terça-feira, 18 de dezembro de 2018
Texto de Maria Wilton
São cada vez mais as denúncias de que muçulmanos uigures e do Turquestão (China) têm sido perseguidos, detidos e mesmo encaminhados para campos próprios para o efeito. Ainda mais graves são as fortes indicações de que, para além de detidos, os uigures têm sido obrigados a trabalhos forçados, como se estivessem em campos de concentração.
Os Uigures são uma etnia maioritariamente muçulmana com cerca de 11 milhões de pessoas que vivem na região autónoma de Xinjiang (noroeste da China). Consideram-se cultural e etnicamente semelhantes a várias nações da Ásia central e a sua língua é parecida com o turco.
Há muito tempo que a China tenta restringir a prática do islão e manter um punho de ferro sobre Xinjiang. Nas últimas décadas, uma migração em massa dos chineses han (a maioria étnica do país) para esta região tem colocado as vidas e cultura dos uigures sob ameaça. Tensões económicas e étnicas têm crescido entre os uigures e os han, culminando muitas vezes em protestos e ataques violentos de grupos extremistas.
Em resposta aos ataques, o Governo chinês pôs em vigor medidas extremas na comunidade de Xinjiang: maior policiamento, câmaras de vigilância e detenções. A medida mais controversa foi a detenção, por tempo indefinido, de um milhão de uigures em “centros de treino político”: em agosto de 2018, a Comissão dos Direitos Humanos (CDH), das Nações Unidas, disse ter testemunhos credíveis de que a China tinha tornado a região dos uigures em algo que se assemelhava a um campo de internamento gigante.
Nos campos, as pessoas são obrigadas a aprender mandarim, a jurar lealdade ao Presidente Xi Jinping e a renunciar à sua fé. Adicionalmente, cantam hinos que enaltecem o Partido Comunista Chinês, escrevem ensaios de autocrítica e, em casos mais extremos, são torturados. A BBC entrevistou Omir, um dos ex-prisioneiros que conseguiu sair para outros países e contou o tormento que lá sofreu: “Não me deixavam dormir. Penduravam-me durante horas e batiam-me. Tinham muitos instrumentos de tortura que colocavam ao pé de mim, prontos a utilizar. Conseguia ouvir outras pessoas a gritar nas suas celas.”
Ao jornal The New York Times, Abdusalam Muhemet, 41 anos, detido por recitar um versículo do Alcorão num funeral afirma: “Aquilo não era um lugar para os extremistas. Era um lugar que pretendia apagar a identidade uigur.” No seu último trabalho acerca do assunto, o jornal denuncia que os prisioneiros parecem estar a ser encaminhados para fábricas, algo que foi publicitado na televisão nacional chinesa como propaganda política. O que não foi dito é que estes trabalhos forçados são realizados praticamente sem remuneração.
Numa reunião da CDH, em agosto de 2018, Hu Lianhe, um oficial chinês, disse que estes campos de reeducação eram completamente falsos e que ninguém tinha sido torturado ou estava desaparecido por causa dos mesmos.
No entanto, em outubro, o oficial máximo de Xinjiang, Shohrat Zakir reiterou a posição e partilhou que existiam “centros vocacionais” destinados a combater o terrorismo. O secretário Uigur disse que, nesses centros, os extremistas aprendiam história chinesa, língua e cultura e que a sua vida era melhor agora que estavam nos campos: “Os aprendizes disseram que já tinham sido afetados por pensamentos extremistas mas nunca tinham participado noutro tipo de atividades. Agora vêm como a vida pode ser colorida.”
É muito raro o Governo chinês oferecer explicações acerca de Xinjiang e, como o acesso ao território está controlado, é difícil obter informação imparcial acerca do que lá acontece.
Uma reportagem do The Wall Street Journal sobre o assunto pode ser vista a seguir, também em inglês:
Violações à liberdade religiosa e o acordo China-Santa Sé
De acordo com o artigo 36 da Constituição chinesa, os cidadãos da República Popular da China gozam de liberdade de crença religiosa: “O Estado protege as atividades religiosas normais” e proíbe o uso da religião em atividades que “perturbem a ordem pública, prejudiquem a saúde dos cidadãos ou interfiram com o sistema educativo estatal.”
Na prática,este artigo apenas tolera algumas atividades das cinco tradições religiosas oficialmente reconhecidas – budismo, taoísmo, islão, cristianismo católico e cristianismo protestante – e apenas as que são regidas por sete associações “patrióticas”, aprovadas pelo Estado.
Em fevereiro de 2018, entrou em vigor um novo Regulamento dos Assuntos Religiosos, constituído por novas leis sobre prática religiosa,que são as mais severas dos últimos anos. Este restringe muitas atividades religiosas a locais registados. No entanto, a autorização para um local registado apenas é concedida quando o candidato prova que a sua comunidade religiosa precisa de realizar atividades religiosas coletivas regulares.
Os católicos no país também são alvo de severas perseguições e violações à liberdade religiosa, como dá conta o relatório da Liberdade Religiosa no Mundo, de 2018, da Ajuda à Igreja que Sofre.
Nesta segunda-feira, 17 de dezembro, a polícia chinesa invadiu, pela terceira vez este mês, mais uma igreja católica clandestina, na província de Guandong, confiscando todas as bíblias e avisando os fiéis para nunca mais voltarem ao local.
Também esta semana, o bispo da diocese de Mindong, Vincent Guo Xijin, pertencente à Igreja clandestina, que se tem mantido fiel ao Papa e ao Vaticano, cedeu o seu lugar a um outro, Zhan Silu, da Associação Patriótica, controlada pelo Governo. Guo Xijin, que tinha sido detido em março por celebrar missa sem permissão do Governo, ficará agora como bispo auxiliar do novo titular. A troca de bispos é uma consequência direta do acordo assinado entre o Vaticano e Pequim para a nomeação dos responsáveis pelas dioceses católicas do país.
O acordo, apesar de criar problemas e das críticas que tem recebido de vários sectores, cria condições para a comunidade clandestina e da Igreja patriótica viverem e trabalharem juntas, pela primeira vez. No entanto, muitos consideram que estas transferências de poder significam que o Vaticano está a entregar a Igrejas nas mãos do governo.
De acordo com um relatório recebido pelo Asia News, o Papa Francisco expressou a sua grande apreciação pelo bispo Guo Xijin e pediu a integração de Zhan Silu.
Os bispos Zhan Silu (esq.), vindo da Associação Patriótica, e Vicent Guo Xijin, da rede clandestina da Igreja Católica, com Claudio Maria Celli, chefe da delegação do Vaticano que testemunhou a troca (foto reproduzida daqui)
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