Entrevista a Pablo Ordaz, correspondente na Itália do jornal espanhol El País, sobre os dois primeiros anos do pontificado do Papa Francisco.
Roma, 06 de Março de 2015 (Zenit.org) Sergio Mora
No dia 13 de Março de 2013, da varanda da Basílica de São
Pedro, o Cardeal Tauran disse: 'Habemus Papam'; e que 'José Mario
cardenal Bergoglio' era o novo pontífice com o nome de Francisco.
Daquele então até hoje mudou algo na Igreja?, Qual é a percepção e a
realidade? ZENIT perguntou para o correspondente espanhol na Itália, que
não faz descontos ao Vaticano, Pablo Ordaz, do jornal El País, que tem
sido um correspondente no México, América Central e Caribe, e cujas
respostas compartilhamos com os nossos leitores.
ZENIT: Desde o começo do pontificado do Papa Francisco, você acha que algo mudou na imagem da Igreja?
- Pablo Ordaz: Com certeza. Tanto do ponto de vista dos católicos
como do resto da opinião pública. Não podemos nos esquecer que faz só
dois anos que o Vaticano estava imerso em guerras de poder que levaram à
fuga de documentos do caso Vatileaks, à detenção do mordomo de Bento
XVI, à demissão descarada do chefe do IOR, aos escândalos contínuos de
pederastia, à renúncia de Joseph Ratzinger... Em um tempo recorde, Jorge
Mario Bergoglio conseguiu que os católicos, na sua grande maioria,
voltassem a se sentir orgulhosos da sua Igreja – é só olhar para a Praça
de São Pedro cada quarta-feira e cada domingo ou o interesse que causam
as suas viagens – e que líderes mundiais como Barack Obama tenham vindo
a Roma para visita-lo e dizer: “É necessário escutar o Papa”. A sua
mensagem social em um momento de crise e sofrimento para muitas pessoas
em todo o mundo está chegando com força.
ZENIT: Tem sido somente uma mudança de imagem ou foram mudanças reais?
- Pablo Ordaz: Eu acho que o segundo está ligado ao primeiro. Após
aquela frase de abertura de seu pontificado - "como eu gostaria de ter
uma Igreja pobre para os pobres" - Bergoglio está tentando, embora não
sem resistência interna, lançar luz sobre as tradicionais escuras
finanças vaticanas, racionalizar gastos, contagiar a Cúria e as diversas
congregações, do seu estilo simples de vida, ir à busca dos feridos –
divorciados recasados, novos casais, gays... – em vez de ficar protegido
na comodidade. Mas, não é fácil. A inércia de muitos séculos nos
contemplam e é mais simples acostumar-se a ser rico do que a ser
pobre... como também não é fácil que depois de décadas olhando para
outro lado, a Igreja, em seu conjunto, esteja se convencendo de que a
“tolerância zero” é a única resposta à pederastia. Embora tarde,
começa-se a dar passos nesse sentido.
ZENIT: Como você acha que isso foi vivido no Vaticano?
- Pablo Ordaz: Muitos ainda não se recuperaram da surpresa. Não tanto
da surpresa de ver na varanda aparecer um Papa vindo do fim do mundo,
com sapatos gastos, uma cruz de prata e pedindo para fieis reunidos em
São Pedro que rezassem por ele, mas da surpresa de que não se tratasse
só de gestos, pura propaganda, maquilhagem para cobrir as feridas... Já
não há dúvida de que Bergoglio está disposto a muda a Igreja para
sempre, que sabe que tem pouco tempo e que, portanto, vai fazê-lo custe o
que custar e doa a quem doer. Perante isso, só existem duas opções, ou
ajuda-lo na empresa ou expor-se a ser arrastado pelo furacão. Está claro
que existem resistências – e aí estão os vazamentos dos últimos dias
sobre as supostas extravagâncias do Cardeal George Pell – , mas, acho
que, no geral está conseguindo o que quer.
ZENIT: De vez em quando o Papa usa palavras e imagens claras, mas politicamente incorrectas. Como você vê isso?
- Pablo Ordaz: Dizia o escritor Ennio Flaiano que, na Itália, a linha
mais curta entre dois pontos é o arabesco. A Igreja oficial, tão
vinculada à Itália para o bom e para o mal, abusou muito do arabesco,
das mensagens cifradas, para dirigir-se aos fieis. O resultado foi,
muitas vezes, um corte de comunicação, uma distância intransponível
entre os doutores da Igreja e os católicos a pé. O resultado – ou um
deles – pode ver-se na fuga, especialmente na América, de centenas de
milhares de católicos para outras confissões. Bergoglio prefere falar
cara a cara, dar-se a entender, sair do roteiro, apelar para a emoção
quando fala das mães que perdem os seus filhos no mar de Lampedusa e até
mesmo critica abertamente quando fala da cara de enterro ou da vida
mundana de alguns sacerdotes e freiras. E, às vezes, alguma dessas suas
frases, analisadas de forma isolada, sem o contexto apropriado ou o
filtro do politicamente correto, podem causar polémica. Mas, tenho a
impressão de que Francisco prefere errar e chegar nas pessoas do que
elaborar discursos frios e distantes.
ZENIT: O Papa Francisco fala muito de Jesus, das parábolas do Evangelho...
- Pablo Ordaz: Sim, me chama muito a atenção de que os discursos do
Papa – cuja cópia original nos envia a secretaria de imprensa do
Vaticano – estejam cheios de referências constantes às escrituras. No
outro dia eu contei 22 em uma homilia de duas páginas e meia.
Recentemente me dizia uma amiga sua argentina que Bergoglio é um grande
conhecedor da Bíblia e que nunca lê um texto que não tenha sido
trabalhado e escrito por ele mesmo. Mas, além do mais, eu suspeito que o
faça para eliminar qualquer dúvida, de dentro: quer deixar claro que a
Igreja que ele sonha e prega – a da periferia, a dos pastores com cheiro
de ovelha – não é outra que a das origens. Que em vez de uma teoria
nova o que está fazendo é tirar os escombros de cima do discurso das
origens.
ZENIT: Que outras considerações poderia fazer sobre estes dois anos de pontificado?
- Pablo Ordaz: Existe um resultado claro. Independentemente de que o
papa Francisco seja mais agradável para uns do que para outros, o que
sim fica claro é que colocou a Igreja no centro do debate em todo o
mundo. A sua mensagem é escutada pelos de dentro e os de fora e, além
disso, está utilizando a poderosa maquinaria diplomática do Vaticano
para mediar conflitos como o do Oriente Próximo ou a bem sucedida aproximação
entre EUA e Cuba. As vezes é preciso distanciar-se de um quadro para
ter a visão mais nítida, e as pequenas guerras de poder que continuam
existindo no Vaticano são “peccata minuta” em comparação com todos os
aspectos interessantes do ainda curto pontificado de Jorge Mario
Bergoglio.
(06 de Março de 2015) © Innovative Media Inc.
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