Com algum grau de expetativa cheguei, a convite de minha irmã, à Vila da Ericeira. Felizmente o bom tempo fazia-se sentir dando-me as boas-vindas. O quarto que me tinha sido destinado possuía uma varanda com uma vista panorâmica belíssima sobre um mar azul a perder de vista. Tão convidativo que não resisti a dar um salto até à praia. Já sentada à beira-mar, contemplando o que a natureza tinha para me oferecer, em particular o mar, veio-me à memória que, nesta vila, mais precisamente na Praia dos Pescadores, tinha acontecido o último momento da monarquia portuguesa, ou seja, a partida do Rei D. Manuel II, com a sua família (Rainha D. Amélia, sua mãe, e Rainha D. Maria Pia, sua avó), rumo ao exílio, no dia 5 de Outubro de 1910.
Saciado o meu desejo de tomar um belo banho de mar, manifestei à minha irmã, a enorme vontade sentida de nos dirigirmos a esta praia. Pelo caminho fiquei maravilhada com o magnífico pôr do sol com uns tons avermelhados fortíssimos repletos de uma luminosidade que se refletia sobre o mar, Chegámos ainda com sol à Capela da Boa Viagem, situada sobre a Praia dos Pescadores. Durante vários séculos, na pequena plataforma virada a poente, a sineta e a lanterna de fogo anunciavam a localização do porto à noite, ou em períodos de nevoeiro, ou ainda de tempestade, constituindo uma referência para os que se aventuravam na faina da pesca. A Capela da Boa Viagem foi reconstruída em 1644, sendo o seu interior revestido de azulejaria padrão. No altar-mor venerou-se uma imagem de Nossa Senhora da Boa Viagem, segundo os dados aí existentes, até 1912. Nesta altura seria vandalizada e atirada ao mar.
Assinalado no pelourinho, face à dimensão trágica de alguns momentos vivenciados nesta vila, encontra-se menção de que aí foram justiçados muitos dos que seguiam Mateus Álvares, dito “rei da Ericeira”, na insurreição contra os Filipes no ano 1583. Recorda igualmente os naufrágios, os assaltos de pirataria no norte de África, as partidas para a pesca do bacalhau e, como não podia deixar de ser, a dimensão histórica que constituiu a saída da família real. Na Praia dos Pescadores, olhava as pequenas ondas que vinham desfazer-se na areia. Fechei os olhos por um momento. Pareceu-me pressentir um rumor. Recuei no tempo. O iate real da Rainha Dona Amélia encontrava-se ao largo. Aguardava a chegada da família real. Ajudado pelos pescadores o Rei D. Manuel II, a Rainha Dona Amélia, a Rainha Dona Maria Pia, partiriam da Ericeira e de Portugal, rumo ao exílio. Num primeiro momento tinham pensado seguir para a cidade do Porto, mas tal já não era possível. O destino seria Gibraltar e posteriormente o Reino Unido, onde o Rei D. Manuel II passaria o resto da sua vida. Que momentos de ansiedade, de dor, de expetativa, face ao futuro, terá sofrido esta família, desconhecendo quem os acolheria. Desconheciam, então, que tinha terminado a monarquia em Portugal, nesta Praia dos Pescadores. Enquanto mais uma peça integrada nesta situação angustiante, sentia-me preocupada com o futuro desta família já tão sofrida com o assassinato do Rei D. Carlos e do Príncipe Luís Filipe, a minha irmã tocou-me no braço, trazendo-me à realidade. O sol estava quase a desaparecer. A luz que emanava nestes últimos momentos era de uma beleza extraordinária, augurando um tempo excelente para o dia seguinte. E a noite caiu.
As ondas pareciam sussurrar mil e uma histórias de encantar. Tantos sonhos perdidos, tantas aventuras pareciam requerer ainda a minha presença. Mas é chegado o momento de partir. O que quer que seja, um dia será esclarecido, ou talvez não! Sobretudo, por saber que a imagem de Nossa Senhora da Boa Viagem fora atirada ao mar. Questionava-me o que teria sido feito dela. Mais de cem anos volvidos, danificada, corroída pelo tempo e pela água, talvez misturada com as algas. Contudo, os milagres existem!
Já de regresso, recordei que possuímos um património histórico-cultural riquíssimo do qual todos nos orgulhamos certamente. Que bom é recordar o nosso vasto e mui digno passado, mergulhar na história, nos acontecimentos mais ou menos felizes que marcaram épocas e vivenciá-los, integrando-os no presente. Não podemos renegar a História, mas sim, corrigir os erros, e possuirmos um orgulho enorme por este Portugal que ajudou a descobrir, a desenvolver novos mundos, a construir uma nova página na história do Mundo, com muitos heróis famosos e outros desconhecidos, ao longo dos séculos. Quantos deram muitas vezes a sua vida em prol de uma causa nobre em que acreditavam! Recordei o Anjo da Guarda de Portugal, pedindo-lhe que continue sempre a ajudar e a proteger este nosso País muito amado.
Maria Helena Paes |
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