultado? “Muitos pensam em emigrar.” Muitos outros já o fizeram: em menos de 50 anos, o número de cristãos em Israel e na Palestina reduziu de vinte por cento para dois por cento – são agora uns 130/140 mil em nove milhões de habitantes; em Belém, a população cristã era, em 1948 (data da fundação do Estado de Israel) oitenta por cento cristã; hoje, são caiu para menos de vinte por cento.
“Belém vive do turismo, como Fátima”, insiste Nicolas. “Os peregrinos são uma ajuda para os cristãos que continuam vivendo naquela cidade. Temos uma riqueza muito importante, que é a igreja onde nasceu Jesus, com quase 1500 anos. Os cristãos vivem fazendo artigos religiosos para os peregrinos ou turistas que visitam a cidade” ou em trabalhos como restaurantes, hotéis e guias turísticos. Na maior arte dos casos, são de classe média baixa. E, quem não pode viver do turismo, tem ir para Israel trabalhar como operários, o que implica atravessar a fronteira diariamente.
Conhecer as pessoas, além das pedras
Seria bom, por isso, se os peregrinos que vão a Belém, cristãos como muitos outros que lá vivem, dormissem uma noite num hotel da cidade (o que é “muito raro”), visitassem uma oficina de artesanato local, conhecessem as pessoas concretas e não apenas as pedras que lá estão – afirma Nicolas. “Escutando, visitando as oficinas, daria um pouco mais de confiança, de fé” aos que lá estão”, acrescenta. Isso “seria bom”, um incentivo, daria “mais força” e mudaria “a mentalidade das famílias”.
Esse é um dos maiores lamentos de Nicolas. Por isso, se pudesse falar com padres que acompanham peregrinações, agentes de viagens ou guias, dir-lhes-ia: “Desejaria que ficassem uma noite a dormir em Belém e visitassem uma das famílias que trabalham a fazer artesanato, pessoas locais. E que não fizessem apenas o caminho hotel–jantar–visitas. Há muitos mosteiros que os peregrinos não chegam a conhecer, há o campo dos pastores, a gruta do leite... Têm de conhecer um pouco mais.”
Nas conversas que tem com peregrinos e turistas, Nicolas incentiva-os a visitar Belém com mais tempo. “Já aconteceu com alguns que acabaram por ir conhecer melhor a cidade ou então planeiam para uma viagem seguinte ficar um dia em Belém. E isso muda um pouco mais a mentalidade dos peregrinos e a presença deles ajuda a que haja cristãos a continuar a viver ali.”
Se não, os turistas e peregrinos limitam-se a ver pedras e não pessoas, “é algo assim”. Por isso, Nicolas diz sempre aos peregrinos, quando está com eles em Belém: “A Terra Santa não é só para nós, é para vocês também. A Terra Santa é única. A vossa presença é muito importante, mas têm de ficar e conviver um pouco mais com os cristãos, especialmente na cidade de Belém.”
Belém que, em hebraico, significa “casa do pão”; e, em árabe, “casa da carne”. Mas que, para os cristãos, acaba por ser pouco disso. Apesar do trabalho das famílias que, como as peças que Nicolas procura vender em Lisboa, têm também um intrínseca ligação à região: a madeira de oliveira, além de ser dura e boa para conservar, tem “muitas referências na Bíblia”: dá fruto, e até o ramo que a pomba leva a Noé, na história do dilúvio.
As peças em madeira são todas feitas à mão mesmo se, em algumas das maiores – crucifixos, cabanas de presépio, imagens da Sagrada Família ou de Santo António –, o pedaço de madeira é inicialmente cortado por uma máquina. Muitas famílias têm a sua pequena oficina para trabalhar, implicando desde os mais velhos aos mais novos. “Toda a gente ajuda. Por vezes, as mulheres fazem bordados, outros, trabalhos em barro ou cerâmica.”
Em Lisboa, nesta venda solidária, as peças mais procuradas são os presépios e a Sagrada Família. Mas também há uma muito curiosa Nossa Senhora com o Menino que, nas costas, se “transforma” num anjo (foto ao lado); ou cenas representando Nossa Senhora grávida, a ir de Nazaré para Belém; ou, no episódio seguinte, a fuga para o Egipto; e ainda representações da Última Ceia. Numa das peças, os contornos dos veios do corte da madeira fazem a silhueta de Maria de Nazaré – a cor mais clara ou escura da madeira tem a ver com os cortes feitos na madeira. E há também essa grande cabana de presépio cuja estrela roda, tocando a música de Noite Feliz.
No caso das peças maiores como esta, o trabalho é maior: tem de esperar que a madeira seque, começar a esculpir, secar de novo para que a madeira não abra e, depois, colar peça por peça.
Cada família ou artesão constrói as suas peças, cria os seus próprios desenhos. Desde há cinco anos, por sugestão de um padre que, em Belém, sugeriu a Nicolas aproveitar alguns desses produtos para uma venda de Natal – convite repetido no ano seguinte – este palestino vem a Lisboa, com peças das famílias cristãs que mais necessitam. Um trabalho que compensa, desde que haja não só quem compre, mas também quem dê oportunidade para expor os trabalhos – o que já aconteceu mesmo em paróquias do Porto, Braga, Guarda ou Algarve...
Fecha-se o círculo: “O problema é que há cada vez menos cristãos e por isso o trabalho com oliveira vai diminuindo. Temos de ser heróis, por sermos uma minoria. Na verdade, foi sempre difícil, desde o tempo de Jesus; mas ao longo dos anos, por causa dos conflitos, muitos cristãos foram saindo do país, à procura de um futuro, de segurança para os filhos, de um lugar mais tranquilo...”
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