Páginas

segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

Um Conselho Positivo

A vida tem destas coisas. Conselhos positivos. Passo a explicar. Tinha encomendado umas botas para a minha neta que, entretanto, chegaram. Resolvi passar rapidamente pelo armazém para as levantar antes de ir almoçar com uma amiga. Já seriam uma prenda de natal. Cheia de sorte, arranjei um lugar mesmo à porta do armazém. Quando ia a sair um polícia fez-me um sinal e veio na minha direção. Estranho. Tinha a certeza que estava bem estacionada. O agente da autoridade referiu: “Se vai para o armazém, é melhor deixar o carro no estacionamento que é mais económico”. Saí do carro. Custava-me deixar aquele lugar tão bom. Seriam unicamente 10 minutos! Mas o agente insistiu: “Pensa que são 10 minutos e depois é mais tempo”. Bem, o melhor era respeitar o conselho da autoridade. Entrei no carro, fui para o estacionamento, Tive sorte, arranjei um lugar apesar de estar quase cheio. Fui apanhar o elevador. Bem quando cheguei ao 4º piso, os 10 minutos estavam quase passados. Depois as caixas estavam ocupadas. Tive de aguardar pela minha vez. A funcionária muito amável, recordava-se da minha neta. O difícil mesmo foi encontrar as botas. Encontravam-se noutro departamento ao lado. Pensei interiormente que o polícia tinha razão. Devia ser a experiência. Depois foi necessário embrulhar. Desci novamente as escadas. Tinham passado 45 minutos. Seria uma multa pela certa. Foi um conselho muito positivo o do agente da autoridade.

Fui ter com a minha amiga quase centenária. Como sempre foi um prazer. Pese embora a sua idade avançada, admirei mais uma vez o seu estado de lucidez. Durante horas comentámos episódios do passado, que lhe causavam uma grande alegria. Admirava a sua enorme vontade de viver. A certa altura referiu feliz: “Parece mentira como vou fazer 100 anos. É preciso manter sempre a esperança e gostar de viver”. Deixei-a com as amigas para mais um jogo de dominó. Encontravam-se todas em cadeira de rodas. Olhei ao meu redor. Quase todos os residentes sofriam de alguma patologia com necessidade de, como é óbvio, prestação de cuidados de saúde. Contudo, pareciam conformados e felizes dentro do possível. Fiquei com o coração apertado. Será que agradecemos o suficiente a quem deles, e de tantos outros, se ocupa dia e noite? Médicos, diferentes técnicos de saúde, pessoal auxiliar, assistência social, família, amigos, quem promove as iniciativas e as gere, quem elabora as políticas, quem defende o bem-estar dos idosos, entre outros. Não deve constituir uma tarefa fácil, ainda que gratificante. Os idosos têm tanto para partilhar; a sua experiência de vida; os seus ensinamentos; a sua solidariedade; todo o amor e compreensão; o espírito de entreajuda quando o seu estado de saúde assim o permite e muito mais. Por outro lado, precisam de amor, de dignidade, de reconhecimento pelo papel desempenhado na família e na sociedade, se possível a dobrar. Como a minha neta dizia: “A avó é mãe duas vezes”.

Mas a vida tem destas coisas. Pediram-me para representar a Associação Portuguesa a Favor da População Sénior - Via Vitae, que tem como base a ideia fundadora “A via da vida, percurso iniciado à nascença”, considerando que “A partir do conhecimento dos problemas do envelhecimento é possível intervir nas idades jovens, sabendo-se que as políticas têm efeito no futuro dos indivíduos” (OCDE), e ainda com uma visão da sociedade de e para todas as idades, que garanta uma ecologia propícia de envelhecimento ativo e de coesão das gerações. Esta representação seria consubstanciada na participação em uma Conferência Comemorativa do 70º Aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que teve lugar no dia 27 de Novembro de 2018, na Biblioteca da Rainha, do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Fiquei feliz com mais uma efeméride em prol da defesa dos direitos humanos cuja Declaração se mantém tão atual e oportuna, constituindo o instrumento mais importante. Grande parte dos textos vinculativos, hoje em dia, aludem a esta Declaração Universal, em que todos os órgãos de soberania se encontram envolvidos, que se pretende alcançar se possível na sua plenitude, através de uma educação guiada pelos direitos humanos que significa antes de mais nada repor a centralidade na pessoa, enquanto querida e criada por Deus à sua imagem e semelhança. Claro que existem enormes lacunas por preencher, que devem contar com o envolvimento de todos: organizações sociais, academias, de todas os intervenientes nas diferentes áreas dos direitos humanos, que com a sua exigência crítica e experiência no terreno, ajudarão a implementar respostas, que vão de encontro às reais necessidades detetadas, de um modo que se pretende mais célere e eficaz. O papel da sociedade civil é primordial neste sentido.

Termino estes artigo dando ênfase a uma frase do Papa Francisco: “Os direitos humanos são violados não só pelo terrorismo, a repressão, os assassinatos, mas também pela existência de extrema pobreza e estruturas económicas injustas, que originam grandes desigualdades”. Vamos todos contribuir pessoalmente, dentro das nossas possibilidades, com empenho e dedicação, para que se alcance a paz e a edificação do bem comum em prol da defesa da humanidade e da construção de uma sociedade mais justa e solidária.

Maria Helena Paes



Sem comentários:

Enviar um comentário