Na
Copa do Mundo de 1994 um jogador de nossa seleção destacou-se dos demais pelos
gols decisivos que marcou. Irreverente, amigo das baladas - segundo Tostão o
maior centroavante de todos os tempos,- Romário só não despontou na partida final,
um zero a zero que traduziu medo de parte a parte e levou o jogo à cobrança de
pênaltis. Durante aquela campanha o parceiro de Romário teve desempenho igualmente
brilhante. Franzino, se posicionava maravilhosamente e seu passe era por vezes
meio gol. Bebeto, um craque que até hoje não tem substituto à altura.
No
jogo contra a Holanda, nas quartas-de-final, jogo aliás duríssimo, saímos na
frente, com passe de Bebeto e gol de Romário. Depois o próprio Bebeto pareceria
despachar os holandeses com um gol em que antes dribla o goleiro. Corre então
para a lateral do campo e comemora o nascimento do filho, como se o embalasse.
Foi um belo momento, da sempre bela paternidade. Na sequência, para nosso
pavor, os holandeses empataram o jogo, em reação que parecia fulminante. Fomos
salvos por um gol inesquecível de Branco, cobrando uma falta, de longe. Um
golaço, que por vezes revejo com a intensidade da época e ainda hoje me
emociona.
Recentemente
um fabricante alemão de automóveis evocou a celebração de Bebeto à beira do
campo e o mostra, na atualidade, entregando ao filho Mateus um veículo do
anunciante. O rapaz agradece ao pai com uma frase jovial no estilo “Pai, você é o cara!”. Demonstração clara
de que a propaganda é direcionada ao público que será atingido pelo reclame, a
montadora usa uma leitura certamente estranha em seu país de origem. Na
Alemanha os jovens são convidados a assumirem seus destinos na adolescência e,
creio, contam-se nos dedos de não muitas mãos os casos em que os pais deram um
carro a um de seus filhos. Predomina naquelas paragens a ideia da conquista, do
mérito, o que aliás muito admiro.
A
economia alemã tem como uma de suas marcas registradas a existência de muitas
empresas familiares, que até certo ponto e tamanho são mais eficientes por
razões óbvias, afinal trabalhar de sol a sol pelo próprio negócio cansa menos,
digamos assim, que fazê-lo em prol de terceiros. Esta é uma verdade que nenhum
credo político conseguiu desmentir. E as tentativas em contrário, nas ditas
economias planejadas comunistas, experimentaram notória frustração. Empresas
familiares geram herdeiros, mas mesmo assim os alemães não criam seus filhos
como parasitas. Alguém duvida de que este seja um dos pilares do sucesso deles?
Na última viagem à Alemanha colhi uvas no parreiral de uma família conhecida.
Haviam começado bem cedo. Chegamos a duas horas do fim da jornada em razão de
outros compromissos. Trabalhei menos, mas prá valer. Foram belos momentos,
coroados mais tarde por um jantar comum, regado com o vinho daqueles
agricultores. Metaforicamente o empreendimento é compartilhado pelo patriarca e
o filho mais velho, que se chama Benjamin. Este nome, hebraico, pode significar
filho da felicidade, mas por lá mesmo o filho amado dá duro.
Por
aqui o vento sopra de maneira diversa. Os filhos são incensados. Por mais
medíocres que sejam, seus pobres feitos são cantados em verso e prosa, ainda, é
claro, que por péssimos versejadores. Os pais se esforçam para satisfazerem
suas vontades, mesmo quando de sã consciência não devessem fazê-lo. Assim,
vê-se de tudo. Pais que vivem em dificuldade e lamentam não poder sustentar as
noitadas dos rebentos. Festas de quinze anos em que a fantasia confessa dos
pais chega às raias do bizarro: “Vai,
minha filha, conquistar o mundo!“. Com que alicerce? Pouco importa. Com que
bagagem? Ora, não façamos perguntas difíceis ...
Creio
que nosso cotidiano incensar os filhos tenha raízes na busca pelos pais de um sentido
na vida. Como carecem deste sentido, fazem a aposta na prole. Ocorre que, segundo
sábias palavras de Viktor Frankl, “é
falsa a tese de que o sentido da vida se radica na descendência. Essa tese
facilmente se pode reduzir ad absurdum. Em primeiro lugar, a nossa vida não se
pode prolongar in infinitum: também as linhagens acabarão por morrer e decerto
que um dia também toda a humanidade terá que desaparecer pela morte, ainda que
tal suceda apenas numa catástrofe cósmica do planeta Terra. (...) Se a vida
duma mulher sem filhos ficasse realmente sem sentido por essa única razão, isso
significaria que o homem vive apenas para os seus filhos e que o sentido da sua
existência estaria exclusivamente na descendência que deixasse”.
Anos
atrás vi, em São Paulo, cartazes da campanha “Crie filhos em vez de herdeiros”. Qual a intenção? Que os pais
ajudem seus filhos a compreender o valor das coisas, não o seu preço.
J. B. Teixeira |
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