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segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

Falta sentido

Na Copa do Mundo de 1994 um jogador de nossa seleção destacou-se dos demais pelos gols decisivos que marcou. Irreverente, amigo das baladas - segundo Tostão o maior centroavante de todos os tempos,- Romário só não despontou na partida final, um zero a zero que traduziu medo de parte a parte e levou o jogo à cobrança de pênaltis. Durante aquela campanha o parceiro de Romário teve desempenho igualmente brilhante. Franzino, se posicionava maravilhosamente e seu passe era por vezes meio gol. Bebeto, um craque que até hoje não tem substituto à altura.

No jogo contra a Holanda, nas quartas-de-final, jogo aliás duríssimo, saímos na frente, com passe de Bebeto e gol de Romário. Depois o próprio Bebeto pareceria despachar os holandeses com um gol em que antes dribla o goleiro. Corre então para a lateral do campo e comemora o nascimento do filho, como se o embalasse. Foi um belo momento, da sempre bela paternidade. Na sequência, para nosso pavor, os holandeses empataram o jogo, em reação que parecia fulminante. Fomos salvos por um gol inesquecível de Branco, cobrando uma falta, de longe. Um golaço, que por vezes revejo com a intensidade da época e ainda hoje me emociona.

Recentemente um fabricante alemão de automóveis evocou a celebração de Bebeto à beira do campo e o mostra, na atualidade, entregando ao filho Mateus um veículo do anunciante. O rapaz agradece ao pai com uma frase jovial no estilo “Pai, você é o cara!”. Demonstração clara de que a propaganda é direcionada ao público que será atingido pelo reclame, a montadora usa uma leitura certamente estranha em seu país de origem. Na Alemanha os jovens são convidados a assumirem seus destinos na adolescência e, creio, contam-se nos dedos de não muitas mãos os casos em que os pais deram um carro a um de seus filhos. Predomina naquelas paragens a ideia da conquista, do mérito, o que aliás muito admiro.

A economia alemã tem como uma de suas marcas registradas a existência de muitas empresas familiares, que até certo ponto e tamanho são mais eficientes por razões óbvias, afinal trabalhar de sol a sol pelo próprio negócio cansa menos, digamos assim, que fazê-lo em prol de terceiros. Esta é uma verdade que nenhum credo político conseguiu desmentir. E as tentativas em contrário, nas ditas economias planejadas comunistas, experimentaram notória frustração. Empresas familiares geram herdeiros, mas mesmo assim os alemães não criam seus filhos como parasitas. Alguém duvida de que este seja um dos pilares do sucesso deles? Na última viagem à Alemanha colhi uvas no parreiral de uma família conhecida. Haviam começado bem cedo. Chegamos a duas horas do fim da jornada em razão de outros compromissos. Trabalhei menos, mas prá valer. Foram belos momentos, coroados mais tarde por um jantar comum, regado com o vinho daqueles agricultores. Metaforicamente o empreendimento é compartilhado pelo patriarca e o filho mais velho, que se chama Benjamin. Este nome, hebraico, pode significar filho da felicidade, mas por lá mesmo o filho amado dá duro.

Por aqui o vento sopra de maneira diversa. Os filhos são incensados. Por mais medíocres que sejam, seus pobres feitos são cantados em verso e prosa, ainda, é claro, que por péssimos versejadores. Os pais se esforçam para satisfazerem suas vontades, mesmo quando de sã consciência não devessem fazê-lo. Assim, vê-se de tudo. Pais que vivem em dificuldade e lamentam não poder sustentar as noitadas dos rebentos. Festas de quinze anos em que a fantasia confessa dos pais chega às raias do bizarro: “Vai, minha filha, conquistar o mundo!“. Com que alicerce? Pouco importa. Com que bagagem? Ora, não façamos perguntas difíceis ...

Creio que nosso cotidiano incensar os filhos tenha raízes na busca pelos pais de um sentido na vida. Como carecem deste sentido, fazem a aposta na prole. Ocorre que, segundo sábias palavras de Viktor Frankl, “é falsa a tese de que o sentido da vida se radica na descendência. Essa tese facilmente se pode reduzir ad absurdum. Em primeiro lugar, a nossa vida não se pode prolongar in infinitum: também as linhagens acabarão por morrer e decerto que um dia também toda a humanidade terá que desaparecer pela morte, ainda que tal suceda apenas numa catástrofe cósmica do planeta Terra. (...) Se a vida duma mulher sem filhos ficasse realmente sem sentido por essa única razão, isso significaria que o homem vive apenas para os seus filhos e que o sentido da sua existência estaria exclusivamente na descendência que deixasse”.

Anos atrás vi, em São Paulo, cartazes da campanha “Crie filhos em vez de herdeiros”. Qual a intenção? Que os pais ajudem seus filhos a compreender o valor das coisas, não o seu preço.

J. B. Teixeira



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