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terça-feira, 13 de agosto de 2024

Jesus foi protagonista nestes Jogos Olímpicos, muito além da cerimónia de abertura

Apesar da exigência de "neutralidade"


 | 12 Ago 2024

O skater canadiano Cordano Russell. Foto Atiba Jefferson, World Skate

“O maior agradecimento vai para o meu Pai Celestial. ‘Humilde na vitória e gracioso na derrota'”, escreveu o skater canadiano Cordano Russell nas suas redes sociais, após terminar os Jogos Olímpicos em sétimo lugar. Foto © Atiba Jefferson, World Skate

“Jesus is king, let’s go!” que é como quem diz “Jesus é rei, ‘bora lá!”. Talvez esta não fosse a frase que a maioria das pessoas esperasse ouvir do skater canadiano Cordano Russell antes de ele entrar em prova nos Jogos Olímpicos de Paris, mas foi precisamente isso que o jovem de 19 anos gritou no momento em que o apresentador dizia o seu nome e a câmara de TV estava apontada para ele. Surpreendentemente, ou não, esta foi apenas uma entre as incontáveis manifestações de fé da parte de atletas nestas Olimpíadas, depois de terem arrancado ensombradas pela polémica das “cenas de escárnio e zombaria do cristianismo” na cerimónia de abertura.

Com 1,90m de altura e 104 kg, Russell é muito mais alto e musculoso do que a média dos skaters – e parte mais tábuas do que os seus concorrentes! – mas mesmo quando isso acontece, ou quando falha uma manobra, ninguém o ouve dizer palavrões. Em vez de uma qualquer asneira, é comum ouvi-lo gritar, divertido, “nuggets de frango!”. Até porque, graças à sua fé, encara os fracassos como algo que o fortalece. Nestes seus primeiros Jogos Olímpicos, terminou em sétimo na prova de street. Sem medalha, mas feliz. Na sua conta de Instagram, escreveu: “Nunca esquecerei estes momentos maravilhosos em Paris. Obrigado a todos os que me ajudaram a alcançar este marco. O maior agradecimento vai para o meu Pai Celestial. ‘Humilde na vitória e gracioso na derrota'”.

Quem saiu medalhada dos Jogos Olímpicos foi outra skater: a brasileira Rayssa Leal.  E também ela fez questão de agradecer a Deus. Mas ainda antes disso, surpreendeu todos durante a sua prova, quando aproveitou o momento em que estava a ser filmada para citar o Evangelho de São João (14, 6) em língua gestual. “Jesus é o Caminho, a Verdade e a Vida”, disse Rayssa.

Apesar de ter apenas 16 anos, a atleta brasileira não é uma estreante nas Olimpíadas, nem nas medalhas, visto que já havia ganho a prata em Tóquio. “E aqui estou eu, com uma segunda medalha olímpica dos Jogos. Mais uma vez, graças a Deus, ganhei uma medalha. Estou muito feliz por estar aqui”, disse, sorridente, em declarações aos jornalistas após conquistar o bronze. No Instagram, onde conta com mais de sete milhões de seguidores, havia quem comentasse que ela estava tão feliz como se tivesse ganho o ouro.

Mas também houve quem ganhasse o bronze e não conseguisse celebrar logo a vitória. E esse terá sido um dos momentos mais emotivos (para não dizer bonitos) dos Jogos Olímpicos de Paris: aquele em que a judoca brasileira Larissa Pimenta venceu a italiana Odette Giuffrida e desabou em lágrimas. A derrotada foi a primeira a dar-lhe um abraço e parecia estar a consolá-la, como que a dizer-lhe que não havia problema em tê-la vencido. Mais tarde, Larissa Pimenta explicou a conversa que as duas adversárias (mas também amigas) tiveram no tapete de judo: “Ela é uma pessoa especial para mim e o que me disse foi muito significativo. Ela fala português e nós conversamos bastante. A ‘Ode’ conheceu Deus através de mim — ela veio ao Brasil e encontrou Deus. E há uns dias estávamos a conversar… que toda a honra e toda a glória a gente ia dar para Ele. Então, naquele momento [quando o combate terminou], ela disse-me: ‘levanta, porque toda a honra e toda a glória você tem que dar para ele!’”.

 

Bonita foi também a atitude das ginastas norte-americanas Simon Biles e Jordan Chiles, quando a sua adversária Rebeca Andrade subiu ao pódio para receber a medalha de ouro na prova de solo. Elas, que tinham ganho, respetivamente, a prata e o bronze, ajoelharam-se e fizeram-lhe uma vénia, como que a reconhecer o seu valor e a manifestar alegria pela vitória da concorrente e amiga. Rebeca não escondeu a alegria, com a medalha e com o gesto, e depois de ter ganho também a medalha de prata na competição de salto, a ginasta explicou que Deus estava a prepará-la para esta e outras conquistas. E até cantou um tema cristão que transmite essa mensagem:

Já numa entrevista dada há dois anos ao podcast “Positivamente”, Rebeca Andrade havia reconhecido a importância da educação cristã que recebeu, por ajudá-la a ser mais resiliente, e partilhado uma das formas que encontrou para lidar com a ansiedade nos Jogos Olímpicos: “levava sempre a Bíblia para a competição e lia-a quando ia à casa de banho”.

Nessa mesma entrevista, a atleta brasileira revelou ainda um episódio determinante no seu percurso, após ter sido submetida à terceira cirurgia: “Eu estava no quarto com a minha amiga, ela ia competir no dia seguinte e eu não, porque me tinha lesionado, (…) e eu lembro-me de que mentalmente eu só pedia um abraço — porque eu não tinha a minha mãe, os meus irmãos ali comigo. A minha amiga estava a dormir, e ela tem um sono muito pesado. Ela acordou, levantou-se sem dizer uma palavra e veio e deu-me um abraço. Foi naquele momento que eu soube que Deus estava comigo (…) e que aquele abraço foi dele, sabe? E eu disse: Eu não vou parar (…) Se eu precisei de passar por isso de novo é porque Ele tem algo maior, e Ele tinha”.

Mas Rebeca Andrade não foi a única a mostrar os seus dotes vocais para louvar a Deus durante estas Olimpíadas. Yemisi Ogunleye, da Alemanha, que conquistou a medalha de ouro no lançamento do peso feminino, presenteou os jornalistas com a canção que disse ter entoado mentalmente enquanto competia, uma das que aprendeu quando cantava num coro gospel:

Algumas horas antes da final de lançamento do peso, Ogunleye havia partilhado na sua conta de Instagram aquele que é o seu “versículo bíblico de competição”, da segunda Carta a Timóteo (1,7), que diz: “pois Deus não nos concedeu um espírito de timidez, mas de fortaleza, de amor e de bom senso”.

Noutro registo, e apesar de terem perdido o título de campeões olímpicos para os franceses, os jogadores de rugby das ilhas Fiji surpreenderam os que com eles se cruzaram ao longo dos últimos dias na Aldeia Olímpica ao cantarem todas as manhãs “Mo Ravi Vei Jisu”, um hino do seu país cuja letra, traduzida, diz: “Confie no Senhor e Ele guiará o seu caminho”.

Um desses momentos foi gravado pela jogadora de polo aquático australiana Matilda Kearns, e inspirou um artigo no site de uma rádio de música clássica, que o descreveu como “harmonia musical de tirar o fôlego”. “Na verdade, só de ouvir o vídeo, você pode pensar que está a ouvir um ensaio de um coro profissional. As harmonias, ritmos, musicalidade e pura beleza das suas vozes ressonantes tornam difícil acreditar que não sejam músicos profissionalmente treinados”, escreveu a jornalista da Classic FM.


“A Aldeia Olímpica poderia ser o último lugar onde esperaríamos ouvir uma música tão poderosa”, comentava a mesma jornalista. Até porque a Carta Olímpica – que rege a organização dos Jogos – é clara: “Nenhum tipo de manifestação ou propaganda política, religiosa ou racial é autorizada em qualquer local olímpico”, pode ler-se no artigo 50.

Mas “o que é proibido é o proselitismo: uma atitude que procura convencer os outros, marcar a filiação religiosa com o objetivo de suscitar apoios”, esclarece Nicolas Cadène, antigo relator geral do Observatório do Laicismo, entrevistado  pelo La Croix [artigo exclusivo para assinantes].

Neste contexto, o sinal da cruz que muitos atletas fazem antes e depois de entrar em prova, não é objeto de sanção. E nenhuma das atitudes que referimos anteriormente foi. Mas e em relação ao uso de símbolos religiosos? Cabe às federações internacionais de cada desporto estabelecer as suas próprias regras quanto a isso, em conformidade com os critérios de saúde e segurança definidos pelo Comité Olímpico Internacional. Várias, incluindo a de atletismo, autorizam o uso do véu islâmico, por exemplo. Só França assumiu uma posição particular. Escudando-se no “princípio da neutralidade”, não autorizou nenhum dos seus atletas olímpicos ou paralímpicos – que considera estarem numa “missão de serviço público” – a usar “trajes de cunho religioso”.

Também o surfista brasileiro João Chianca, conhecido como Chumbinho, soube a poucos dias da competição que não poderia usar as pranchas que havia mandado personalizar com a imagem do Cristo Redentor. “Acabo de receber a notícia de que a pintura não está autorizada nos Jogos Olímpicos porque Cristo é uma figura religiosa. E os jogos têm regras estritas e centram-se na neutralidade total. Obrigado a todos pelo apoio, essas pranchas estão lindas. Sempre buscarei refazer essa pintura”, comentou Chumbinho numa publicação entretanto apagada das suas redes sociais.

Surfista João Chumbinho posa com as pranchas que deveria levar aos Jogos OLímpicos Paris 2024. Foto redes sociais

O surfista João Chumbinho junto das pranchas que tinha previsto levar aos Jogos Olímpicos deste ano. Foto: Direitos reservados

Certo é que, entre os mais de 10 mil atletas que participaram nos Jogos Olímpicos de Paris 2024, não faltou quem usasse véus, terços ao pescoço, colares e pulseiras com cruzes, e também tatuagens com símbolos e frases religiosas… umas mais discretas que outras. A do britânico Adam Peaty, que se tornou cristão depois de lutar contra “três anos de inferno” devido à depressão e ao alcoolismo após as Olimpíadas de Tóquio, seria difícil de esconder para um nadador. Logo abaixo do peito, a ocupar a região abdominal, tem desenhada uma grande cruz com a seguinte frase por baixo: “Into the light” (“Para a luz”). Uma tatuagem assumidamente feita para representar essa luta, vencida com a conversão a Jesus.

Nadador Adam peaty nos Jogos Olímpicos de Paris 2024. Foto reproduzida a partir da conta oficial de Fb do atleta

A cruz e a frase que Adam Peaty tatuou no abdómen não passaram despercebidas. Foto reproduzida a partir da conta oficial de Facebook do atleta

Tendo ficado a dois centésimos do primeiro lugar na final de 100 metros mariposa, Peaty chorou. Mas fez questão de esclarecer aos jornalistas: “São lágrimas de felicidade. Não estou a chorar porque fiquei em segundo, estou a chorar porque foi preciso muito esforço para chegar aqui”. E acrescentou: “Sou um homem muito religioso, e pedi a Deus para mostrar o meu coração, e este é meu coração. Eu não poderia ter feito mais”.

O atleta recordou ainda o dia da sua primeira ida à Igreja de Nottingham, que agora frequenta todos os domingos. Timidamente sentado na última fila, levantou a cabeça quando percebeu que o tema da homilia eram as Olimpíadas. “Ninguém sabia que eu estava ali. Eu estava lá atrás e pensei: ‘se isto não é para mim, então o que é?'”.

Hoje, sente que não pode guardar essa descoberta para si. Daí a tatuagem com a mensagem que, tal como tantos outros atletas, quer aproveitar para transmitir naquela que é a competição desportiva mais importante do planeta. Há milhões de pessoas a ver… e tantas que “precisam de um pouco de luz”.



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